Quando a história social apresenta valor próprio através do domínio da atividade econômica

A interven��o do estado na economia e o princ�pio da dignidade da pessoa humana ante a nova lei ambiental

Danilo Fontenelle Sampaio

INTRODU��O

O cientista e escritor Carl Sagan, em seu �ltimo livro1, publicado ap�s a sua morte, afirmou que A nossa tecnologia tem-se tornado t�o poderosa que � n�o s� consciente, mas tamb�m inadvertidamente � estamos nos tornando um perigo para n�s mesmos. A ci�ncia e a tecnologia t�m salvo bilh�es e bilh�es de vidas, melhorando o bem-estar de muitas mais, ligado o planeta numa uni�o lentamente anastomosante � e ao mesmo tempo t�m mudado o mundo de tal forma que muitas pessoas j� n�o se sentem em casa na Terra. Criamos uma gama de novos males: dif�ceis de ver, dif�ceis de entender, problemas que n�o podem ser resolvidos imediatamente � e que, sem d�vida, n�o poder�o ser solucionados sem desafiarmos aqueles que det�m o poder.

A nova Lei dos Crimes Ambientais (Lei n. 9.605, de 12/02/1998) surgiu no nosso panorama jur�dico trazendo muitas inova��es, principalmente no que diz respeito � responsabiliza��o das pessoas jur�dicas por il�citos ambientais.

Pretendemos, com o presente trabalho, discorrer sobre alguns aspectos que envolvem a ordem jur�dico-econ�mica,  fazendo breves coment�rios sobre os princ�pios constitucionais da atividade econ�mica relacionados com a prote��o ao meio ambiente e  a interven��o do Estado no dom�nio econ�mico  para, ap�s,  discorrermos sobre a dignidade da pessoa humana como fundamento da Lei n. 9.605/98, mormente no que se refere � responsabiliza��o das pessoas jur�dicas por il�citos ambientais.

Advertimos o leitor que as opini�es aqui tra�adas refletem o primeiro momento de nossas inquieta��es, estando, por �bvio, sujeitas � mudan�as e reflex�es.

1 ORDEM JUR�DICO-ECON�MICA

Entendemos, como Eros Roberto Grau2, que, ao estudarmos o tema da ordem econ�mica, precisamos realizar uma an�lise que supere a simples dogm�tica, em uma perspectiva cr�tica e funcional das normas postas e da nossa realidade.

Assim, uma vez que o objeto do Direito � a rela��o humana, h� de se ter em mente os aspectos din�micos das inter-relac�es e as suas conseq��ncias na organiza��o e defini��o dos pap�is do Estado, com os inevit�veis reflexos no Direito positivo e na pr�pria interpreta��o deste.

Percebe-se, pois, que as normas refletem o que a sociedade entende por justo e mais adequado para a resolu��o dos problemas vivenciados, sendo facilmente verific�vel a evolu��o das concep��es antes individualistas e agora pressupondo uma finalidade de solidariedade social.

G. Ripert profetizava que: O direito subjetivo � a lembran�a de uma �poca em que a doutrina individualista era erguida como uma resist�ncia � for�a pol�tica. O povo, que se apoderou do poder pol�tico, n�o tolera mais os poderes privados. Os direitos individuais devem, portanto, desaparecer. Com eles, ali�s, desaparecer� talvez o Direito privado todo inteiro. Todo homem, ocupando um lugar no mecanismo social, ser� considerado como exercente de uma fun��o social e todas as rela��es entre os homens ser�o rela��es de Direito p�blico. No dia em que essa doutrina tiver triunfado completamente, o Direito civil n�o se ter� somente transformado, como o queria Guguit: ele ter� desaparecido3.

Uma das mudan�as mais significativas nos par�metros do comportamento socialmente aceito e atua��o estatal desej�vel deu-se a partir do instante em que o Direito passou a preocupar-se com o fen�meno econ�mico.

Na verdade, iniciou-se no come�o do s�culo XIX o chamado �capitalismo de grupo�, ou seja, as caracter�sticas econ�micas da �poca ensejaram a uni�o de empresas com o fito de maximiza��o de ganhos, o que, inevitavelmente, ocasionou mudan�as na ordem jur�dica ent�o vigente, surgindo a necessidade de uma redefini��o do papel do Estado na economia.

