Quando a educação infantil foi reconhecida como direito de toda criança de 0 a 5 anos de idade?

Como citar este artigo: BARROS, Miguel Daladier. Educação infantil: o que diz a legislação . Disponível em http://www.lfg.com.br. 12 de novembro de 2008.

"Educai as crianças para não ter que punir os adultos ." (autor desconhecido)

1. Introdução

O presente artigo tem por objetivo, dentre outros, abordar a legislação brasileira que trata da educação em geral e, em especial, a Educação Infantil - isto é, o atendimento a crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas -, direito público subjetivo assegurado pela Constituição Federal de 1988. Abordaremos ainda a eficácia dessa legislação frente aos desafios enfrentados ao longo dos anos pela educação no Brasil, concluindo, sobre a necessidade ou não de uma ampla reforma nesse aspecto legislativo.

Iniciando o nosso trabalho, faremos uma viagem ao longo da História Constitucional do Brasil, iniciando pela "Carta Imperial ", de 1824, até os dias atuais sob a égide da"Carta Cidadã ", de 1988, com o objetivo de verificar como a educação vem sendo tratada a nível constitucional, ou seja, se a política educacional brasileira atende aos verdadeiros anseios do cidadão. Abordaremos ainda a Educação Infantil na atual Constituição , a Educação Infantil na legislação infraconstitucional, o Plano Nacional de Educação (PNE), dados estatísticos da Educação Infantil e, finalizando o nosso artigo, abordaremos a formação de profissionais da Educação Infantil.

Enfim, o objetivo principal desse artigo é trazer a criança para o centro da pauta das discussões, envolvendo nesse contexto, as "três instituições do cidadão": a Família, a Escola e a Igreja , mesmo que ela - a criança -, ainda não figure como prioridade na agenda das políticas públicas das três esferas do poder (União, Estados e Municípios). Relacionar a Educação Infantil à economia, cultura, história, política, saúde e meio-ambiente, situando a educação e o cuidado da primeira infância como ponto estratégico para o desenvolvimento humano e social. Este é o nosso grande desafio!

2. Educação nas Constituições Brasileiras

Uma rápida viagem através das constituições brasileiras, leva-nos às seguintes conclusões:

A "Constituição Política do Império do Brasil", de 25 de março de 1824, conhecida por "Carta Imperial "e, a"Constituição de República dos Estados Unidos do Brazil", de 24 de fevereiro de 1891, conhecida como"Carta Republicana de 1891 ", não trataram especificamente do tema educação. A"Carta Imperial "tinha como objetivo maior consolidar e manter a independência do Brasil, em razão da resistência oposta pelo Reino de Portugal quanto dos segmentos da sociedade portuguesa aqui radicada que não se conformavam em perder o domínio sobre o Brasil Colônia. Do mesmo modo, a"Carta Republicana de 1891 "não tratou especificamente da educação que somente foi explicitada a nível constitucional a partir da"Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil", de 16 de julho de 1934, seguindo-se nas demais constituições, cujo apogeu deu-se na atual"Constituição da Republica Federativa do Brasil", de 5 de outubro de 1988, também conhecida por"Constituição Cidadã", em razão de ter como foco de suas ações - o cidadão .

Nesse contexto, a educação foi genericamente tratada pela "Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil", de 16 de julho de 1934 em seus artigos 148 a 158. O mesmo aconteceu com as demais constituições: "Constituição dos Estados Unidos do Brasil", de 10 de novembro de 1937, artigos 128 a 134; "Constituição dos Estados Unidos do Brasil", de 18 de setembro de 1946, por meio dos artigos 166 a 175; "Constituição do Brasil", de 24 de janeiro de 1967, em seus artigos 168 a 172; "Constituição da Republica Federativa do Brasil" ou "Emenda Constitucional nº 1/69", de 17 de outubro de 1969, por intermédio dos artigos 176 a 180 e, finalmente, a atual "Constituição da Republica Federativa do Brasil", de 5 de outubro de 1988, a "Constituição Cidadã", em seus artigos 205 a 214.

Entretanto, diferentemente das demais, a atual Constituição Federal erigiu a educação ao status de fundamento da República Federativa do Brasil no artigo 1º , inciso III , ao dispor sobre a "dignidade da pessoa humana "e, através do artigo 3º, inciso III, que dispõe sobre o objetivo fundamental a ser alcançado pela República Federativa do Brasil:"erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais ". A"Constituição Cidadã"foi mais além ao dispor no artigo 6º que:"São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da lei ".

Verifica-se, portanto, que a "Constituição Cidadã", foi mais ousada que as suas antecessoras ao elevar a educação ao patamar de direito fundamental, objetivo fundamental e direito social da República Federativa do Brasil, seguindo, desse modo, a moderna tendência das atuais Nações Democráticas cujas políticas encontraram-se centradas no bem-estar e na dignidade da pessoa humana .

3. Educação Infantil na atual Constituição

A educação e o cuidado na primeira infância vêm sendo tratados como assuntos prioritários de governo, organismos internacionais e organizações da sociedade civil, por um número crescente de países em todo o mundo. No Brasil, a Educação Infantil - isto é, o atendimento a crianças de zero a seis anos em creches e pré-escolas - é um direito assegurado pela Constituição Federal de 1988. A partir da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional , em 1996, a Educação Infantil passa a ser definida como a primeira etapa da Educação Básica.

