Quando o Ministério Público pode desistir da ação penal?

Coluna Isso Posto / Coordenadores Ana Paula Couto e Marco Couto

Seguimos comentando os artigos do Código de Processo Penal, dando continuidade às nossas colunas anteriores elaboradas neste sentido.

Art. 42. O Ministério Público não poderá desistir da ação penal.

Art. 43. (Revogado pela Lei nº 11.719, de 2008).

O art. 42, caput, do CPP, trata do princípio da indisponibilidade. Uma vez tendo oferecido a denúncia, o Ministério Público não pode desistir do processo, seja expressamente requerendo o seu encerramento, seja simplesmente abandonando a prática dos atos processuais. Este importante princípio da indisponibilidade tem relação direta com o princípio da obrigatoriedade, segundo o qual, havendo justa causa, cabe ao promotor de justiça oferecer a denúncia em juízo.

Há certa lógica na conjugação dos referidos princípios. Havendo justa causa, o Parquet deve oferecer a denúncia em juízo e, por outro lado, oferecida a denúncia em juízo, o promotor de justiça não pode desistir do processo. Se o legislador apenas tivesse previsto o princípio da obrigatoriedade, o mesmo seria facilmente contornado com a desistência do processo. Em outras palavras, o promotor de justiça ofereceria a denúncia para observar o princípio da obrigatoriedade e, depois, simplesmente desistiria do processo. Portanto, os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade são complementares porque, havendo justa causa, exigem que o promotor de justiça ofereça a denúncia e, depois, continue atuando no processo até o julgamento do conflito de interesses.

Entendemos que o princípio da indisponibilidade é mitigado de forma muito clara pela transação penal, pela suspensão condicional do processo e pelo acordo de não persecução penal.

A transação penal consiste no acordo entre o Ministério Público e o autor do fato no sentido da aplicação imediata de uma pena não privativa de liberdade, a qual ocorre normalmente antes do oferecimento da denúncia, conforme dispõe o art. 76 da Lei 9099/95. De forma excepcional, o art. 79 da Lei 9099/95 admite a transação penal mesmo após o oferecimento da denúncia. Portanto, nesse caso, há exercício do direito de ação, com o oferecimento da denúncia em juízo, mas o promotor de justiça está autorizado pelo legislador a fazer um acordo com o réu e, assim, evitar a prolação da sentença de mérito propriamente dita, de modo que o princípio da indisponibilidade é mitigado.

Outra situação que igualmente mitiga o princípio da indisponibilidade é a suspensão condicional do processo ou sursis processual, previsto no art. 89 da Lei 9099/95. O referido dispositivo autoriza o Parquet a fazer um acordo com o réu, fixando-se um período de prova no qual o réu deve cumprir determinadas condições. Findo o período de prova, o juiz deve declarar extinta a punibilidade. Portanto, também nesse caso o promotor de justiça oferece a denúncia, mas, depois, ao celebrar o acordo com o réu, evita a prolação da sentença de mérito propriamente dita.

Além disso, o acordo de não persecução penal previsto no art. 28-A do CPP, que tem uma abrangência maior do que a transação penal, também representa um acordo entre o Ministério Público e o réu, o qual impede o oferecimento da denúncia. Todavia, entendemos que o acordo de não persecução penal também pode ser celebrado após o oferecimento da denúncia, de modo que, neste caso, haverá a mitigação ao princípio da indisponibilidade porque o acordo evitará a prolação da sentença de mérito propriamente dita.

De outro lado, o art. 576 do CPP dispõe que o Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto. A doutrina majoritária[1] entende que o referido dispositivo traduz o princípio da obrigatoriedade, não havendo qualquer vício de constitucionalidade no mesmo. Contudo, aderindo à doutrina minoritária[2], entendemos que tal dispositivo viola o princípio da independência funcional dos órgãos do Ministério Público, previsto no art. 127, § 1º, da Constituição Federal. Isso porque, tendo o promotor de justiça independência funcional para decidir pela interposição ou não do recurso, não faz qualquer sentido obrigá-lo a manter o recurso depois de interposto.

São situações diferentes. Havendo justa causa, o promotor de justiça é obrigado a oferecer a denúncia por força do princípio da obrigatoriedade e, uma vez oferecida a denúncia, o promotor de justiça deve continuar atuando até a prolação da sentença de mérito propriamente dita. Mas não há qualquer princípio da obrigatoriedade com relação à interposição de recurso, de modo que não faz sentido haver algum princípio que impeça o promotor de justiça de desistir do recurso interposto.

O art. 43 do CPP foi revogado pela Lei 11719/08. O dispositivo tratava das hipóteses de rejeição da denúncia ou da queixa-crime, dispondo o seguinte: A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime; II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III – for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal. Parágrafo único. Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

Em certa medida, o referido dispositivo, na verdade, foi deslocado para o art. 395 do CPP, o qual dispõe o seguinte: A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – for manifestamente inepta; II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou III – faltar justa causa para o exercício da ação penal. Mas é importante observar que o art. 397 do CPP também tratou de algumas hipóteses que originalmente ensejavam a rejeição da denúncia ou queixa, promovendo-as para que embasem a sentença de absolvição sumária, valendo a transcrição do dispositivo: Após o cumprimento do disposto no art. 396-A e parágrafos deste Código, o juiz absolverá sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente.

Convém registrar que a análise aprofundada dos mencionados dispositivos será feita no momento oportuno, mas, desde já, é importante que se perceba que houve a revogação do art. 43 do CPP, com o seu deslocamento para os artigos 395 e 397 do CPP.

Notas e Referências

[1] DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 576.

[2] NICOLITT, André. Manual de Processo Penal. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 505.

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Quem pode desistir da ação penal?

Disponibilidade: O querelante poderá desistir da ação penal, isso porque a ação penal privada é disponível. A disponibilidade da ação penal privada manifesta-se na possibilidade de renúncia ao direito de queixa (CP, art. 104 e CPP, art. 49/50), na possibilidade de o querelante ensejar a perempção da ação (CPP, art.

Pode desistir de ação penal pública?

Não. A renúncia é inerente às ações penais privadas, que são marcadas pela disponibilidade de seu Querelante. Nas ações penais públicas, a titularidade é do Ministério Público, que está obrigado a promover a persecução quando instaurada em juízo.

Quando posso desistir da ação penal?

Renúncia ao direito de queixa O ofendido pode abdicar do seu direito de ação penal de forma expressa, quando declarar esta intenção por meio formal e com sua assinatura (art. 50 do Código de Processo Penal), ou tacitamente, quando praticar ato incompatível com a intenção de iniciar a ação privada.

Pode o Ministério Público desistir de recurso interposto?

Art. 576. O Ministério Público não poderá desistir de recurso que haja interposto.