Foi, no entanto, no in�cio do s�culo XX, com a Revolu��o Industrial e a Primeira Guerra Mundial, que se concluiu que os instrumentos jur�dicos se mostravam insuficientes para a resolu��o dos problemas agora visivelmente possuidores de matizes eminentemente econ�micos e n�o mais apenas de car�ter pol�tico ou racional, tendo as id�ias anteriores de liberalismo pleno e natural sofrido reformula��es estruturais4.

O Direito, antes concebido apenas como meio de harmoniza��o dos conflitos, passou a ser utilizado pelo Estado como instrumento da implementa��o de pol�ticas p�blicas5, passando este �ltimo a intervir na economia.

O racioc�nio, por assim dizer, do Estado ao dirigir ou promover a atividade econ�mica, aponta para a consecu��o da vantagem coletiva e no bem estar geral, sem olvidar a capacidade de facilitar (ou pelo menos n�o impedir ou dificultar) , que cada indiv�duo atinja o seu ideal de qualidade de vida6. Assim,  as no��es de uso e abuso de poder econ�mico, de concorr�ncia e competi��o no mercado, liberdade contratual, autonomia da vontade e suas conseq��ncias agregaram conceitos e id�ias de coletividade e interesse social, abandonando as id�ias puramente individualistas.

Quando se fala em ordem jur�dico-econ�mica, h� de se ter em mente a id�ia de organiza��o n�o-est�tica, ou seja, tendo em vista que estamos nos referindo a rela��es humanas, h� de se admitir que os elementos dessa organiza��o est�o sempre em movimento, sempre em dire��o a um fim espec�fico.

Percebemos a ordem jur�dica como algo al�m do simples instrumento da busca da paz, como afirmava Kant, ou da procura da percep��o do sentido l�gico dos preceitos singulares com o fim de orden�-los num sistema l�gico sem contradi��o, como desejava Weber. Assim, entendemos a ordem econ�mico-jur�dica como uma forma de compreens�o do que est� subjacente aos sistemas, como reflexo do antagonismos das for�as em embate e manifesta��o das ideologias mais aceitas em determinada �poca.

Michael Foucault afirmava, referindo-se ao conhecimento, que (...) Sin embargo, si quisi�ssemos saber qu� cosa es el conocimiento no hemos de aproximarnos a �l desde la forma de vida, de existencia de ascetismo caracter�stica del filosofo. Para saber qu� es, para conocerlo realmente, para aprehenderlo en su ra�z, en su fabricaci�n, debemos aproximarnos a �l no como fil�sofos sino como pol�ticos, debemos compreender cu�les son las relaciones de lucha y de poder. Solamente en esas relaciones de lucha y poder, en la manera como las cosas entre s� se oponen, en la manera como se odian entre s� los hombres, luchan, procuran dominarse unos a otros, quieren ejercer relaciones de poder unos sobre otros, comprendemos en qu� consiste el conocimiento7.

Assim, o Direito, sendo reflexo de uma vis�o do mundo e tendo por base as rela��es humanas, pressup�e comunica��o de uma mensagem prescritiva por meio de uma linguagem, isto �, det�m prescri��o e significado mediante c�digos normativos.

Tais c�digos normativos ensejam a id�ia de ordem que, no dizer de Jo�o Bosco Leopoldino da Fonseca, (...) se prende � correla��o e correspond�ncia hier�rquica existente dentro do conjunto das normas, ligando as normas particulares a uma norma fundamental. O sistema se revela a partir do exame da correla��o entre o conjunto normativo e o vivido. Haver� sistema se se verificar a coer�ncia org�nica e funcional entre os elementos desses dois conjuntos. O Direito, como sistema de normas impostas, � reflexo de uma vis�o do mundo, de uma raz�o imanente � organiza��o social8.