Nesse sentido, várias pesquisas realizadas nos anos de 1980 já mostravam que os seis primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento humano, e a formação da inteligência e da personalidade, entretanto, até 1988, a criança brasileira com menos de 7 anos de idade não tinha direito à Educação. A Constituição atual reconheceu, pela primeira vez, a Educação Infantil como um direito da criança, opção da família e dever do Estado. A partir daí, a Educação Infantil no Brasil deixou de estar vinculada somente à política de assistência social passando então a integrar a política nacional de educação.

A Constituição Federal criou a obrigatoriedade de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade em seu artigo 208 , inciso IV . Entretanto, até a presente data esse sonho do legislador constituinte de 1988 ainda não virou realidade. O artigo 211, § 2º, dispõe que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na Educação Infantil. Para tanto, preceitua o artigo 212 que a União aplicará, anualmente, nunca menos de 18% (dezoito por cento) e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25% (vinte e cinco por cento), no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na Educação. Estabelece ainda no artigo 23, inciso V, a competência comum de proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência e, destes entes políticos-administrativos, somente os Municípios estão impedidos de legislar sobre Educação e proteção à infância, segundo dispõe o seu artigo 24, incisos IX e XV, respectivamente. De outro lado, através do artigo 209, incisos I e II, submete as instituições educacionais privadas que atendam crianças de zero a seis anos de idade, à supervisão e fiscalização do Poder Público. Tal regra encontra ressonância no artigo 22, inciso XXIV, que dispõe sobre a competência legislativa privativa da União de legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional .

Enfim, além de explicitar os princípios e normas inerentes à educação, a Constituição de 1988 albergou, em seu seio, normas de caráter universal, verdadeiros vetores generalíssimos, os quais se aplicam ao processo educacional e, em particular, ao processo ensino-aprendizagem. O artigo 205 da Carta Política de 1988 inovou em matéria de política educacional, ao dispor que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Para que o ambicioso, porém não prioritário projeto inserido no artigo 205 da Constituição seja efetivamente cumprido, muito há que se fazer em termos de polícias públicas voltadas para a educação de qualidade. Para que seja efetivado o desígnio constitucional em comento, torna-se indispensável a existência de escola de qualidade para todos. Caso contrário, e esta é a nossa triste realidade, o direito público subjetivo à educação assegurado pela Constituição Federal ficará sem sentido. Será mais uma norma sem alma, sem efetividade, aliás, como a maioria das normas que têm o cidadão como destinatário.

Como se vê, no Brasil os Poderes Públicos poderiam fazer muito mais pela educação, promovendo-a, colocando-a a disposição de todos, até porque ela, a educação, encontra seu referencial maior no artigo XXVI, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, da qual o Brasil é um de seus signatários.

4. Educação Infantil na legislação infraconstitucional

No Brasil estamos vivendo um momento histórico muito oportuno para a reflexão e a ação em relação às políticas públicas voltadas para as crianças. Cada vez mais, a educação e o cuidado na primeira infância são tratados como assuntos prioritários por parte dos governos Federal, Estadual e Municipal, bem como pelas organizações da sociedade civil, por um número crescente de profissionais da área pedagógica e de outras áreas do conhecimento, que vêem na Educação Infantil uma verdadeira "ponte " para a formação integral do cidadão.

A ciência mostra que o período que vai da gestação até o sexto ano de vida, particularmente de 0 a 3 anos de idade, é o mais importante na preparação das bases das competências e habilidades no curso de toda a vida humana. Nesse aspecto, os extraordinários avanços da neurociência têm permitido entender um pouco melhor como o cérebro humano se desenvolve. Particularmente do nascimento até os 3 anos de idade, vive-se um período crucial, no qual se formarão mais de 90% das conexões cerebrais, graças à interação do bebê com os estímulos oriundos do ambiente em que vive. Acreditava-se, inicialmente, que a organização cerebral era determinada basicamente pela genética; agora, os cientistas comprovaram que ela é altamente dependente das infantis.

Sob o ponto de vista da Educação Infantil, antes mesmo das pesquisas realizadas sobre o cérebro, já constatava sensíveis progressos nos níveis de aprendizagem e desenvolvimento das crianças que freqüentaram a educação pré-escolar. Um estudo científico bastante significativo nesse aspecto foi feito pelo "Projeto Pré-Escolar High/Scope Perry ", em Michigan, nos Estados Unidos, que acompanhou crianças de famílias de baixa renda desde a época que participaram do projeto pré-escolar, com 3 ou 4 anos, até os 27 anos de idade. A avaliação longitudinal demonstrou que o grupo que recebeu atendimento pré-escolar obteve, a longo prazo, níveis mais altos de instrução e renda, e menores índices de prisão e delinqüência. Lembrem-se:"Educai as crianças para não ter que punir os adultos ". O Brasil, na atualidade, discute-se com bastante freqüência as possíveis soluções para a falta de segurança da sociedade, entretanto, nenhuma relevância é dada à Educação Infantil como fator de diminuição dos índices da delinqüência em todos os níveis que assola a sociedade brasileira.

