R: Encontrar um bom sócio não é uma tarefa fácil. Mas pode ser que ele esteja bem diante dos seus olhos, ou melhor, dentro do seu próprio negócio. Já com a mão na massa e conhecedor do potencial da empresa, o funcionário de confiança e que tem ótimo desempenho pode ser um aliado na hora de compartilhar os bônus e os ônus da sociedade. A distribuição
de cotas, segundo consultores, é uma boa forma de reter os talentos-chave para o crescimento da empresa, especialmente quando ainda não há condições de concorrer com os salários oferecidos pelas grandes corporações.
“A oferta de parte da sociedade funciona como uma moeda de troca. O profissional se dispõe a trabalhar em um empreendimento iniciante, sabendo que há perspectivas de altos rendimentos no longo prazo”, diz Danilo Nascimento, diretor da unidade de pequenas e médias empresas
do grupo Business Partners Consulting. Para Luis Henrique Stockler, sócio-diretor da consultoria ba}Stockler, a tática traz a vantagem de otimizar os esforços de treinamento, reduzindo o turnover.
Quem já testou aprova a estratégia. É o caso de Ingo Schwabe, dono do Restaurante Alemão do Fritz, de Americana (SP), que promoveu seu gerente,
Michel Ajaime, a sócio. “A chegada dele à sociedade trouxe mais profissionalismo à gestão. Além disso, transformou um bom funcionário em um empresário preocupado com os resultados”, afirma Schwabe. Embora a promoção de colaboradores seja vantajosa, a operação requer planejamento, critérios e rigor contratual. A seguir, um guia para transformar colaboradores em sócios.
PLANEJANDO A PROMOÇÃO
Em busca dos melhores talentos, alguns
empreendedores já começam a estruturar-se para atrair e reter colaboradores desde o plano de negócios. “Já no planejamento, é preciso identificar os objetivos da empresa no médio e longo prazos e avaliar a real possibilidade de implantar políticas de participação de cotas”, diz Nascimento. Segundo o consultor, é fundamental incluir no plano, entre outros itens (veja box abaixo), o porcentual total de ações que poderão ser outorgadas aos funcionários e os gastos com questões jurídicas. Outra
providência recomendável é formar uma assembleia para definir normas e políticas da promoção. “Também é importante considerar a contratação de especialistas tributários, contábeis e jurídicos para minimizar riscos da operação”, diz.
Seguro de que esse seria o melhor caminho para contratar gente qualificada para sua empresa de vendas online, Venâncio Velloso, fundador da Web Pesados, adotou um modelo que prevê a distribuição de cotas. “Primeiro, aloca-se um percentual, em média 10%,
para ser negociado na contratação de pessoal estratégico, como diretor técnico e de operações”, diz Velloso. Normalmente, a oferta para o futuro sócio gira em torno de 1% a 3%. Mas ele só recebe a totalidade das cotas após três a quatro anos. “Quero ter certeza de que as expectativas iniciais correspondem à realidade”, diz o empreendedor.
O QUE NÃO PODE FALTAR NO PLANO DE NEGÓCIOS
> Percentual de ações que poderão ser outorgadas aos
funcionários
> Período de carência para o empregado se tornar sócio
> Regras para remuneração do novo sócio
> Políticas para manutenção do plano
> Metas norteadoras das políticas e indicadores para aferição do desempenho da empresa
> Regras de elegibilidade
MOMENTO DA ESCOLHA
Com a empresa consolidada, chega o momento de definir quem está apto a assumir parte da sociedade. De acordo com Luis
Henrique Stockler, o funcionário mais indicado é aquele que está totalmente alinhado com a cultura da empresa e apto para liderar pessoas. “Ele também deve estar disposto a assumir novas funções e aprender sobre governança corporativa.” Nascimento aponta como parâmetros a vocação empreendedora do colaborador e a confiança depositada nele pelo empresário. “É comum haver conflitos pessoais em pequenas empresas, onde a relação é bastante próxima, intensa e cheia de expectativas”, diz. “Por isso,
saber em quem confiar é crítico antes de trazer alguém para a sociedade”, conclui.
