Resumo: O trabalho estuda a possibilidade da aplicação do parágrafo 2º do artigo 373 do Código de Processo Civil em ações judiciais que envolvem relações de consumo, e as consequências da aplicação da referida regra a despeito da garantia constitucional de defesa do consumidor e dos direitos à efetiva prevenção e reparação de danos, à proteção jurídica e à facilitação da defesa de seus direitos com a inversão do ônus da prova. É abordada a inversão do ônus da prova no direito do consumidor, com o exame dos pressupostos legais e do momento processual adequado para a inversão ope judicis, bem como a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais em decorrência da referida inversão, com o comentário de decisões judiciais sobre o tema. Também são estudadas as regras de redistribuição do ônus da prova constantes do Código de Processo Civil, procedendo-se a uma análise acerca do objeto da prova e dos seus destinatários na relação processual, além de uma contextualização sobre os critérios de apreciação da prova já utilizados no Direito Processual Civil, para então enfrentar a técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova, com destaque para o entendimento jurisprudencial. Por fim, conclui-se pela impossibilidade de aplicação do parágrafo 2º do artigo 373 do Código de Processo Civil em ações judiciais que envolvem relações de consumo, ainda que a inversão do ônus da prova em favor do consumidor torne impossível ou excessivamente difícil a desincumbência do encargo probatório por parte do fornecedor de produtos ou serviços. Show Palavras-chave: Ônus da prova; Direito do Consumidor; Direito Processual Civil. Sumário: Introdução. 1. Inversão do ônus da prova no Direito do Consumidor. 1.1 Pressupostos para a inversão do ônus da prova. 1.2 Momento de inversão do ônus da prova. 1.3 Inversão do ônus da prova e responsabilidade pelas custas processuais. 2. Redistribuição do ônus da prova no Código de Processo Civil. 2.1 Objeto da prova e seus destinatários. 2.2 Critérios de apreciação da prova. 2.3 Distribuição dinâmica do ônus da prova. 2.4 entendimento jurisprudencial. Conclusão. Referências Bibliográficas. IntroduçãoA sociedade contemporânea condiciona o exercício da atividade econômica à promoção da justiça social, da solidariedade e da dignidade humana. Nesse sentido, Ronaldo Alves de Andrade (2006, p. 1-2) afirma que:
Assim, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, tratou a defesa do consumidor como uma garantia fundamental (artigo 5º, XXXII) e um dos princípios a serem observados na ordem econômica (artigo 170, V):
Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 513) explica que o constituinte de 1988, no que tange às normas de defesa do consumidor, se inspirou na Constituição da Espanha, de 1978, e na Constituição de Portugal, de 1976, tendo esta última posição de vanguarda, por ser “o primeiro diploma constitucional a acolher normas de proteção do consumidor, numa linhagem progressista”. Para Alexandre de Moraes (2005, p. 286), a elevação da proteção do consumidor a nível constitucional demonstra o cuidado do legislador constituinte com a necessária defesa dos direitos daqueles que são hipossuficientes na relação de consumo:
Sob o mesmo ponto de vista, Uadi Lammêgo Bulos (2009, p. 1334) afirma que o direito à livre iniciativa não pode justificar práticas abusivas em face do consumidor, que não detém os meios de produção e corresponde à parte mais fraca da relação consumerista:
Nesse aspecto, cumpre mencionar o julgamento da Questão de Ordem na Ação Direta de Inconstitucionalidade 319[1], através do qual o Supremo Tribunal Federal, no ano de 1993, decidiu pela necessária conciliação do fundamento da livre iniciativa e do princípio da livre concorrência com os princípios da defesa do consumidor e da redução das desigualdades sociais, todos previstos na Constituição da República. Para dar aplicabilidade integral às referidas normas constitucionais, e em cumprimento ao artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias[2], foi elaborado pelo Congresso Nacional o Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 –, estabelecendo normas de ordem pública e interesse social voltadas a concretizar a proteção e a defesa do consumidor. Através do seu artigo 6º, incisos VI, VII e VIII, o CDC assegura como direitos básicos do consumidor, na seara do processo civil, a efetiva prevenção e reparação de danos, a proteção jurídica e a facilitação da defesa de seus direitos, possibilitando inclusive a inversão do ônus da prova a seu favor:
Ao comentar a regra de inversão do ônus da prova, Rizzato Nunes (2008, p. 773) explica que a decisão do juiz sobre a inversão do ônus da prova nunca será discricionária, mas sempre dentro da legalidade e baseada em critérios objetivos:
Portanto, deverá o juiz inverter o ônus da prova, a favor do consumidor, quando for verificada no caso concreto, a seu critério, qualquer hipótese prevista no citado dispositivo legal, isto é: verossimilhança na alegação ou hipossuficiência probatória. Será facultado ao juiz inverter o ônus da prova inclusive quando esta for de difícil obtenção para o fornecedor, que é a parte mais forte e expert na relação de consumo, haja vista que a intenção do CDC é facilitar a defesa dos direitos dos consumidores. Contudo, deve ser ressalvado que não há inversão automática, mas apenas quando se verificar a hipossuficiência probatória no caso concreto, isto é: i) Quando a produção da prova for muito difícil ou impossível para o consumidor; ii) Quando o consumidor não tiver acesso ao elemento de prova; iii) Quando for mais fácil ao fornecedor provar o contrário do que foi alegado pelo consumidor. Nesse sentido, mostra-se esclarecedor o julgamento do Recurso Especial 122.505 / SP[3], através do qual a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no ano de 1998, entendeu que a inversão do ônus da prova não é automática, pois “depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo juiz no contexto da ‘facilitação da defesa’ dos direitos do consumidor”. A propósito, a Edição nº 39 da Jurisprudência em Teses do STJ[4] fixou entendimento no sentido de que caberá ao juiz, no caso concreto, decidir fundamentadamente pela inversão do ônus da prova:
