Qual a referência da tela retirantes pode ser percebida na página em quadrinhos o que as difere

Laura Aidar

Arte-educadora e artista visual

Retirantes é uma pintura feita em 1944 pelo artista brasileiro Cândido Portinari. Foi produzida com a técnica de óleo sobre tela, possui dimensão de 180 x 190 cm e encontra-se no Museu de Arte de São Paulo (MASP).

Nessa obra, Portinari aborda o tema da migração nordestina, triste realidade de uma parte da população brasileira, que deixa seu lugar de origem em busca de melhores condições de vida em outras partes do país.

Qual a referência da tela retirantes pode ser percebida na página em quadrinhos o que as difere
Retirantes (1944), de Portinari, não foi a única obra do artista cujo tema é o êxodo rural nordestino

Análise detalhada da obra Retirantes

A pintura exibe uma família de retirantes, emigrantes nordestinos que estão se deslocando de sua terra a fim de fugir da seca, fome, miséria e falta de perspectiva.

O pintor retratou o grupo (quatro adultos e cinco crianças ao todo), de maneira sombria e triste. A paleta de cores escolhida exibe tons terrosos, o que dá ênfase à atmosfera fúnebre que envolve a cena.

As pessoas tomam grande parte da composição e ao fundo temos uma paisagem seca e sem vida.

Os corpos, muito magros, traduzem a fome daquele povo e as expressões nos rostos dão conta de expor o desespero daqueles que lutam pela sobrevivência em um país tão desigual.

Sobre a função social da arte, Portinari disse certa vez:

Estou com os que acham que não há arte neutra. Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social.

A fim de esmiuçar os detalhes dessa grande obra, selecionamos algumas áreas da tela. Confira:

Qual a referência da tela retirantes pode ser percebida na página em quadrinhos o que as difere
Áreas destacadas de Retirantes, para análise

1. Crianças de colo

As crianças são personagens importantes na obra e estão, inclusive, em maioria.

As duas crianças de colo exibem aparência fantasmagórica. O bebê, envolto em panos brancos, tem olhos que saltam, observando o mundo assustado.

A outra, maior, está apoiada nas ancas da mãe, e exibe uma estrutura raquítica, com os ossos à mostra. Além disso, ela está nua, o que deixa ainda mais evidente a falta de recursos dessa família.

Elas expõem também a alta taxa de natalidade da população carente brasileira.

As famílias mais vulneráveis e menos instruídas acabam gerando mais filhos, isso ocorre em grande parte por conta da falta de políticas públicas de conscientização e acesso a meios contraceptivos.

2. Criança com barriga d'água

Outra triste realidade tratada na pintura é o alto índice de doenças a que essas pessoas estão expostas, sobretudo a população infantil.

Nessa área da tela, vemos um menino bem magro, mas que exibe uma enorme barriga redonda.

Essa característica é sintoma da esquistossomose, uma enfermidade muito comum entre os moradores da área rural que não tem acesso ao saneamento básico.

Nas fases crônicas, a doença produz o aumento do abdômen, que gera o que chamamos de barriga d'água.

3. Urubus sobrevoando

Portinari traz uma cena em meio à natureza, mas não com uma paisagem bela e inspiradora, e sim, com um panorama desolador.

Isso é notório por conta de vários elementos, dentre eles, os pássaros negros que sobrevoam a família. Percebe-se que essas aves são urubus, que costumam estar sempre em bando em busca de carcaças de animais.

Aqui também há a presença de um homem idoso, com as barbas longas e o rosto marcado pela dureza da vida.

4. Solo seco e pés descalços

O solo da paisagem é árido, não apresentando nenhum indício de vegetação.

As pessoas estão todas descalças, o que nos traz mais elementos que indicam a pobreza, traz também a reflexão sobre a dureza na jornada dos retirantes, tanto fisicamente como emocionalmente.

Há ainda alguns ossos pelo chão, sinal de que algum animal se decompôs ali. Nessa área da tela, no canto superior, à esquerda, vemos um bando de urubus rente ao solo, representados por alguns pontos pretos. Esses pássaros estariam comendo restos de animais.

5. Expressões de desespero

Os adultos revelam feições assustadas, que demonstram o imenso desespero e falta de perspectiva que a situação carrega.

O homem nos encara com olhar arregalado, como se fosse uma espécie de pedido de ajuda.

Esse fato ajuda a transportar a obra para uma categoria de "retrato", fazendo um diálogo com a fotografia e elevando o quadro a um retrato também do sofrimento de um povo.

Quem foi Cândido Portinari?

Cândido Portinari foi um artista plástico importante brasileiro. Nasceu em 30 de dezembro de 1903 no interior de São Paulo, na cidade de Brodwski.

Qual a referência da tela retirantes pode ser percebida na página em quadrinhos o que as difere
Autorretrato (1956), à esquerda. Ao lado vemos uma fotografia do artista

Sua trajetória artística inclui pinturas, desenhos e grande painéis, reunindo mais de 5 mil obras.

Aos 50 anos, Portinari foi diagnosticado com intoxicação por chumbo devido ao contato com as tintas. Mesmo enfermo, ele não deixou de produzir.

Falece aos 58 anos, em 6 de fevereiro de 1962 em decorrência da doença e nos deixa um trabalho muito significativo.

Para uma abordagem infantil sobre o artista, leia: Portinari - Kids.