Uma vez tomada a decisão, é hora de se debruçar sobre questões burocráticas. O primeiro passo é rescindir o contrato de trabalho anterior e alterar o contrato social da empresa, já que haverá inclusão de um novo membro na estrutura societária. “Termina o vínculo empregatício e, consequentemente, o dever de pagar uma remuneração ao empregado”, diz Sônia Mascaro, consultora e advogada trabalhista. “Em
paralelo, suas novas responsabilidades e rendimentos são definidos internamente e aprovados em assembleia.”
Para garantir que todos os detalhes sejam devidamente discutidos e combinados, Stockler recomenda que se elabore um acordo de acionistas, com valor jurídico. “Não é uma prática tão comum nos negócios de menor porte, embora seja extremamente útil para evitar desavenças futuras”, diz. A partir do ingresso na sociedade, o novo sócio-administrador, como é chamado aquele que
efetivamente desempenha funções dentro da empresa, passará a receber pró-labore, a participar dos lucros e perdas da empresa e a responder legalmente.
O QUE DEVE CONSTAR NO ACORDO DE ACIONISTAS
> Remuneração do novo sócio, incluindo como e quando será pago
> Aspectos de gestão e operação, com divisão de tarefas e responsabilidades de cada sócio
> Termos de sucessão para herdeiros
> Regras para desligamento da
sociedade — com opção de compra e venda de cotas
> Instância para a solução de conflitos (Câmara de Arbitragem ou Poder Judiciário)
EMPRESA DE CARA NOVA
Na condição de sócio, o ex-empregado terá de assumir um novo papel. Além das vantagens, terá de arcar também com os ônus — maior responsabilidade e remuneração incerta estão entre eles. “A disposição para participar tanto do lucro quanto do prejuízo demanda uma mudança de
mentalidade”, afirma Stockler.
Autonomia também é um item fundamental para o desenvolvimento do ex-funcionário. “Já não existe subordinação hierárquica”, diz Paulo Melchor, consultor jurídico do Sebrae-SP. “Sócios de verdade deliberam em conjunto sobre questões cruciais e estratégicas. Do contrário, configura-se fraude trabalhista”, diz. Isso não significa, entretanto, que o novo cotista não possa continuar exercendo as funções que antes eram de sua alçada. “Ele até pode mantê-las,
desde que renovadas, seja em termos de maior poder de decisão, autonomia ou abrangência”, diz Sônia Mascaro.
Foi o que aconteceu no Restaurante Alemão do Fritz, em Americana (SP). O empresário Ingo Schwabe procurava, há tempos, um gerente para assumir sua loja. Em 2009, encontrou o profissional ideal. “Tinha um funcionário, o Michel, que cuidava das vendas com afinco. Passei a abrir nossos indicadores para que ele entendesse os resultados da empresa”, diz. No meio de 2010, decidiu
convidá-lo para o quadro societário, com vantagens financeiras. “Além da remuneração variável pelas metas comerciais, passaria a receber a distribuição de lucros.”
No início, Schwabe resistiu à ideia de engordar a base de sócios. “Mas a mudança trouxe mais profissionalismo para a gestão.” Hoje, o ex-funcionário é um dos donos do segundo restaurante da marca, inaugurado em Indaiatuba (SP) em abril. Nascimento afirma que a insegurança é normal e está ligada ao receio de diluir o
patrimônio. “Quando as pessoas alinhadas ao negócio se tornam sócias e começam a trazer os resultados esperados, essa impressão tende a desaparecer.”
ATENÇÃO À LEI TRABALHISTA
> Não exija que o novo sócio se reporte a um superior hierárquico ou ao antigo empregador
> Na condição de cotista, ele deve responder apenas à assembleia de sócios
> O funcionário promovido deve ter autonomia e poder de decisão para deliberar
sobre os rumos da empresa
> O recém-chegado não deve sofrer limitações quanto à sua vontade, recebendo controle total sobre sua função