A relação custo-efetividade (equação econômica: "custo-benefício ") do programa em que as crianças receberam atendimento pré-escolar indicou benefícios estimados em 7 vezes o custo original do programa. Os benefícios ocorreram como resultado da economia produzida pela redução nos gastos de educação primária (pela diminuição da evasão e da repetência), saúde, previdência social e sistema prisional, combinada com o aumento da produtividade ao longo do tempo.

No Brasil, dispomos de legislação avançada na área da educação, introduzida pela Constituição Federal de 1988: o "Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)"- Lei nº 8.069 , de 13 de julho de 1990, e a"Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LDB)"- Lei nº 9.394 , de 20 de dezembro de 1996. Além dessa legislação nacional específica temos acesso a pesquisas internacionais e estudos nacionais que apontam para os benefícios do investimento público na primeira infância.

4.1. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)- Lei nº 8.069 , de 13 de julho de 1990.

Com o advento da Lei nº 8.069 /90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os Municípios passaram a ter responsabilidade pelos direitos da infância e adolescência, através da criação do Conselho Municipal, do Fundo Municipal e o Conselho Tutelar. Em seu artigo 227, a Constituição Federal consagra uma recomendação em defesa da criança ao dispor que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, dentre outros, o direito à educação. Essa perspectiva pedagógica passa a ver a criança como um ser social, histórico, pertencente a uma determinada classe social e cultural. Cumpre, inicialmente, estabelecer a diferença prevista no artigo 2º do ECA entre criança e adolescente. Criança é o menor entre zero e 12 anos e adolescente, o menor entre 12 e 18 anos de idade. O artigo 4º relata os direitos básicos da criança e do adolescente, dentre eles, à educação, à profissionalização e à cultura.

No que diz respeito à educação e à cultura, o artigo 53 dispõe que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. Assim, a educação passa a ser um direito público subjetivo da criança e do adolescente, devendo ser garantida pelo Estado. Segundo Paulo Afonso Garrido de Paula, Educação, em sentido amplo, abrange o atendimento em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade, o ensino fundamental, inclusive àqueles que a ele não tiveram acesso na idade própria, o ensino médio e o ensino em seus níveis mais elevados, inclusive aqueles relacionados à pesquisa e à educação artística. Nesse contexto está o dever do Estado de assegurar à criança e ao adolescente o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade, segundo dispõe o artigo 54 , inciso IV do ECA .

Quanto à obrigação dos pais ou responsável, o artigo 55 elenca dentro dos mandamentos contidos no artigo 22, a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. O descumprimento desta regra implica em aplicação da medida de proteção mencionada no artigo 129, inciso V ("obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar ") e o cometimento do delito capitulado no artigo 246 , do Código Penal Brasileiro ( Abandono intelectual. "Art. 246. Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar: Pena - detenção, de 15 (quinze) dias a 1 (um) mês, ou multa" ), somente em relação aos genitores.

O artigo 59 prevê que os Municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas à infância e a juventude.

4.2. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)- Lei nº 9.394 , de 26 de dezembro de 1996.

Em 26 de dezembro de 1996, o legislador infraconstitucional, atendendo ao compromisso do legislador constituinte de 1988, referente ao direito do cidadão à educação, agasalhados na Constituição Federal nos artigos 205 a 214 , editou a Lei nº 9.394 /96 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Nesse sentido, dispõe em seu artigo 1º que a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. No artigo seguinte (artigo 2º), ao dispor sobre os princípios e fins da educação nacional, destacou o papel da família e do Estado, leia-se, do Poder Público em promover a educação como processo de reconstrução da experiência, sendo, portanto, um atributo da pessoa humana e, por isso, comum a todos.

Na esteira desse entendimento, o artigo 4º, inciso IV assegura a educação escolar pública com atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade. Nesse aspecto a LDB merece elogio haja vista que estendeu a garantia da gratuidade para as creches e pré-escolas, pois a Constituição no seu artigo 208 , inciso IV , prevê apenas o atendimento em creche e pré-escola às crianças daquela idade, silenciando quanto à gratuidade. Por outro lado, através de uma interpretação sistemática em face do disposto no artigo 30 desta Lei, a Educação Infantil não integra propriamente o domínio fundamental do ensino, por motivo de que na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. Em conseqüência, diante do sistema de direitos e garantias previstos na Constituição Federal e pela Lei nº 9.394 /96 (LDB), concluímos que mesmo sem o caráter obrigatório para os pais ou responsáveis, a creche e a pré-escola, correspondendo a deveres do Estado e da família para com a educação, são etapas integrantes do ensino fundamental, tornando-se secundário o disposto no artigo 30 da LDB .

A partir das interações que estabelece com pessoas próximas, a criança constrói o conhecimento. A família, primeiro espaço de convivência do ser humano, é um ponto de referência fundamental para a criança pequena, onde se aprende e se incorporam valores éticos, onde são vivenciadas experiências carregadas de significados afetivos, representações, juízos e expectativas (que são atendidas ou frustradas).

