Qual era a diferença entre a assembleia dos estados gerais e a assembleia nacional?

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Em atividade formal entre julho de 1789 e setembro de 1791, a Assembleia Nacional Constituinte é considerada um dos primeiros passos que levariam eventualmente ao fim da monarquia francesa e ao início da república.

O surgimento da Assembleia Constituinte na França só pode ser compreendido se for considerada a grande crise político-econômica que levara o rei Luís XVI (1754-93), da Casa de Bourbon, a convocar o órgão consultivo chamado de Estados Gerais pela primeira vez em quase duzentos anos. Os Estados Gerais eram formados por centenas de membros das três antigas ordens feudais – o primeiro estado, formado pelo clero, o segundo estado, formado pela nobreza, e o terceiro estado, composto pelo restante da população. Contudo, cada estamento só tinha direito a um voto, e as classes privilegiadas costumavam votar juntas, impondo assim os seus interesses perante o terceiro estamento.

Qual era a diferença entre a assembleia dos estados gerais e a assembleia nacional?

Abertura dos Estados Gerais em 5 de Maio de 1789. Obra de Isidore-Stanislaus Helman (1743-1806) e Charles Monnet (1732-1808).

Contudo, em 1789, o terceiro estado teve o apoio de alguns membros dos outros estamentos para procurar discutir a possibilidade de uma votação individual. Embora o monarca tentasse impedir essa iniciativa do terceiro estamento, a revolta popular que dominava Paris acabou fazendo com que, em 16 de junho, o terceiro estado se retirasse unilateralmente para uma sala separada e se proclamasse em Assembleia Nacional Constituinte. Sem escolha, o rei acabou por ordenar que os outros dois estados fossem se juntar ao terceiro.

A notícia da queda da Bastilha, ocorrida em 14 de julho, motivou a decisão da Assembleia de suprimir os privilégios feudais que ainda vigoravam. Pouco tempo depois, seria elaborada a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que determinou a igualdade de todos perante a lei. Em julho do ano seguinte, seria aprovada a Constituição Civil do Clero, que os transformava em funcionários públicos e confiscava os bens das ordens religiosas. Em fins de setembro, finalmente seria aprovada a Constituição. Ao instituir a monarquia constitucional, o poder absoluto do rei foi essencialmente extinto, embora ele ainda tivesse poder decisório. A Constituição também estabeleceu um governo dividido em três poderes: o Executivo, que estaria com o monarca, o Legislativo, que seria responsabilidade de deputados eleitos por voto censitário, e o Judiciário, que seria efetivado a partir de critérios técnicos. Assim, apesar da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ter afirmado a igualdade de todos, a plena cidadania ainda teria que ser alcançada. Criava-se, então, uma tensão dentro do terceiro estado entre a burguesia privilegiada e os populares excluídos.

A monarquia constitucional começou a ficar definitivamente abalada quando se agravaram os motins parisienses motivados pela fome; isso, combinado com a guerra contrarrevolucionária movida pela Áustria, reino de origem da impopular rainha Maria Antonieta, alimentou o sentimento cada vez mais contrário à manutenção da Casa de Bourbon no poder. Tais circunstâncias criaram o espaço necessário para que a corrente republicana mais radical, conhecida como jacobina, conseguisse dissolver o governo liderado pelos conservadores girondinos em 21 de setembro, instaurando então a Convenção Nacional. Seria este governo o responsável pelas execuções do rei Luís XVI e da rainha Maria Antonieta pela guilhotina logo no ano seguinte, além de derrotar a Áustria, firmando desta forma a Revolução Francesa. Eventualmente, contudo, os jacobinos seriam derrubados por um golpe de Estado liderado pelos girondinos em outubro de 1795.

Bibliografia:

LIMA, Lizânias de Souza; PEDRO, Antonio. “Da revolução iluminista à Revolução Francesa”. In: História da civilização ocidental. São Paulo: FTD, 2005. pp. 251-256.

SERIACOPI, Gislane Campos Azevedo; SERIACOPI, Reinaldo. “A Revolução Francesa”. In: História: volume único. São Paulo: Ática, 2005. pp. 252-257.

O agravamento das tensões sociais e da crise financeira levou o rei Luís XVI a convocar os Estados Gerais (ou Cortes, onde estavam representados a nobreza, o clero e o Terceiro Estado), o que acontecia pela primeira vez nos últimos 150 anos. A reunião dos Estados Gerais em Versalhes (maio de 1789) marcou o início da Revolução Francesa. Na citada reunião, os grupos privilegiados recusaram o sistema de votação, por cabeça, proposto pelo Terceiro Estado, contrapondo a votação por grupo ou estado que os favorecia. Perante esta recusa, o Terceiro Estado constitui-se em Assembleia Nacional Constituinte.

Tornou-se célebre o Juramento da Sala do Jogo da Pela, pelo qual os representantes do povo se comprometeram a não mais se separar até aprovarem uma Constituição para a França. O poder instalado não aceitou facilmente esta situação; o rei, por várias vezes, tentou dissolver a Assembleia. Sem resultado. Estas tentativas estão em grande parte na tomada de atitude do povo de Paris que, na opinião de muitos historiadores, foi dirigido por burgueses e alguns militares que tomaram a Bastilha (fortaleza-prisão de Paris, símbolo da autoridade do Absolutismo) no dia 14 de julho de 1789.