Eros Roberto Grau inicialmente definiu a ordem econ�mica, no mundo do dever-ser, como (...) conjunto de princ�pios jur�dicos de conforma��o do processo econ�mico, desde uma vis�o macrojur�dica, conforma��o que se opera mediante o condicionamento da atividade econ�mica a determinados fins pol�ticos do Estado. Tais princ�pios (...) gravitam em torno de um n�cleo, que podemos identificar nos regimes jur�dicos da propriedade e do contrato9 para, depois, percebendo que a ordem econ�mica engloba mais do que apenas os princ�pios, a descrever como (...) o conjunto de normas que define, institucionalmente, um determinado modo de produ��o econ�mica. Assim, a ordem econ�mica, parcela da ordem jur�dica ( mundo do dever-ser), n�o � sen�o o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada ordem econ�mica (mundo do ser)10.

Tal defini��o indica o conceito de Constitui��o econ�mica, definida por Vidal Moreira como (...) o conjunto de preceitos e institui��es jur�dicas que, garantindo os elementos definidores de um determinado sistema econ�mico, instituem uma determinada forma de organiza��o e funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo, uma determinada ordem econ�mica; ou, de outro modo, aquelas normas ou institui��es jur�dicas que, dentro de um determinado sistema e forma econ�micos, que garantem e (ou) instauram, realizam uma determinada ordem econ�mica concreta 11,  12.

Cremos ser despiciendo adentrarmos na discuss�o a respeito de outros conceitos como �Constitui��o econ�mica estatut�ria� (ou org�nica) e �Constitui��o econ�mica diretiva� (ou program�tica), ou �Constitui��o econ�mica material� e �Constitui��o econ�mica formal� etc, e nem adentraremos no debate a respeito da utilidade da teoriza��o de tais conceitos, conformando-nos, para este trabalho, com a id�ia de que a Constitui��o de 1988 trouxe elementos instituidores de uma determinada forma de funcionamento da economia com  normas garantidoras de um Estado social e, especificamente, de limita��o da propriedade, tendo em vista a prote��o ao meio ambiente.

2 INTERVEN��O DO ESTADO NO DOM�NIO ECON�MICO

Jos� Afonso da Silva afirma existir uma distin��o entre as duas modalidades de atua��o estatal � a participa��o e a interven��o, (...) tomada esta �ltima em sentido restrito. A primeira com base nos arts. 173 e 177, caracterizando o Estado administrador de atividades econ�micas; a segunda fundada no art. 174, em que o Estado aparece como agente normativo e regulador da atividade econ�mica, que compreende as fun��es de fiscaliza��o, incentivo e planejamento, caracterizando o Estado regulador, o Estado promotor e o Estado planejador da atividade econ�mica13.

Eros Roberto Grau14 refere-se a tr�s modalidades de interven��o: (...) interven��o por absor��o ou participa��o, interven��o por dire��o e interven��o por indu��o.

Esclarece referido autor que:

Quando o faz por absor��o, o Estado assume integralmente o controle dos meios de produ��o e/ou troca em determinado setor da atividade econ�mica em sentido estrito; atua em regime de monop�lio.

Quando o faz por participa��o, o Estado assume o controle de parcela dos meios de produ��o e/ou troca em determinado setor da atividade econ�mica em sentido estrito; atua em regime de competi��o com empresas privadas que permane�am a exercitar suas atividades nesse mesmo setor.

No segundo e no terceiro casos, o Estado interverir� sobre o dom�nio econ�mico, isto, sobre o campo de  atividade econ�mica em sentido estrito. Desenvolve a��o, ent�o, como regulador dessa atividade.

Intervir�, no caso, por dire��o ou por indu��o.

Quando o faz por dire��o, o Estado exerce press�o sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compuls�rio para os sujeitos da atividade econ�mica em sentido estrito.

Quando o faz por  indu��o, o Estado manipula os instrumentos de interven��o em conson�ncia e na conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.

Observe-se que nos casos de pessoas jur�dicas terem sido criadas ou utilizadas de forma preponderante para a pr�tica de crimes ambientais, a interven��o do Estado ser� mais do que a interven��o por dire��o, mas consistir� em uma forma evidente de interven��o direta das empresas criminosas, trazendo � nova lei dos crimes ambientais situa��es at� hoje n�o enfrentadas pela doutrina e jurisprud�ncia.

3 PRINC�PIOS CONSTITUICIONAIS DA ATIVIDADE ECON�MICA RELACIONADOS COM A PROTE��O AO MEIO AMBIENTE

A Constitui��o de 1988 descreve alguns dos seus princ�pios constitucionais relacionados com a ordem econ�mica e com a prote��o ao meio ambiente.