A educação inicial da criança se dá na família, e também na comunidade e, com o advento do trabalho feminino, cada vez mais cedo, nas escolas. Por isso, as instituições de Educação Infantil tornam-se mais necessárias, tendo caráter complementar à educação recebida na família. Esse princípio, afirmado tanto na Constituição Federal quanto na LDB , consta do mais importante documento internacional de educação do século XX, a Declaração Mundial de Educação para Todos (Jomtien/Tailândia, 1990).

Nesse contexto, é muito importante que haja uma boa interação entre a creche ou pré-escola e a família. Não só porque os pais podem compreender o trabalho que está sendo feito - como as crianças se relacionam entre si e com os adultos, quais materiais pedagógicos e espaços estão disponíveis, qual a qualidade da merenda, quais princípios e diretrizes orientam a ação da instituição, qual seu projeto pedagógico -, mas também porque permite que a escola conheça e aprenda com os pais. Um momento precioso é o período de adaptação da criança, fase fundamental para a troca de conhecimentos entre pais e escola e para a constituição de laços de confiança entre eles.

Segundo o Programa Nacional de Educação (PNE) de 2001, a articulação com a família visa, mais do que qualquer outra coisa, ao mútuo conhecimento de processos de educação, valores, expectativas, de tal maneira que a educação familiar e a escolar se complementem e se enriqueçam, produzindo aprendizagens coerentes, mais amplas e profundas. O resultado dessa troca produz efeitos sobre a auto-estima da criança e no seu desenvolvimento.

É crucial que a instituição de Educação Infantil respeite e valorize a cultura das diferentes famílias envolvidas no processo educativo. Além disso, deve estimular a participação ativa dos pais, padrastos e outras figuras masculinas da família no cuidado e na educação, como base de uma educação não-discriminatória, que contribua para superar a visão ( paradigma ) de que tal responsabilidade é exclusiva das mulheres.

Para que haja maior interação entre família e escola, a instituição deve estar preparada para lidar com as diferentes e plurais estruturas familiares, que vão muito além do modelo tradicional de marido-mulher-filhos. É cada vez mais comum a família monoparental (Constituição Federal , artigo 226 , § 4º), isto é, aquela em que apenas um dos pais (homem ou mulher) é referência. No Brasil, quase um terço das famílias é chefiado por mulheres. Há também famílias reconstituídas, na qual mulheres e homens vivenciam novos casamentos e reúnem filhos de outras relações, famílias que articulam em uma mesma casa vários núcleos familiares, famílias formadas por casais homossexuais, entre outras.

Outros fatores que devem ser levados em conta são as diferenças sociais. Em um País marcado por profundas desigualdades, como é o caso do Brasil, uma série de condições sociais e familiares colocam milhões de crianças em situação de risco. Como as pesquisas evidenciam que apenas o atendimento de qualidade produz resultados positivos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança, é fundamental que essas crianças tenham acesso a experiências educativas de qualidade nas creches e pré-escolas.

Só assim a Educação Infantil poderá se constituir como importante fator de democratização da nossa sociedade. Se atuarem juntas, compartilhando anseios, conquistas e dificuldades, família e escola cumprirão com grande sucesso a tarefa de formar seres humanos confiantes, tolerantes, solidários e respeitosos dos direitos e da dignidade de todos - enfim, cidadãos!

O artigo 10 , inciso VI da LDB dispõe sobre as atribuições dos Estados em assegurar, com prioridade, o ensino fundamental. Assim, as disposições constitucionais do artigo 211, §§ 2º, 3º e 4º, harmonizam-se no sentido de que, se por um lado, os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na Educação Infantil (artigo 211, § 1º), os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio (artigo 211, § 3º). De outro lado, o artigo 211 , § 4º , acrescentado através da Emenda Constitucional nº 14 /96 dispõe que na organização de ensino, os Estados e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. Isto significa dizer, que o Município somente poderá prestar Educação Infantil e superior e os Estados ensino médio e superior, uma vez atendida plenamente a demanda pelo ensino fundamental, único estritamente obrigatório. Esta previsão encontra-se insculpida no artigo 11 , inciso V , da LDB ao dispor que os Municípios incumbir-se-ão de oferecer a Educação Infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

O artigo 22 da LDB que trata da educação básica expressa apenas duas finalidades: a) fornecer ao aluno a formação comum indispensável para o exercício da cidadania ; b) fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores . Nesse contexto, a Educação Infantil, na qualidade de ramo da educação básica, alberga, necessariamente, estas finalidades.

De outro norte, um tema muito pouco explorado desde a publicação da Lei de Diretrizes a Bases da Educação (LDB)é o da natureza obrigatória da Educação Infantil. Assim, quando se fala no princípio da obrigatoriedade da educação, estamos falando na responsabilidade do Estado e da família. Tal previsão encontra-se no artigo 29 da LDB ao dispor que a Educação Infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Por esse motivo, a discricionariedade ou a omissão administrativa do Poder Público em promover a Educação Infantil na sua rede oficial de ensino dá ensejo às ações judiciais cabíveis, e qualquer cidadão poderá demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação por meio de mandado de segurança (artigo 5º , inciso LXIX , da Constituição Federal), ou grupos de cidadãos por meio de mandado de segurança coletivo, desde que preenchidas as exigências contidas no artigo 5º , inciso LXX , alínea b , da Constituição Federal , ação cautelar ou outra via adequada, haja vista a declaração legal e constitucional de que tal acesso é direito público subjetivo , podendo, desse modo, provocar o Judiciário em face do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional de qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito (artigo 5º , inciso XXXV , da Constituição Federal). Já o Ministério Público é parte legítima para demandar contra o Poder Público para exigir o acesso à educação pelos meios citados, com exceção do mandado de segurança coletivo por faltar-lhe legitimidade processual. Entretanto, poderá, principalmente, por força do disposto no artigo 129 , inciso III , da Constituição Federal , do artigo 25 , inciso IV , alínea a da Lei nº 8.625 /93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e, no artigo 5º da Lei nº 7.347 /85, propor ação civil pública .