Nelci Alves Coelho Silvestre


Este artigo propõe um estudo sucinto de teorias sobre a relação entre texto e imagem, tema que remonta a Antiguidade Clássica e que continua sendo alvo de especulação na contemporaneidade. A pesquisa apresenta também a análise de textos extraídos de um romance e de uma tela, a fim de investigar possíveis semelhanças entre literatura e imagem, a partir da temática expressa nas referidas obras, sob os pressupostos teóricos de Hagstrum, Joly, Iser, Praz, Silva, Souriau e Oliveira. O corpus analisado é o romance Vidas Secas (1938) de Graciliano Ramos e a tela Os Retirantes (1944) de Cândido Portinari. Ambas as criações retratam o desespero e a angústia em que vivem os retirantes, o que confirma a convergência de elementos com relação à temática trabalhada pelos autores. É possível evidenciar que as duas artes se completam, cabendo ao leitor a missão de descortinar as relações entre as obras, a partir dos recursos textuais e imagéticos.


Retirantes é um quadro de Candido Portinari, pintado em 1944 em Petrópolis, no Rio de Janeiro.

O painel é um óleo sobre tela e tem 190 X 180 cm, faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo (MASP) e retrata uma família de retirantes, pessoas que se retiram de uma região para outra em busca de condições melhores de vida.

Análise e interpretação

Os principais elementos da tela

O quadro é composto por tons terrosos e cinza. A família de retirantes ao centro toma quase a totalidade da tela. O contorno escuro dos personagens dá um tom pesado à obra. Ao fundo se vê a paisagem do sertão.

O chão é duro, com pedras e ossos espalhados, e a única coisa que se vê no horizonte é o contorno quase indistinto de uma montanha. O horizonte é claro, mas o céu é escuro e cheio de aves negras que rodeiam a família como se estivessem esperando pela morte deles.

Ainda se vê um pequeno grupo de aves que desce em direção ao solo, todas muito próximas, como urubus atacando uma carniça.

Crianças

Há cinco crianças na pintura. Duas estão ao colo e as outras três estão em pé. Uma das crianças no colo é grande, porém raquítica. As pinceladas escuras ao longo da figura dão a impressão de que ela é feita apenas de ossos.

No primeiro plano vemos uma criança em pé, com a barriga saliente e o pescoço muito fino. O tamanho da barriga, desproporcional ao resto do corpo, indica que a criança tem barriga d'água.

Essa doença é muito comum nos lugares marcados pela seca extrema, onde a única fonte de água vem de açudes e não é tratada. A presença dessa criança nos traz a imagem de uma extrema pobreza que também convive com a sede.

Adultos

Enquanto os olhares das crianças são distantes e desolados, os adultos apresentam expressões mais fortes, que beiram o desespero.

O homem que carrega uma trouxa nas costas e conduz uma criança pelas mãos parece estar olhando fixamente para o pintor, o que dá para a pintura um caráter de retrato. Seu olhar também parece um apelo, um pedido de ajuda.

Interpretação

O quadro é um retrato da miséria de uma família de retirantes entre tantas outras. Fogem da seca e da fome do Nordeste em busca de uma vida melhor mais ao Sul. O quadro faz parte de uma série composta por mais duas obras: Criança morta e Enterro na Rede.

Todas as peças são compostas pelo mesmo tema e com as mesma tonalidades, dando uma unidade para o conjunto. O tema é a seca, que provocou muitas mortes e uma migração em massa.

As convicções políticas e a consciência social do pintor são essenciais na composição dessa obra. Retratar a miséria, de uma forma tão crua, é um modo de se posicionar contra ela. Ao mesmo tempo em que as cidades brasileiras se desenvolviam, o campo era o palco da fome.

Portinari nasceu e cresceu na cidade de Brodowski, que fica no interior de São Paulo, em 1903. Filho de imigrantes italianos que trabalhavam em plantação de café, Portinari teve uma infância simples.

As imagens de quando ele era criança são constantes inspirações para as suas obras. Portinari fala como os retirantes o impressionavam, principalmente na fase da grande seca de 1915, que matou milhares de pessoas e levou à fuga de muitas outras.

A miséria dos retirantes e a esperança de uma vida melhor marcaram o menino que via uma leva de migrantes passando pela sua cidade.

Portinari se muda para o Rio de Janeiro aos quinze anos para estudar pintura. Lá, aprimora as suas técnicas e se dedica a retratos com o objetivo de ganhar a medalha de ouro do Salão da Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Ele de fato ganha o Prêmio em 1928, o que lhe dá a oportunidade de morar na França por dois anos, de onde viaja pela Europa.

No velho continente, Portinari entra em contato com diversas obras, tem grande admiração por Rafael e Ticiano, pintores clássicos. O tempo passado na Europa serve para o artista ter uma visão mais afastada da sua infância e da sua cidade natal.

Essa visão possibilita um entendimento melhor de suas origens, que serão abordadas diversas vezes em suas obras. Ele volta ao Brasil em 1931, decidido a retratar as imagens da sua infância e do seu povo.

Portinari define a sua pintura como sendo "de camponês". Seus pais eram camponeses pobres e ele não podia se esquecer deles. Com o final da Segunda Guerra e o começo da abertura política no Brasil, Candido se filia ao Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Portinari diz não entender de política, mas tem convicções profundas e chegou a elas devido à sua infância pobre, ao seu trabalho e principalmente devido ao seu interesse artístico. Para o pintor não existe obra neutra. Mesmo quando o artista não tem intenção, o quadro sempre indica um sentido social.

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