Assim, o art. 225, e seu � 3�, da Constitui��o Federal, afirmam que:

Art. 225 � Todos t�m direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial � sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder P�blico e � coletividade o dever de defend�-lo e preserv�-lo para as presentes e futuras gera��es.

(...)

� 3� � As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitar�o os infratores, pessoas f�sicas ou jur�dicas, a san��es penais e administrativas, independentemente da obriga��o de reparar os danos causados.

Pois bem, o art. 170 da Constitui��o Federal, que tra�a a estrutura geral do ordenamento jur�dico econ�mico,  afirma que:

Art. 170 � A ordem econ�mica, fundada na valoriza��o do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos exist�ncia digna, conforme os ditames da justi�a social, observados os seguintes princ�pios:

(...)

III � fun��o social da propriedade;

(...)

VI � defesa do meio ambiente;

(...) (grifos do autor).

Conjugando tais princ�pios com os insculpidos no art. 1�, III e art. 3�, I e IV, conclui-se que a finalidade das pol�ticas econ�micas � assegurar a todos exist�ncia digna, de acordo com os preceitos de justi�a social, o que vai estabelecer os verdadeiros contornos do direito da propriedade privada e a sua fun��o social.

3.1.1 A DIGNIDADE

Assim, entende-se a dignidade da pessoa humana como sendo o fundamento primeiro e finalidade �ltima de toda a atua��o estatal e mesmo particular, constituindo-se, ao lado do direito � vida, o n�cleo essencial dos direitos humanos.

Na verdade, a dignidade forma parte essencial da pessoa e, portanto, � pr�via ao Direito, pelo que n�o necessita reconhecimento jur�dico para existir, sendo  esse reconhecimento requisito imprescind�vel para a legitimidade do ordenamento jur�dico.

O reconhecimento da dignidade da pessoa humana como  fundamento da ordem pol�tica e paz social sup�e a plasma��o em nossa Constitui��o de conceito cuja formula��o leva consigo uma grande dose de relatividade, e supera os limites do �mbito jur�dico.

Verifica-se que a natureza e alcance do reconhecimento da dignidade em nossa Constitui��o ocasiona sua rela��o com os outros postulados contidos no art. 5� e tamb�m com outros preceitos do texto constitucional, al�m de verificar as manifesta��es concretas de tal reconhecimento.

Nesse sentido, v�-se que o reconhecimento constitucional da dignidade sup�e um limite no exerc�cio dos direitos pr�prios e um dever gen�rico de respeito aos direitos pr�prios e alheios, abordando-se o alcance jur�dico-normativo desse reconhecimento frente � atua��o das pr�prias institui��es governamentais.

Verifica-se que, por ser um atributo da pessoa tanto em sua dimens�o individual como social, e por trazer indissoluvelmente unida a id�ia de liberdade, a dignidade adquire um significado jur�dico-pol�tico. Seu reconhecimento pelos diversos textos constitucionais e declara��es internacionais de direitos, e em particular sua inclus�o na Constitui��o de 1988, converte a dignidade humana em objeto de estudo desde o ponto de vista das pol�ticas p�blicas adotadas.

Com efeito, uma vez que todas as pessoas merecem viver em um ambiente que favore�a o seu desenvolvimento pessoal e social, a dignidade se encontra unida, de modo indissoci�vel, �s id�ias de liberdade e igualdade. E por isso ambas se erigem em valores jur�dicos fundamentais. O reconhecimento jur�dico da dignidade sup�e, ent�o, que o Direito garanta o respeito � dignidade nas rela��es interpessoais, e nas rela��es entre o poder e os indiv�duos.

Verifica-se, assim, que se a dignidade � um valor central dos direitos fundamentais individuais, a moralidade surge como corol�rio para a Administra��o P�blica, n�o existindo, em ambos os casos, outro contravalor que os supere.

Por isso a positiva��o jur�dica da dignidade se traduz, entre outras coisas, em um dever gen�rico de respeito � liberdade e aos direitos do indiv�duo.

Como j� antecipamos, tanto na ordem internacional como nos ordenamentos jur�dicos estatais, � freq�ente o reconhecimento de direitos fundamentais, e a dignidade como n�cleo central dos mesmos15.