Ademais, além da possibilidade de inversão do ônus da prova a critério do juiz (ope judicis), contemplada no inciso VIII do artigo 6º (tema central do presente trabalho), o CDC determina expressamente a inversão automática (ope legis) do ônus da prova, a favor do consumidor, em três hipóteses, quais sejam: i) Responsabilidade do fabricante, do construtor, do produtor ou do importador pelo fato do produto (artigo 12, § 3º):
ii) Responsabilidade do fornecedor pelo fato do serviço (artigo 14, § 3º):
iii) Responsabilidade pela veracidade e correção da publicidade por quem a patrocina (artigo 38):
A respeito da inversão ope legis do ônus da prova, cumpre mencionar o Recurso Especial 1.095.271 / RS[5], julgado em 2013 pela Quarta Turma do STJ, bem como o entendimento fixado na já citada Edição nº 39 da Jurisprudência em Teses do referido Tribunal:
Por sua vez, o Código de Processo Civil (CPC) – Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – trouxe novas regras acerca da redistribuição do ônus da prova, através do seu artigo 373, cujos parágrafos 1º e 2º possuem a seguinte redação:
Com base na leitura das regras acima citadas, pode-se concluir que a redistribuição do ônus da prova exige, inicialmente, a reunião dos seguintes requisitos no caso concreto (CPC, artigo 373, § 1º): i) Impossibilidade ou excessiva dificuldade para a parte cumprir o seu encargo probatório nos moldes tradicionais; ou ii) Maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário. Além disso, a redistribuição do ônus da prova não poderá tornar impossível ou excessivamente difícil a desincumbência do encargo pela parte (CPC, artigo 373, § 2º). Essa última regra proíbe a exigência de prova insuscetível de ser produzida (prova diabólica), limitando a aplicação da redistribuição do ônus da prova pelo magistrado. Destarte, é possível notar que a regra de inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC, artigo 6º, VIII) possui menos requisitos do que a regra de redistribuição do ônus da prova trazida pelo Código de Processo Civil (CPC, artigo 373, §§ 1º e 2º). Ademais, o CPC, através do parágrafo 2º do seu artigo 373, veda a redistribuição do ônus da prova quando a decisão puder ocasionar situação em que seja impossível ou excessivamente difícil à parte cumprir o encargo probatório. Contudo, de acordo com o artigo 90 do CDC, aplicam-se às ações judiciais que envolvem a defesa dos interesses e direitos dos consumidores as normas do CPC, naquilo que não contrariar as disposições do CDC. Assim, o presente trabalho se propõe, de modo geral, a realizar uma abordagem da legislação, da doutrina e da jurisprudência aplicáveis à regra de inversão do ônus da prova, prevista no Código de Defesa do Consumidor, e à regra de redistribuição do ônus da prova, positivada no Código de Processo Civil, de modo a comparar os fundamentos e requisitos para a aplicação de cada um dos sistemas legais, bem como analisar o possível diálogo entre as referidas leis. Especificamente, o trabalho busca verificar a possibilidade da aplicação do parágrafo 2º do artigo 373 do Código de Processo Civil em ações judiciais que envolvem relações de consumo, bem como as eventuais consequências da aplicação do referido dispositivo legal ante a garantia constitucional de defesa do consumidor (CR, artigo 5º, XXXII) e os direitos básicos à efetiva prevenção e reparação de danos, à proteção jurídica e à facilitação da defesa de seus direitos com a inversão do ônus da prova (CDC, artigo 6º, VI, VII e VIII). Para tanto, o trabalho irá se desenvolver em dois capítulos. O primeiro deles, centrado na inversão do ônus da prova no direito do consumidor, examinará os pressupostos legais e o momento processual adequado para a inversão ope judicis do ônus da prova a favor do consumidor, bem como a responsabilidade pelo pagamento das custas processuais em decorrência da referida inversão, sempre com o comentário de decisões judiciais, verificando a evolução da jurisprudência ao longo dos anos. O segundo capítulo, por sua vez, que trata das regras de redistribuição do ônus da prova constantes do Código de Processo Civil de 2015, procederá a uma análise acerca do objeto da prova e dos seus destinatários na relação processual, assim como dos critérios de apreciação da prova já utilizados no Direito Processual Civil, para então enfrentar de maneira detida a técnica da distribuição dinâmica do ônus da prova, conferindo destaque ao entendimento jurisprudencial recente sobre o tema. Quando o juiz deve inverter o ônus da prova?Inversão do ônus da prova (Art.
A primeira situação de inversão da onerosidade apresentada pelo Novo CPC se dá nas situações onde há impossibilidade ou grande dificuldade da parte de apresentar provas de suas alegações, sendo mais fácil que a parte contrário apresente documentos comprovando o fato contrário: Art.
Quais as três alternativas em que pode ocorrer a inversão do ônus da prova?Existem três espécies de inversão do ônus da prova: a) convencional; b) legal; c) judicial. A) INVERSÃO CONVENCIONAL: A inversão convencional decorre de um acordo de vontade entre as partes, que pode ocorrer antes ou durante o processo.
Quando não cabe inversão do ônus da prova?A inversão do ônus da prova, mesmo nos casos que envolvam direito do consumidor, não se opera de forma automática, dependendo do preenchimento dos seguintes requisitos: verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor.
Em quais hipóteses o juiz afasta a aplicação da teoria da carga dinâmica do ônus da prova?O art. 373, § 2.º, do NCPC impede a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova quando a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
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