Desde sua independência, em 1991, a Ucrânia oscila entre o Ocidente e a Rússia, vizinho que, nos últimos anos, tem manifestado repetidamente sua oposição à aproximação da ex-república soviética da União Europeia (UE). Entender sua história é saber por que a Rússia está invadindo a Ucrânia. Passado entre os países gera tensão constante e riscos de guerra na Europa e preocupam integrantes da Otan e de Moscou.
Confira o que faz da Ucrânia um país de grande interesse para Vladimir Putin e se tornou em 24/2 palco de novo conflito com a Rússia, após as tropas russas invadirem regiões e entrarem em conflito com o Exército ucraniano.
Independência da Ucrânia
Em 1º de dezembro de 1991, ainda integrada à então União Soviética (dissolvida em 25 de dezembro de 1991), a Ucrânia vota, em um referendo, a favor da independência. O resultado desta consulta foi imediatamente reconhecido pelo então presidente russo, Boris Yeltsin.Em 8 de dezembro, Rússia, Ucrânia e Bielorrússia (que se tornará Belarus) assinam um acordo que estabelece uma Comunidade de Estados Independentes (CEI). Nos cinco anos seguintes, porém, a Ucrânia tentará se libertar da tutela política de seu grande vizinho, iniciada há três séculos.Leia também: as guerras da Rússia desde a queda da União Soviética, em 1991
O tratado e os textos anexos resolvem, em particular, a espinhosa disputa sobre a distribuição da antiga frota soviética no Mar Negro, ancorada em Sebastopol, na Crimeia.Na madrugada de 24 de fevereiro, Putin anuncia uma "operação militar" na Ucrânia, descrita pelo ministro ucraniano das Relações Exteriores, Dmytro Kuleba, como uma "invasão em grande escala".
As tensões entre a Ucrânia e a Rússia estão em seu ponto mais alto dos últimos anos.
O exército russo reuniu mais de 130 mil soldados perto da fronteira ucraniana nas últimas semanas.
Os Estados Unidos e demais países-membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) acusam a Rússia de planejar um ataque contra a Ucrânia e apontam um crescente acúmulo de forças militares nas fronteiras.
Os russos, por sua vez, negam que haverá uma invasão, mas pedem que a Otan afaste-se da Ucrânia e de suas intenções de tornar o país fronteiriço mais um de seus membros na Europa.
Nesta segunda (14), porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que o presidente russo, Vladimir Putin, está “disposto a negociar”, acrescentando que a crise da Ucrânia era apenas uma parte das maiores preocupações de segurança da Rússia.
Os Estados Unidos e a Otan descreveram os movimentos e concentrações de soldados dentro e ao redor da Ucrânia como “incomuns”.
Cerca de 130 mil soldados russos permanecem acumulados na região da fronteira ucraniana, apesar de alertas do presidente dos EUA, Joe Biden, e líderes europeus para sérias consequências “severas” no caso de Vladimir Putin avançar com uma invasão.
Os serviços de inteligência norte-americanos estimaram que a Rússia poderia começar antes do final dos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, que terminam em 20 de fevereiro.
A Rússia criou pontos de pressão em três lados da Ucrânia – na Crimeia, ao sul, no lado russo da fronteira entre os dois países e em Belarus, ao norte.
Nesta terça (15), algumas tropas nos distritos militares da Rússia adjacentes à Ucrânia estão retornando às suas bases depois de completar os exercícios, informou o Ministério da Defesa russo.
Imagens de vídeo publicadas pelo Ministério da Defesa mostraram alguns tanques e outros veículos blindados sendo carregados em vagões ferroviários.
O Ministério disse que usaria caminhões para transportar alguns equipamentos, enquanto algumas tropas marchariam para as bases por conta própria.
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, disse que Kiev acreditará no apaziguamento somente depois de ver a retirada da Rússia, informou a agência de notícias Interfax Ucrânia.
“Ouvimos continuamente diferentes declarações da federação russa, por isso temos uma regra: acreditamos no que vemos. Se virmos a retirada, acreditaremos na desescalada”, disse Kuleba, segundo o relatório.
Os movimentos relatados contrariam os avisos dos Estados Unidos e do Reino Unido de que a Rússia pode estar prestes a invadir a Ucrânia a qualquer momento.
As tensões entre Ucrânia e Rússia, ambos ex-estados soviéticos, escalaram em 2013, após um acordo político e comercial histórico com a União Europeia. Após o então presidente pró-Rússia, Viktor Yanukovych, suspender os diálogos – supostamente sob pressão de Moscou – semanas de protestos em Kiev explodiram em violência.
Então, em março de 2014, a Rússia anexou a Crimeia, uma península autônoma no sul da Ucrânia, com lealdade forte à Rússia, com o pretexto de que estaria defendendo os interesses locais e dos cidadãos de herança russa.