Entretanto, n�o se quer dizer que a dignidade da pessoa exista somente onde o Direito a reconhece e na medida em que a reconhece. A dignidade forma parte essencial da pessoa, e portanto, � pr�via ao Direito. Ou, dito de outro modo, a dignidade n�o � somente o que o Direito diz que �. O m�ximo que se pode alcan�ar sobre as diversas vers�es do reconhecimento em n�vel jur�dico da dignidade ser� uma aproxima��o, um retrato mais ou menos fidedigno da dignidade da pessoa.

Vemos, portanto, que o conceito de dignidade transcende, supera os limites do �mbito jur�dico. A perspectiva jur�dica � s� uma das poss�veis que complementam a dignidade da pessoa.

Pode-se afirmar que um ato ou comportamento humano ser� digno quando nele exista uma adequa��o com a condi��o superior, humana, do sujeito que o realiza. De igual forma, o trato dispensado a um ser humano ser� �digno� quando tenha em conta e respeite essa condi��o superior; do contr�rio, o tratamento ser� �inumano� ou �degradante�. O alcance da dignidade em si mesma, no entanto, n�o � percebido a n�o ser na ordem pr�tica do dia  a  dia jur�dico.

Com efeito, a defini��o de dignidade em abstrato encontra uma s�rie de dificuldades. Por exemplo, sempre estar� presente a determinada concep��o ideol�gica de quem trate de aproximar-se a esse conceito, e o momento e lugar de refer�ncia (as circunst�ncias e valores sociais s�o mut�veis, e o que em um momento resulta contr�rio � dignidade pode n�o parec�-lo em um momento ou contexto distinto). Ademais, opinam alguns autores que, se bem pode pensar-se em um conceito de dignidade universal, v�lido para todos, o certo � que uma determinada medida pode ir de encontro � dignidade de umas pessoas e n�o contra a de outras.

Partindo dessas dificuldades poder-se-ia pensar, em princ�pio, que a aprecia��o sobre a viola��o ou n�o da dignidade corresponde � pr�pria pessoa. Mas, como temos visto, a dignidade n�o pode ser considerada somente do ponto de vista individual, j� que ela convalidaria grandes doses de subjetivismo e relatividade;  determinados tratamentos considerados degradantes pela maioria poderiam n�o s�-lo por uma pessoa determinada, ou vice-versa. Se a dignidade humana est� unida a uma s�rie de direitos inviol�veis e irrenunci�veis, parece que o conceito da mesma transcende o que cada pessoa pode considerar digno ou indigno.

Faz-se necess�rio, ent�o, para nos aproximarmos de um conceito de dignidade em uma perspectiva jur�dica, ter-se em conta uma s�rie de condi��es, pressupostos ou postulados, que nos permitam definir a dignidade por meio de suas caracter�sticas.

Nesse sentido, cabe assinalar, em primeiro lugar, que todo homem participa por igual da dignidade da pessoa; se o g�nero humano goza de supremacia enquanto tal, cada pessoa � igual em dignidade a qualquer outra, pelo que a dignidade humana n�o admite nem tolera discrimina��es , condicionamentos ou restri��es.

Carlos I. Massini Correas, explicando a opini�o de Robert Spaemann, afirma que:

Para Spaemann, las respuestas al problema de la fundamentaci�n de los derechos humanos oscilan entre los extremos de una alternativa que parece insuperable: o bien se entienden esos derechos como reivindicaciones que corresponden a cada hombre en raz�n de su pertenencia a la especie homo sapiens, o bien �los derechos humanos son reivindicaciones que nosotros nos concedemos rec�procamente gracias a la craci�n de sistemas de derechos, com lo cual depende del arb�trio del creador de tal sistema de derechos en qu� consistan estos derechos y c�mo se delimite el �mbito de las reivinicaciones leg�timas (...)�. Esta �ltima soluci�n es la propuesta por los diversos positivismos, que no aceptan la idea de un minimum debido a todo hombre y sustra�do de la arbitrariedad del poder legislador; pero resulta que sin esta pre-positividad, afirma Spaemann, �(...) no tendr�a ning�n sentido hablar de derechos humanos, porque un derecho que puede ser anulado en cualquier momento por aquellos para los que esse derecho es fuente de obligaciones, no merecer�a en absoluto el nombre de derecho. Los derechos humanos entendidos de modo positivista� � concluye � �(...) no son outra cosa que edictos de tolerancia revocables16.