Conforme acima mencionado, o artigo 31 da LDB dispõe que na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino fundamental. A LDB determina que a União estabeleça, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, as diretrizes curriculares para toda a Educação Básica (Educação Infantil, Ensinos Fundamental e Médio). Isso significa fixar as normas mínimas que assegurem uma formação comum em todo o território nacional. Em abril de 1999, o Conselho Nacional de Educação (CNE) fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a Educação Infantil.

Não podemos deixar de mencionar nesse espaço a garantia à educação aos portadores de deficiência, hodiernamente chamados de portadores de necessidades especiais . O Brasil tem uma importante legislação neste campo. A Constituição Federal estabelece, no artigo 208 , inciso III , que é dever do Estado garantir o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. Essa determinação é ratificada por leis posteriores: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) Lei nº 8.069 /90, Lei de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LDB) Lei nº 9.394 /96 e, Decreto nº 3.298 , de 20 de dezembro de 1999.

Na LDB , a educação especial (artigo 58) é caracterizada como uma modalidade de educação escolar. Garante o atendimento em classes, escolas ou serviços especializados sempre que não for possível a integração nas classes comuns de ensino regular. Prevê ainda que a oferta de educação especial tem início na faixa etária de zero a seis anos de idade, durante a Educação Infantil. O artigo 59, inciso III, determina que os sistemas de ensino assegurarão professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns.

Sobre a gestão a LDB determinou que as instituições de Educação Infantil se integrassem ao sistema de ensino, ou seja, afirmou ser a área da educação a mais adequada para regulamentar e supervisionar essa etapa da educação básica. Prevê-se no médio e no longo prazo uma transferência da rede de creches e pré-escolas antes vinculadas à área da Assistência Social para a área da Educação, o que ainda não se processou em boa parte dos Municípios.

Contudo, integrar o sistema de ensino representa, sobretudo, uma mudança de concepção na área da Educação Infantil. As instituições tornam-se espaços educacionais, que devem obedecer a uma regulamentação (elaborada pelos Conselhos de Educação), devem ter autorização para funcionamento, o que implica a necessidade de projeto pedagógico, formação adequada de seus profissionais, espaços e materiais apropriados. Assim, independentemente da vinculação institucional (Assistência Social ou Educação), todas as creches e pré-escolas integram o sistema de ensino e devem obedecer as diretrizes e as normas do respectivo Conselho de Educação.

Apesar desses significativos avanços nos campos normativo e legislativo, especificamente em relação a LDB , ainda verificamos grandes desafios a serem enfrentados para a efetivação, na prática, deste importantíssimo direito público subjetivo - a Educação Infantil.

5. Plano Nacional de Educação (PNE)

No que se refere à Educação Infantil, o PNE (promulgado em janeiro de 2001) estabelece como meta atender, no prazo de cinco anos (2006), 60% das crianças de 4 a 6 anos e 30% das de 0 a 3 anos de idade. Em 2011, esse índice deve chegar a 80% e 50%, respectivamente. De acordo com a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 1999, apenas 9,2% das crianças de 0 a 3 anos e 52,1% das crianças de 4 a 6 anos de idade freqüentavam instituições de Educação Infantil.

O PNE aponta várias metas qualitativas. Em primeiro lugar, determina que sejam elaborados, no prazo de um ano, padrões de infra-estrutura para o funcionamento adequado das instituições de Educação Infantil. Esses padrões também devem orientar novas autorizações de funcionamento. O Plano define que o executivo municipal deve assumir a responsabilidade pelo acompanhamento, controle e supervisão das creches e pré-escolas.

Também exige a colaboração entre os setores de educação, saúde e assistência, bem como entre os três níveis de governo, no atendimento à criança de 0 a 6 anos de idade. E determina a efetiva inclusão das creches no sistema nacional de estatísticas educacionais. Outra meta importante é assegurar que, em todos os Municípios, além de outros recursos municipais, 10% (dos 25%) das verbas de manutenção e desenvolvimento do ensino seja aplicado, prioritariamente, na Educação Infantil. Para isso, exige a colaboração da União.

No que diz respeito à formação dos professores e dirigentes, o PNE prevê a implantação de um Programa Nacional de Formação dos Profissionais de Educação Infantil para garantir que, em dez anos, todos os dirigentes de creches e pré-escolas e 70% dos professores tenham nível superior. Prevê ainda, no prazo de três anos, a execução de programa de formação em serviço, para profissionais da Educação Infantil e pessoal auxiliar, a cargo dos Municípios. Neste caso, o PNE exige a colaboração da União e recomenda a articulação com instituições de ensino superior e com Estados. Também determina que os novos profissionais admitidos na Educação Infantil tenham titulação mínima de nível médio, modalidade normal, dando-se preferência à admissão de graduados em curso específico de nível superior.