Primeiramente, milhares de soldados de herança russa, apelidados de “pequenos homens verdes” e posteriormente reconhecidos por Moscou como soldados russos, invadiram a península da Crimeia. Dentro de dias, a Rússia completou sua anexação em um referendo que foi apontado pela Ucrânia e por vários outros países como ilegítimo.
Pouco tempo depois, separatistas pró-Rússia nas regiões ucranianas de Donetsk e Luhansk declararam sua independência de Kiev, levando a meses de conflitos. Apesar de Kiev e Moscou terem assinado um acordo de paz em Minsk, em 2015, intermediado pela França e pela Alemanha, ocorreram repetidas violações do cessar-fogo.
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), ocorreram mais de 3 mil mortes de civis relacionadas ao conflito no leste da Ucrânia desde março de 2014.
A União Europeia e os Estados Unidos impuseram uma série de medidas em resposta às ações russas na Crimeia e no leste ucraniano, incluindo sanções econômicas mirando indivíduos, entidades e setores específicos da economia russa.
O Kremilin acusa a Ucrânia de causar tensões no leste do país e violar o acordo de cessar-fogo de Minsk.
O Kremlin negou repetidamente que a Rússia planeja invadir a Ucrânia, insistindo que a Rússia não impõe uma ameaça a ninguém e que as tropas que se movimentam dentro do território não deviam causar alarme.
Moscou enxerga o crescente apoio da Otan à Ucrânia – em termos de armamento, treinamento e pessoal – como uma ameaça à própria segurança. Também acusa a Ucrânia de aumentar seus próprios números de tropas em preparação para uma tentativa de retomar a região de Donbas, uma alegação que o país negou.
O presidente russo, Vladimir Putin, pediu por acordos legais específicos que impediriam uma maior expansão da Otan em direção às fronteiras russas, dizendo que o Ocidente não cumpriu suas afirmações verbais prévias.
Putin também disse que o envio de armas sofisticadas para a Ucrânia por parte da Otan, como sistemas de mísseis, é cruzar uma “linha vermelha” para a Rússia, em meio às preocupações de Moscou sobre o aumento do poder bélico ucraniano patrocinado pela Otan.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse em novembro que armas e conselheiros militares já estavam sendo fornecidos para a Ucrânia pelos Estados Unidos e outros estados-membro da Otan. “E tudo isso, claro, leva a uma agravação futura da situação na fronteira”, disse.
Se os EUA e seus aliados não mudarem de curso na Ucrânia, o ministro de Relações Exteriores russo, Sergey Lavrov, alertou que Moscou tem o “direito de escolher formas de garantir seus interesses legítimos de segurança”.
O governo ucraniano insiste que Moscou não pode impedir Kiev de construir laços mais próximos com a Otan, caso queira.
“A Rússia não pode impedir a Ucrânia de se aproximar da Otan, e não tem direito de ter voz em discussões relevantes”, disse o ministro de Relações Exteriores em posicionamento a CNN, em resposta a pedidos russos de que a Otan pare seu avanço na direção leste.
“Quaisquer propostas russas para discutir com a Otan ou os EUA as tão ditas garantias de que a Aliança não se expandiria para o Leste são ilegítimas”, acrescentou.
A Ucrânia insiste que a Rússia está buscando desestabilizar o país, com o presidente, Volodymyr Zelensky, dizendo recentemente que um planejamento de golpe, envolvendo russos e ucranianos, foi descoberto.
O ministro de Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, avisou que um golpe poderia ser parte do plano russo anterior a uma invasão militar. “A pressão militar externa anda de mãos dadas com a desestabilização doméstica do país”, ele disse.
As tensões entre os dois países foram exacerbadas pelo agravamento de uma crise energética na Ucrânia, que Kiev acredita ter sido causada propositalmente por Moscou.
Ao mesmo tempo, o governo de Zelensky enfrenta desafios em muitas frentes. A popularidade do governo estagnou em meio a diversas polêmicas de política doméstica, incluindo uma terceira onda de infecções pela Covid-19 nas últimas semanas e uma economia desequilibrada.
Muitas pessoas também estão insatisfeitas com o fato de que o governo não entregou benefícios prometidos e não terminou o conflito no Leste do país. Protestos anti-governo ocorreram em Kiev.
O que a Otan diz?
O secretário-geral Jens Stoltenberg disse que “a Russia terá um preço alto a pagar” se ela invadir novamente a Ucrânia, um parceiro da Otan.
“Temos uma ampla gama de opções: sanções econômicas, sanções financeiras, restrições políticas”, disse Stoltenberg, em entrevista à CNN em 1º de dezembro.
Depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2014, a Otan aumentou suas defesas “com grupos de batalha prontos para o combate na parte oriental da Aliança, nos países bálticos, na Letônia…mas também na região do Mar Negro”, disse Stoltenberg.
A Ucrânia não é membro da Otan e, portanto, não tem as mesmas garantias de segurança que os membros. Mas Stoltenberg deixou aberta a possibilidade de a Ucrânia se tornar membro da Organização, dizendo que a Rússia não tem o direito de dizer à Ucrânia que não pode buscar a adesão.