Cabe afirmar que a dignidade est� relacionada com a id�ia de personalidade. Nada pode atentar contra a personalidade vulnerando os direitos inviol�veis inerentes a ela mesma.

O Estado n�o pode desconhecer esses direitos: ser� miss�o do ordenamento jur�dico garantir seu respeito, tanto nas rela��es entre os poderes p�blicos e as pessoas, como nas rela��es rec�procas entre os seres humanos.

�, pois, evidente em nosso ordenamento a conex�o existente entre o reconhecimento da dignidade nos arts. 1� e 5� da Constitui��o Federal e os valores superiores  da liberdade, justi�a e  igualdade, uma vez que n�o existe nem pode existir dignidade humana sem liberdade, justi�a e igualdade; ademais, esses valores seriam indignos se n�o redundassem em favor da dignidade do ser humano.

Assim, apesar de a dignidade n�o necessitar, para existir, de reconhecimento pelo ordenamento jur�dico, o certo � que para este ser� um requisito imprescind�vel de legitimidade o reconhecimento da dignidade e dos valores que v�o unidos � mesma.

A dignidade pode ser definida, portanto, como a caracter�stica pr�pria e insepar�vel de toda pessoa em virtude de sua pr�pria exist�ncia, independentemente do momento e por cima das circunst�ncias em que se desenrole sua vida, materializando-se no exerc�cio dos direitos inviol�veis e irrenunci�veis que lhe s�o inerentes.

Os conte�dos dos arts. 1� e  5� da Constitui��o sup�em a positiva��o de uns postulados que, como primeira aproxima��o, podem ser qualificados de �princ�pios b�sicos� ou �princ�pios fundamentais� da ordem jur�dico-pol�tica configurada na Constitui��o de 1988.

Existem outros preceitos constitucionais que tamb�m reconhecem princ�pios e valores de car�ter geral, b�sico ou superior, que, em maior ou menor medida, refletem e positivam um determinado sistema axiol�gico, e informa o ordenamento constitucional.

Em definitivo, parece que os postulados contidos nos arts. 1� e 5� da Constitui��o apresentam pontos de conex�o enquanto, em seu conjunto, sup�em a proclama��o de princ�pios e a plasma��o de valores que informam o ordenamento jur�dico dentro do texto dispositivo de nossa norma fundamental.

Interessa-nos destacar aqui que a dignidade da pessoa precede os outros preceitos e ocupa uma posi��o central dentro do ordenamento, de modo que as outras quatro premissas (direitos inviol�veis, desenvolvimento da personalidade, respeito � lei e respeito aos direitos dos demais) s�o manifesta��es ou conseq��ncias do reconhecimento constitucional da dignidade.

Assim, com efeito, os direitos individuais inerentes � pessoa o s�o em raz�o de sua dignidade �todos os direitos fundamentais possuem como n�cleo a dignidade pessoal.

Em nossa Constitui��o, a refer�ncia aos direitos inviol�veis aparece unida e intimamente conectada ao reconhecimento da dignidade de pessoa. Se esses direitos s�o inerentes � pessoa � pela pr�pria condi��o de pessoa; esses direitos s�o intoc�veis e seu respeito � obrigat�rio em todos os casos tanto para o Poder P�blico como para os cidad�os, com especial destaque no que de refere ao Judici�rio, uma vez que s�o os ju�zes os respons�veis por fazer prevalecer os valores consagrados constitucionalmente.

Assim, a eleva��o pelo arts. 1� e 5� da Constitui��o de que os direitos inviol�veis que s�o inerentes � pessoa � id�ntica categoria de fundamento da ordem pol�tico-constitucional n�o � sem a resultante obrigat�ria da primazia do valor constitucional �ltimo, a dignidade da pessoa humana.

A dignidade h� de permanecer inalterada qualquer que seja a situa��o em que a pessoa se encontre, constituindo, em conseq��ncia, um minimum invulnerable que todo estatuto jur�dico deve assegurar, de modo que sejam umas ou outras as limita��es que se imponham no desfrute de direitos individuais.