Depois de aprovado pelo Congresso Nacional, o texto do PNE recebeu nove vetos do presidente da República. A maior parte deles refere-se a dispositivos que visam garantir mais recursos para a Educação. Entre os artigos vetados, à época, está o que determina a ampliação anual dos gastos públicos no setor, a fim de se atingir 7% do PIB em 2006. Até o final de 2002, esses vetos não tinham sido analisados e a sociedade civil vem pressionando o Congresso para derrubá-los. Este óbice será corrigido, em parte, com aprovação do "Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação" cujo projeto de lei encontra-se em trâmite no Congresso Nacional, que substituirá o atual "Fundef - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental ", que prevê um significativo aumento na aplicação dos recursos para financiamento da Educação Infantil, fundamental e média.

6. Dados estatísticos da Educação Infantil

O MEC, por meio do Serviço de Estatísticas Educacionais (SEEC), hoje vinculado ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), realiza anualmente o Censo Escolar, no qual são coletados dados em todos os estabelecimentos de ensino do País sobre o alunado e as funções docentes, entre outros. No caso da Educação Infantil, até 1996 o Censo abrangia apenas a pré-escola. Englobava também as chamadas classes de alfabetização. A partir de 1997, passou a incluir também as creches.

Nos últimos anos, INEP/SEEC realizaram alguns censos especiais, mais aprofundados, sobre algumas áreas da educação. A Educação Infantil foi objeto de um censo especial no ano 2000, que envolveu mais de 100 mil estabelecimentos de creches e pré-escolas em todo o País. O Censo da Educação Infantil ampliou o cadastro e sistematizou informações detalhadas sobre atendimento prestado, profissionais, formação e fontes de recursos. A partir daí, toda a rede de Educação Infantil foi incorporada aos censos escolares.

Os dados mais recentes sobre a Educação Infantil são os do Censo Escolar 2001. Ao analisá-los, especialmente os relativos à matrícula, é necessário observar que os registros não atendem à conceituação legal, e sim à denominação com que o estabelecimento identifica seu atendimento. Há, portanto, crianças menores de 4 anos de idade registradas nas pré-escolas e maiores de 3 anos, em creches.

Somadas as matrículas em creche, pré-escola e classe de alfabetização, registraram-se no Brasil, em 2001, 6.565.016 crianças matriculadas, sendo 1.093.347 em creches, 4.853.803 em pré-escolas e 652.866 em classes de alfabetização. Consideradas as faixas de idade, as matrículas na Educação Infantil estão assim distribuídas: 853.056 crianças de 0 a 3 anos de idade; 5.051.438 de 4 a 6 anos de idade e 660.552 com 7 anos ou mais.

Embora os dados do Censo Escolar 2001 apontem um crescimento de 15,2% nas matrículas registradas para a faixa etária de 0 a 3 anos de idade e de 10% para a faixa de 4 a 6 anos, em relação a 2000, é preciso cuidado ao avaliar essa evolução. Como a Educação Infantil desenvolveu-se, em parte, à margem do sistema educacional, o aumento das matrículas verificado nos últimos Censos pode ser resultado da ampliação do cadastro e não propriamente de crescimento do alunado.

Os dados sobre a formação no Censo Escolar de 2001 são evidência do desafio que as metas traçadas pelo Plano Nacional de Educação (70% com nível superior até 2011) representam para a área. Em relação à presença de outros profissionais, apenas 10% das creches têm nutricionista, apesar de especialistas apontarem a necessidade deste profissional em instituições que atendem crianças de 0 a 3 anos de idade.

O Censo da Educação Infantil (2000) mostrou que, se a quase totalidade dos Municípios brasileiros possuem estabelecimentos que oferecem pré-escola (98%), 18% deles ainda não dispõem de nenhuma creche. Este Censo revela ainda que o espaço físico constitui-se, para muitas instituições, como importante desafio a ser superado. Assim, 44% das creches e 63% das pré-escolas não contam com parquinho. No total, mais de 80% não possui horta e quase nenhuma tem viveiro. Além disso, 32% das creches e 37% das pré-escolas não dispõem sequer de um quintal para as crianças tomarem sol ou se movimentarem. Só 15% delas possuem lactário (espaço destinado à amamentação dos bebês) e 75% não dispõem de cadeiras próprias para alimentar as crianças.

Com relação aos materiais disponíveis para as crianças, 84% das creches utilizam brinquedos como material didático. As sucatas são o segundo material mais utilizado (em 83% delas), mas cerca de 40% das instituições que atendem crianças de 0 a 3 anos de idade não dispõem de material adequado nem de livros infantis, importantes para estimular a criança. Já nas pré-escolas, o Censo revela um grande desafio a ser enfrentado do ponto de vista pedagógico: 43% utilizam cartilha, 44% delas não usam qualquer material para expressão artística e em quase 40% não existem brinquedos, demonstrando o quanto estão orientadas pelo modelo escolar e pouco mobilizadas para a importância do brincar como forma de aprender, interagir e se desenvolver.