A Revolução estava em marcha.

As perturbações e desordens na província, conhecidas pelo nome de Grande Medo, estimularam a Assembleia a agir. Na sessão da noite de 4 de agosto, clero, nobreza e burguesia renunciaram aos privilégios. Chegava-se a uma fase de moderação, na qual se destacará a burguesia como grupo liderante do processo revolucionário. Dias depois foi aprovado um decreto que declarou a abolição dos direitos feudais, prevendo, no entanto, compensações em certos casos.

Ao mesmo tempo, aprovava-se a legislação de grande importância, proibindo a venalidade dos cargos públicos, isenção de impostos e direitos da Igreja Católica de cobrar impostos. Depois, os "deputados" lançaram-se na tarefa primária da elaboração do documento constitucional.

No preâmbulo da Constituição, que ficou para a História como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os delegados formularam os ideais revolucionários sintetizados nas palavras Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ao mesmo tempo, a população esfomeada de Paris, encolerizada pelos boatos de uma conspiração de apoiantes do rei, clamava por alimento e ação.


A notícia de que em Versalhes decorria um banquete de gala colocou tudo em efervescência. Na noite de 5 para 6 de outubro, um grande número de parisienses, onde pontificavam muitas mulheres, marchou sobre Versalhes e cercou o palácio. Luís XVI e a família real foram salvos pelo prestigiado Lafayette e levados para Paris por ordem da multidão. Depois deste episódio, alguns membros conservadores da Assembleia Constituinte, que seguiram o rei para Paris, apresentam a sua demissão.
Na cidade, quer a Corte quer a Assembleia eram cada vez mais pressionados pelos cidadãos; no Parlamento começava a predominar um certo radicalismo; contudo, mantinha-se o objetivo inicial: transformar a França numa monarquia constitucional. O primeiro projeto constitucional foi aprovado pelo rei no dia 14 de julho de 1790, numa cerimónia pomposa bastante participada, especialmente pela inclusão de delegações de todas as regiões do Reino. Nos termos do documento as províncias são abolidas, surgindo em seu lugar os departamentos, cada qual dotado de uma administração eleita localmente; são abolidos os morgadios e títulos hereditários; são constituídos os tribunais de júri quando se tratasse de assunto de natureza criminal; previa-se a existência de uma Assembleia Legislativa com 745 membros (na versão final esse número aumenta para 750) eleitos indiretamente, responsável pelas profundas alterações à lei previstas na nova ordem; de qualquer maneira, a limitação da capacidade votante mediante escalões censitários restringia o universo eleitoral às classes média e alta, ou seja, à burguesia. O Absolutismo, por seu turno, cessava; apesar de se conceder ao rei poder executivo, a sua atuação era bastante restringida - o seu poder de veto era meramente suspensivo e os negócios estrangeiros eram da responsabilidade da Assembleia.

O poder da Igreja Católica foi igualmente reduzido e estabelecido dentro dos limites da lei; a Constituição continha uma série de artigos, sendo a Constituição Civil do Clero o mais importante daqueles que consagravam o confisco da propriedade eclesiástica e sua integração no património do Estado.


Entre a apresentação do primeiro projeto e a aprovação definitiva da Constituição decorreram cerca de 15 meses, durante os quais as posições se radicalizaram por completo. O Terceiro Estado sentia-se defraudado; desde logo porque, ao contrário do espírito inicial, as clivagens não desapareceram - todos os que não possuíam terras ficaram sem capacidade para votar, logo, sem capacidade para influir nas principais decisões.
A Constituição de 1791, baseada nas teorias da soberania popular e separação dos poderes de Rousseau e Montesquieu não assegurava, por isso, o direito de participação de todos os cidadãos; beneficiava apenas, como se viu, os cidadãos ativos, os que tinham dinheiro. Por outro lado, a crise socioeconómica e a miséria não abrandaram. Os Jacobinos por toda a França e os Cordeliers em Paris, desiludidos com o rumo (burguês) da Revolução, tornam-se cada vez mais ameaçadores, sobretudo quando corriam insistentes rumores de que o imperador Leopoldo II se preparava para invadir o país a instâncias da sua irmã Maria Antonieta.
A confirmação de que algo se preparava ocorreu a 21 de junho, dia em que a família real foi intercetada por populares num coche em Varennes, quando se preparava para fugir de França. No dia 17 de julho, os republicanos juntam-se no Campo de Marte e reclamam a deposição do rei. Lafayette, na altura filiado politicamente no partido monárquico moderado dos Feuillants, ordenou às tropas da Guarda Nacional que abrissem fogo sobre os manifestantes. O banho de sangue daí resultante serviu para cavar ainda mais o fosso que separava republicanos e burgueses. Depois de suspender momentaneamente Luís XVI, a maioria moderada da Assembleia Constituinte, temendo a radicalização de posições e a intervenção estrangeira reconduz o monarca ao trono; este compromete-se a apoiar uma Constituição entretanto revista, em 14 de setembro de 1791. Duas semanas depois, as eleições francesas abrem uma nova legislatura, prevista na Constituição, e a Assembleia Constituinte é dissolvida. Nenhum dos deputados que dela fizeram parte integraram o novo Parlamento, uma vez que eles próprios haviam votado a sua incapacidade para serem eleitos nesse ato.