Estamos, pois, ante a sujei��o do Estado a uma ordem de valores, que demonstra que a Constitui��o supera o normativismo positivista, positivando um determinado sistema axiol�gico.

A dignidade apresenta,  assim, uma tr�plice dimens�o e fun��o ao  fundamentar o ordenamento, orientar o trabalho interpretativo e de integrar o ordenamento. A estas fun��es se poderia adicionar uma quarta: a de ser uma norma de conduta que limita o exerc�cio dos direitos.

Apesar de alguns autores ainda insistirem em  considerar esse preceito como uma mera declara��o ideol�gica de princ�pios, percebe-se  que os arts. 1� e 5� cont�m uma norma jur�dica vinculante com exig�ncia de executividade.

Assim, a dignidade da pessoa humana desempenha a fun��o, no nosso ordenamento, de: legitimar a ordem pol�tica, na medida em que esta respeita e tutela a dignidade da pessoa humana, seus direitos individuais e o livre desenvolvimento de sua personalidade; a fun��o de promover o desenvolvimento da personalidade de todos; e, principalmente, a fun��o hermen�utica, uma vez que o ordenamento gira em torno do n�cleo da dignidade.

A dignidade �, pois, um marco na nossa Constitui��o, influenciando toda a mat�ria dos direitos fundamentais, bem como todo o atuar interpretativo das normas, supondo um limite no exerc�cio dos direitos pr�prios, e um dever gen�rico de respeito aos direitos pr�prios e alheios.

3.1.2  DIGNIDADE E ATIVIDADE ECON�MICA

Jos� Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, citados por F�bio Konder Comparato17, afirmam que:

Concebida como refer�ncia constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densifica��o valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e n�o uma qualquer id�ia aprior�stica do homem, n�o podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana � defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos dos direitos sociais, ou invoc�-la para construir uma �teoria do n�cleo da personalidade� individual, ignorando-a quando se trate de direitos econ�micos, sociais e culturais.

Em igual sentir, Willis Guerra Filho18, tamb�m citado por F�bio Konder Comparato, conclui que:

A democracia, por seu turno, apresenta o reconhecimento de uma igual dignidade em todas as pessoas individualmente, a ser acatada no conv�vio social. Essa dignidade n�o pode ser sacrificada em nome da seguran�a, na hip�tese de um confronto entre os dois valores, o que pode ocorrer com freq��ncia, embora a garantia de seguran�a seja essencial para haver respeito � dignidade humana. Cabe, por�m, distinguir entre a seguran�a individual e a seguran�a coletiva, enquanto esta, por sua vez, tanto pode ser a seguran�a de uma parte ou grupo da sociedade como a seguran�a dela como um todo.

Assim, a atividade econ�mica encontra-se comprometida, no dizer de Eros Roberto Grau, (...) com o programa de promo��o da exist�ncia digna, de que, repito, todos devem gozar. Da� porque se encontram constitucionalmente empenhados na realiza��o desse programa � dessa pol�tica p�blica maior � tanto o setor p�blico quanto o setor privado. Logo, o exerc�cio de qualquer parcela da atividade econ�mica de modo n�o adequado �quela promo��o expressar� viola��o do princ�pio duplamente contemplado na Constitui��o19.

Perceba-se que estamos falando de uma dignidade que abrange todos os indiv�duos (e n�o apenas de uma dignidade individual, solit�ria), vez que o indiv�duo � ser sujeito-social e n�o sujeito-ilha 20.

3.2 A FUN��O SOCIAL DA PROPRIEDADE

A propriedade privada possui a determina��o, no cap�tulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos da Constitui��o de 1988 (art. 5�, XXII e XXIII), de sua garantia e de que atender� � sua fun��o social21.

Jos� Afonso da Silva22 afirma que:

Os conservadores da constituinte, contudo, insistiram para que a propriedade privada figurasse como um dos princ�pios da ordem econ�mica, sem perceber que, com isso, estavam relativizando o conceito de propriedade, porque submetendo-o aos ditames da justi�a social, de sorte que se pode dizer que ela s� � leg�tima enquanto cumpra uma fun��o dirigida � fun��o social.