7. Formação de profissionais da Educação Infantil

Adequadamente estimulados, os bebês e as crianças pequenas desenvolvem a inteligência e as emoções construindo conhecimentos e valores. A partir da constatação de que as experiências da primeira infância são determinantes para o desenvolvimento do ser humano, o papel do profissional de creches e pré-escolas passa por reformulações profundas e, como decorrência, as exigências relacionadas à sua formação começam a ser repensadas.

Em 1996, a LDB estabeleceu que a Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica, e tem por finalidade promover o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade. Sobre a formação de docentes, a Lei determina, no artigo 62 , que para atuar na educação básica é preciso nível superior em universidades ou institutos superiores de educação, admitindo como formação mínima para o exercício do magistério na Educação Infantil, bem como nas primeiras quatro séries do ensino fundamental, a de nível médio, na modalidade Normal. Prevê ainda que em um prazo de dez anos só serão admitidos professores habilitados em nível superior ou formados em serviço.

O Plano Nacional de Educação - (PNE, 2001) -, estabelece como meta um Programa Nacional de Formação dos Profissionais de Educação Infantil para garantir que todos os dirigentes de instituições deste nível de ensino possuam, no prazo de cinco anos, formação em nível médio e, em dez anos, nível superior. Todos (as) os (as) professores (as) também deverão ter nível médio em cinco anos e 70% deles (as), nível superior em dez anos.

Essas metas provocaram debates entre os profissionais de educação, que, em sua maioria, concordam que os prazos são curtos demais para serem cumpridos. As exigências descritas implicam retorno à escola por parte dos profissionais de Educação Infantil que não concluíram o Ensino Fundamental e Médio, por meio de programas supletivos especiais, e também de programas de formação em serviço.

Segundo resultados do Censo Escolar 2001, dos professores que atuam nas creches brasileiras, 69% têm curso médio completo e apenas 12,9% possuem nível superior. Na região Nordeste, estes últimos somam apenas 5,6%. Nas classes brasileiras de pré-escola, 67,5% dos docentes têm nível médio e 23,1% possuem curso superior; e no Nordeste os professores com graduação representam 5,3% do total.

Outro problema é que a graduação em Pedagogia não oferece uma formação específica para docentes da Educação Infantil. Em 1999, foi instituído o Curso Normal Superior, organizado pelos Institutos de Educação para formar professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série, com projetos acadêmicos distintos para cada etapa. Especialistas da área têm posições controversas a respeito da criação do Curso Normal Superior. Segundo o MEC, a estrutura curricular deste curso deve incluir conhecimentos básicos, possibilitando a compreensão crítica da escola e do contexto sócio-cultural, conhecimentos relativos ao exercício da docência, conhecimentos didático-pedagógicos e prática pedagógica. A formação inclui especificidades da educação de 0 a 3 anos de idade e de 4 a 6 anos; fundamentos da Educação Infantil; formação social e pessoal; conhecimento do mundo, da natureza e da sociedade; saúde, nutrição e proteção (cuidar); corpo e movimento (brincar); teatro, música e artes plásticas. Todos os cursos na modalidade Normal Superior em funcionamento estão em processo de reconhecimento pelo MEC.

Em 1998, o MEC publicou o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Esse material é mais uma contribuição para o professor de Educação Infantil. É um conjunto de reflexões, cujo objetivo é servir de subsídio para a construção das propostas curriculares, mas que não deve ser entendido como um manual a ser seguido.

O RCNEI é composto de temas agrupados em três volumes. O primeiro traz reflexões sobre as creches e pré-escolas brasileiras, a infância e a profissionalização dos educadores. O segundo trata dos processos de construção da identidade e autonomia das crianças. O terceiro traz textos sobre os eixos e temas que podem ser trabalhados na Educação Infantil.

O Referencial, coerente com as definições da LDB , reforça que as creches não devem ser simplesmente espaços de cuidados com a criança e que as pré-escolas não se limitem a preparar para a alfabetização. Ao contrário, cuidado e aprendizado devem estar integrados desde o início. E sugere que o trabalho seja articulado em três eixos: a brincadeira, o movimento e as relações afetivas que as crianças desenvolvem. Por meio desses três eixos, as propostas pedagógicas podem lidar com cinco áreas diferentes: artes visuais, conhecimento do mundo, língua escrita e oral, matemática e música. Há ainda, no Referencial, proposta sobre o número adequado de crianças por educador, em cada faixa etária, além de sugestões sobre o relacionamento da escola com as famílias, integrando-as ao cotidiano e ao trabalho da instituição.

Enfim, o profissional da Educação Infantil deve ser estimulado e valorizado. É bastante difícil reverter o quadro em que a Educação Infantil no Brasil se encontra, com professores desvalorizados e desmotivados. O professor da escola pública recebe em média R$ 550,00 (quinhentos e cinqüenta reais) por mês, menos do que ganha um cobrador de ônibus em São Paulo. Com salários assim, fica difícil investir no aprimoramento profissional. No Brasil, grande maioria dos professores que trabalham na Educação Infantil não tem computador em casa, e 60% deles não usam a Internet. Em 2003, o Ministério da Educação fez uma pesquisa com um resultado revelador: os alunos da 4ª série com piores resultados nos testes de avaliação tinham professores com renda média de R$ 730,00 (setecentos e trinta reais), enquanto os estudantes mais avaliados tinham aulas com professores com média salarial de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais).