O que dizem os Estados Unidos?
O presidente Joe Biden disse ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, em um telefonema em janeiro de 2022, que os EUA e seus aliados “responderão de forma decisiva se a Rússia invadir ainda mais a Ucrânia”.
Os dois falaram poucos dias depois de Biden ter instado Putin a aliviar a crise na fronteira, e antes que autoridades russas e americanas se encontrem pessoalmente em Genebra no final deste mês. O secretário de Estado, Antony Blinken, também alertou a Rússia que “qualquer agressão pode desencadear consequências graves.”
Os EUA entregaram cerca de US$ 450 milhões em assistência à segurança para a Ucrânia em 2021, disse o Pentágono, incluindo um pacote de armas pequenas e munições em dezembro.
Destaques do CNN Brasil Business
O governo Biden também ponderou o envio de conselheiros militares e novos equipamentos, incluindo armamento mais substancial, à Ucrânia para se preparar para uma possível invasão, disseram fontes familiarizadas com as deliberações à CNN em novembro.
O governo Obama foi pego de surpresa quando a Rússia invadiu a Crimeia em 2014 e apoiou uma insurgência na região de Donbas. Autoridades americanas dizem que estão determinadas a não serem estarrecidos por outra operação militar russa.
“Nossa preocupação é que a Rússia possa cometer um erro grave ao tentar refazer o que empreendeu em 2014, quando reuniu forças ao longo da fronteira, cruzou em território ucraniano soberano e o fez alegando falsamente que foi provocada”, disse Blinken em novembro.
Que outros fatores estão em jogo?
Outra grande questão gira em torno do fornecimento de energia. A Ucrânia vê o polêmico gasoduto Nord Stream 2 – conectando os suprimentos de gás da Rússia diretamente à Alemanha – como uma ameaça à sua própria segurança.
O Nord Stream 2 é um dos dois oleodutos que a Rússia instalou debaixo d’água no Mar Báltico, além de sua rede tradicional de oleodutos terrestres que atravessa a Europa Oriental, incluindo a Ucrânia.
Kiev vê os oleodutos em toda a Ucrânia como um elemento de proteção contra uma invasão da Rússia, uma vez que qualquer ação militar poderia interromper o fluxo vital de gás para a Europa.
Analistas e legisladores dos EUA levantaram preocupações de que o Nord Stream 2 aumentará a dependência europeia do gás russo e poderia permitir que Moscou visasse seletivamente países como a Ucrânia com cortes de energia, sem interrupção mais ampla do abastecimento europeu. Contornar os países do Leste Europeu também significa que essas nações seriam privadas das lucrativas taxas de trânsito que a Rússia pagaria de outra forma.
Em maio de 2021, a administração Biden renunciou às sanções contra a empresa por trás do Nord Stream 2, dando-lhe o sinal verde. Autoridades americanas dizem que a medida é do interesse da segurança nacional dos Estados Unidos, pois busca reconstruir relações desgastadas com a Alemanha.
Em novembro, os EUA impuseram novas sanções a uma entidade ligada à Rússia e a um navio ligado ao Nord Stream 2.
Alguns senadores americanos pediram a imposição de mais sanções para impedir a Rússia de usar o oleoduto como arma; A Ucrânia também pediu medidas mais duras.
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Um soldado ucraniano caminha por uma trincheira em Svitlodarsk, na Ucrânia, no dia 11 de fevereiro
Duas militares ucranianas fazem uma pausa em um refeitório na trincheira em Pisky, Ucrânia
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Crédito: Burak Kara/Getty ImagesSistemas de mísseis de defesa aérea S-400 Triumf durante os exercícios militares conjuntos "Allied Determination 2022" realizados por tropas bielorrussas e russas
Crédito: Russian Defence Ministry/TASSSoldados russos e bielorussos em exercícios militares na fronteira
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Crédito: Maxar TechnologiesSoldados dos EUA chegam à base militar de Mihail Kogalniceanu, na Romênia, em 11 de fevereiro
Crédito: Alexandra Stanescu /Anadolu Agency via Getty ImagesEquipamento militar do Exército dos EUA, que está sendo transportado da Alemanha para a Romênia, é visto dentro de uma base militar, no dia 10 de fevereiro, na Romênia. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ordenou o envio de 3.000 soldados adicionais para reforçar os contingentes militares de países membros da OTAN
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Crédito: Armin Weigel/picture alliance via Getty ImagesSoldado ucraniano é visto saindo de Svitlodarsk, na Ucrânia, em 11 de fevereiro de 2022
Crédito: Wolfgang Schwan/Agência Anadolu/Getty ImagesBiden diz a Putin que EUA vão reagir com “consequências severas” se Rússia invadir Ucrânia
Crédito: Wolfgang Schwan/Agência Anadolu/Getty ImagesEquipamentos militares e soldados do exército dos EUA em base temporária em Mielec, Polônia, em 12 de fevereiro de 2022
Crédito: Anadolu Agency/Getty Images