Eros Roberto Grau afirma que fundamentos distintos justificam a propriedade dotada de fun��o individual e a propriedade dotada de fun��o social, afirmando que:

Encontra justifica��o, a primeira, na garantia, que se reclama de que possa o indiv�duo prover a sua subsist�ncia e de sua fam�lia; da� porque concorre para essa justifica��o a sua origem, acatada quando a ordem jur�dica assegura o direito de heran�a.

J� a propriedade dotada de fun��o social, � justificada pelos seus fins, seus servi�os, sua fun��o23.                               

E acrescenta:

� propriedade dotada de fun��o individual respeito o art. 5�, XXII, do texto constitucional; de outra parte, a �propriedade que atender� sua fun��o social�, a que faz alus�o o inciso seguinte � XXIII � s� pode ser aquela que exceda o padr�o qualificador da propriedade como dotada de fun��o individual.

� propriedade-fun��o social, que diretamente importa � ordem econ�mica � propriedade dos bens de produ��o � respeita o princ�pio inscrito no art. 170, III.

No mais, quanto � inclus�o do princ�pio da garantia da propriedade privada dos bens de produ��o entre os princ�pios da ordem econ�mica, tem o cond�o de n�o apenas afet�-los pela fun��o social � con�bio entre os incisos II e III do art. 170 � mas, al�m disso, de subordinar o exerc�cio dessa propriedade aos ditames da justi�a social e de transformar esse mesmo exerc�cio em instrumento para realiza��o do fim de assegurar a todos exist�ncia digna24.

3.3  A DEFESA DO MEIO AMBIENTE.

A Constitui��o Federal atribuiu � defesa do meio ambiente n�o s� o inc. VI do art. 170 mas tamb�m o art. 225 e par�grafos; art. 5 �, LXXIII; art. 23,VI e VII, art. 24, VI e VIII; art. 129, III; art. 174 � 3�, art. 200, VIII e art. 216, V.

Percebe-se que a defesa do meio ambiente surge, assim, de um lado, com o objetivo de preservar a exist�ncia digna de todos e, de outro, como consect�rio do princ�pio da garantia da fun��o social da propriedade, constituindo uma limita��o do uso da propriedade.

A atua��o do Estado na prote��o do meio ambiente surge de v�rias formas, normalmente identificadas com o poder de pol�cia da Administra��o.

A Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que disp�e sobre as san��es penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, surge como, por assim dizer, elemento �ltimo nas tentativas de sensibiliza��o de todos n�s com respeito � prote��o da flora e fauna. E por ser �ltima inst�ncia de convencimento, traz referida lei alguns dispositivos inovadores na tipifica��o de condutas e suas conseq��ncias, mormente relacionadas com interven��o do Estado na propriedade.

4 CONCLUS�O

Conclu�mos, pois, que a prote��o do meio ambiente, por meio da Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, tem respaldo constitucional na preval�ncia do princ�pio da dignidade da pessoa humana, sendo a responsabiliza��o penal da pessoa jur�dica encarada como forma de interven��o direta do Estado na economia.     

12 Claro nos parece que a constitui��o jur�dica da economia pressup�e que, para uma norma jur�dica ser criada para direcionar o fen�meno econ�mico, � necess�rio considerar-se a pr�pria mutabilidade essencial de tal fen�meno.

SAGAN, Carl. Bilh�es e Bilh�es - reflex�es sobre vida e morte na virada do Mil�nio. Tradu��o de Rosaura Eichemberg. 1� reimpress�o. S�o Paulo: Companhia das Letras, 1998. 265 p.

Quando a história social apresenta valor próprio através do domínio da atividade?

Resposta: b) Surge o capitalismo mercantil.

É vedada à exploração direta de atividade econômica pelo Estado?

173, CF. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

O que é atividade econômica de um Estado?

O termo “atividade econômica em sentido amplo” denota a atuação do Estado na economia, representando tanto a atuação estatal em sentido estrito, intervenção do Estado na economia, como a prestação de serviço público, atuação de competência típica do ente público.

Quem exerce atividade econômica no Brasil?

Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada, assumindo os riscos inerentes à execução da respectiva atividade econômico-empresarial, que tem por fim a produção, a circulação ou a troca de bens ou de serviços (Art. 966 do novo Código Civil (Lei n.º 10.406/02).