O caminho natural para superar essa crise, como mostram os exemplos de todos os países que deram o salto qualitativo em educação, é investir na qualidade do ensino fundamental, com ênfase na Educação Infantil, através de treinamento e qualificação dos professores e aparelhamento das escolas. Há que se reverter as prioridades na aplicação dos escassos recurso públicos na educação. De acordo com um dos maiores pesquisadores e estudiosos do sistema educacional brasileiro, o colombiano Alberto Rodriguez, da Universidade de Michigan, dos Estados Unidos, o gasto público com um aluno do ensino superior é 12 vezes maior que o gasto com um aluno do ensino fundamental. Investem-se R$ 800,00 (oitocentos reais) por ano com um aluno do ensino fundamental e R$ 9.600,00 (nove mil e seiscentos reais) com um estudante universitário. Na Coréia do Sul, por exemplo, o aluno de ensino fundamental recebe até duas vezes mais investimento que um universitário. A lógica aponta no sentido de que haja transferência de recursos do ensino superior para o básico.

Talvez, com a aprovação do "Fundeb - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação "cujo projeto de lei encontra-se em trâmite no Congresso Nacional, que substituirá o atual"Fundef - Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental ", haverá um significativo aumento na aplicação dos recursos para financiamento da Educação Infantil, fundamental e média. Entretanto, nenhuma revolução na área educacional será verdadeiramente bem-sucedida se não for centrada nos seguintes aspectos: a) qualidade do ensino, b) treinamento, qualificação, valorização e remuneração digna do professor, e c) prioridade na destinação dos recursos públicos para a Educação Infantil, fundamental e média.

8. Conclusão

Em que pese os grandes desafios que ainda temos que vencer, estamos vivenciando um momento histórico muito oportuno para a reflexão e a ação em prol das crianças. Cada vez mais, a educação e o cuidado na primeira infância - a Educação Infantil -, são tratados como assuntos prioritários de governo, organismos internacionais, organizações da sociedade civil e por um número crescente de países em todo o mundo.

Ademais, no momento em que a discriminação racial é uma triste realidade no mundo atual, a Educação Infantil surge como prioridade no combate a esse "câncer da sociedade moderna ". Governos e instituições da sociedade civil vêm desenvolvendo no Brasil e no mundo propostas pedagógicas, materiais e experiências educativas comprometidas com o enfrentamento das discriminações, sejam elas de raça, classe social, gênero, etnia, cultura, religião, política, necessidades especiais ou opção sexual, entre outras. Esses trabalhos buscam promover os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, o respeito, a tolerância e a valorização da diversidade, como bases de uma sociedade multicultural, democrática, justa e cidadã. A Educação Infantil tem papel fundamental nesse processo, pois a cultura da discriminação é imposta às crianças desde o berço.

Somente através de uma educação de qualidade é que poderemos alcançar a tão sonhada justiça social, objetivo presente nas Constituições de todos os países na atualidade. Vale aqui lembrar um dos ensinamentos do grande filósofo Sócrates (470 ou 469 a. C - 399 a. C.), que ao ser perguntado por um de seus discípulos sobre o que deveria conter a Constituição ideal de um povo, respondeu, que a Constituição ideal é aquela capaz de fazer o seu povo "virtuoso e feliz ". Portanto, somente através da educação o povo será"virtuoso e feliz ". Não é demais relembrar:"Educai as crianças para não ter que punir os adultos ".

Pelo exposto, vimos que a atual Constituição Federal e a legislação infraconstitucional brasileira é pródiga no aspecto relacionado à educação, e em particular, a Educação Infantil. Entretanto, é necessário que a sociedade se mobilize cada vez mais no sentido de tornar esse arcabouço jurídico mais efetivo, permitindo, finalmente, que a educação seja um verdadeiro e eficaz instrumento de justiça e inclusão social. Pensem nisso!

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Quando a educação infantil foi reconhecida?

O atendimento em creches e pré-escolas como direito social das crianças se afirma na Constituição de 1988, com o reconhecimento da Educação Infantil como dever do Estado com a Educação.

Em que momento a educação infantil passou a ser concebida como uma etapa da Educação Básica?

Em 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB evidenciou a importância da Educação Infantil, que passou a ser considerada como primeira etapa da Educação Básica.

Em que ano a educação infantil teve início ao seu reconhecimento quando pela primeira vez foi colocada como parte integrante da Constituição?

Só em 1988 a educação infantil teve início ao seu reconhecimento, quando pela primeira vez, foi colocada como parte integrante da Constituição, depois em 1990, com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei federal 8069/90), entre os direitos estava o de atendimento em creches e pré-escolas para as crianças até ...

O que diz a Constituição Federal de 1988 sobre a educação infantil de 0 a 6 anos?

A Constituição Federal criou a obrigatoriedade de atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade em seu artigo 208 , inciso IV .