Qual e a importância dos recursos pesqueiros para as populações ribeirinhas da região da amazônia

Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


Autores e infomación del artículo

Sávio de Sá Leitão Cruz*

Universidade Federal de Rondônia/UNIR, Brasil

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RESUMO                                                                                                             
Os recursos hídricos representam fator estratégico para a humanidade e a pesca está inserida nesse contexto. Desde o período Pré-Histórico a atividade pesqueira artesanal era desempenhada pelo ser humano, firmando-se como condição essencial para a sua subsistência. A pesca artesanal é uma das mais antigas, tradicionais e importantes atividades socioeconômicas praticada pela população mundial. Na Amazônia, a rede hidrográfica constitui papel determinante na ocupação, fixação e desenvolvimento da região. Nesse aspecto, a região Amazônica possui laços históricos e profundos com a atividade pesqueira, que é responsável por uma significativa parcela de geração de empregos e renda nas cidades. Além disso, a pesca continua sendo fonte de proteína de origem animal para toda a população ribeirinha, que tem na sua extração, a principal fonte de alimento (soberania alimentar e nutricional) e sustento familiar. Este artigo analisa a importância da pesca artesanal, revelando a profunda contribuição do Território Pesqueiro Artesanal para o desenvolvimento da Amazônia e para a sobrevivência de suas tradicionais populações. A pesca artesanal faz parte do modo de vida e serve como base para os pilares construtores da autoafirmação identitária e das relações sociais e culturais das populações amazônicas. A criação, utilização, apropriação, reorganização do território e o desenvolvimento das comunidades ribeirinhas estão atrelados ao desenvolvimento das atividades pesqueiras. Nos últimos anos, as populações tradicionais da Amazônia vêm enfrentando graves problemas resultantes da fragmentação das coerências territoriais endógenas, impostos pelas lógicas das redes (globais) das grandes corporações e empresas aos lugares. Nesse aspecto, a realização da pesca artesanal é necessária para a sobrevivência, para a reprodução e o para o desenvolvimento de centenas de comunidades pesqueiras e populações ribeirinhas presentes em toda a Amazônia, sendo responsável pela existência e pela manutenção do território pesqueiro. Entender o modo de vida das populações pesqueiras amazônicas, considerando a produção, utilização e a interação com o espaço geográfico, é necessário, frente ao inevitável processo de reorganização econômica, social, ambiental e cultural que está em curso.
PALAVRAS-CHAVE: Amazônia. Pesca artesanal. Território Pesqueiro. Comunidades Ribeirinhas.
RESUMEN
Los recursos hídricos representan un factor estratégico para la humanidad y la pesca está inserta en ese contexto. Desde el período prehistórico la actividad pesquera artesanal era desempeñada por el ser humano, firmándose como condición esencial para su subsistencia. La pesca artesanal es una de las más antiguas, tradicionales e importantes actividades socioeconómicas practicada por la población mundial. En la Amazonía, la red hidrográfica constituye un papel determinante en la ocupación, fijación y desarrollo de la región. En ese aspecto, la región Amazónica posee vínculos históricos y profundos con la actividad pesquera, que es responsable de una significativa parcela de generación de empleos y renta en las ciudades. Además, la pesca sigue siendo fuente de proteína de origen animal para toda la población ribereña, que tiene en su extracción, la principal fuente de alimento (soberanía alimentaria y nutricional) y sustento familiar. Este artículo analiza la importancia de la pesca artesanal, revelando la profunda contribución del Territorio Pesquero Artesanal para el desarrollo de la Amazonía y para la supervivencia de sus tradicionales poblaciones. La pesca artesanal forma parte del modo de vida y sirve como base para los pilares constructores de la autoafirmación identitaria y de las relaciones sociales y culturales de las poblaciones amazónicas. La creación, utilización, apropiación, reorganización del territorio y el desarrollo de las comunidades ribereñas están conectado al desarrollo de las actividades pesqueras. En los últimos años, las poblaciones tradicionales de la Amazonía enfretan graves problemas derivados de la fragmentación de las coherencias territoriales endógenas, impuestos por las lógicas de las redes (globales) de las grandes corporaciones y empresas a los lugares. En este aspecto, la realización de la pesca artesanal es necesaria para la supervivencia, para la reproducción y para el desarrollo de cientos de comunidades pesqueras y poblaciones ribereñas presentes en toda la Amazonía, siendo responsable de la existencia y el mantenimiento del territorio pesquero. Entender el modo de vida de las poblaciones pesqueras amazónicas, considerando la producción, utilización y la interacción con el espacio geográfico, es necesario, ante al inevitable proceso de reorganización económica, social, ambiental y cultural que está en curso.
PALABRAS CLAVE: Amazonía. Pesca artesanal. Territorio Pesquero. Comunidades Ribeirinhas.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Sávio de Sá Leitão Cruz (2019): “Território pesqueiro na Amazônia brasileira: a importância da pesca artesanal”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/05/territorio-pesqueiro-amazonia.html


//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1905territorio-pesqueiro-amazonia

1. PARA INTRODUZIR: A PESCA E A SUA MAGNITUDE
A pesca artesanal consolida-se como uma das mais antigas, tradicionais e importantes atividades extrativas praticadas por toda a população mundial. Desde o período Pré-Histórico a atividade pesqueira artesanal era desempenhada pelo ser humano, firmando-se como condição essencial para a sua subsistência. Entretanto, a relevância histórica da pesca não concerne unicamente como fonte vital de alimento (soberania alimentar e nutricional) à nível mundial, abrangendo também, dimensões econômicas, sociais, culturais e ambientais.
O consumo mundial de pescado per capita aumentou de 9,9 kg em 1960 para 19,2 kg em 2012, o peixe já representa aproximadamente 20% de toda a proteína consumida no mundo – chegando aos 70% em alguns países costeiros e insulares. A produção pesqueira mundial vem crescendo de maneira ascendente, e nos últimos cinquenta anos tem produzido alimento em uma taxa média anual de 3,2%, superando a taxa de crescimento da população mundial, que foi de 1,6%. FAO (2014).
Para a população brasileira, a pesca apresenta enorme magnitude e incontestável contribuição. Ao estudarmos a história da atividade pesqueira encontramos subsídios para compreendermos a formação histórica desta grande nação, haja vista que a pesca está mergulhada no processo de construção do território brasileiro. Os povos nativos sempre desempenharam a atividade pesqueira no transcorrer de sua história como elemento fundamental para a sua subsistência (fonte primordial de alimentação) e a partir da chegada dos colonizadores europeus houve um grande impulso desta atividade, possibilitando o desenvolvimento e a consolidação da atividade pesqueira no país e o incremento nos estudos técnicos e na produção de pesquisas científicas sobre a área pesqueira em nível nacional.
            Nesse sentido, a atividade pesqueira artesanal no Brasil representa uma imprescindível fonte de proteína de origem animal (contribuindo com a soberania alimentar e nutricional) para expressiva parcela das populações litorâneas e comunidades ribeirinhas, que tem na sua extração a principal fonte de alimento e sustento familiar por meio da venda do excedente. Além disso, a pesca é responsável por uma significativa contribuição na oferta de empregos (ocupação de mão-de-obra) e de geração renda direta ou indireta (referente aos setores de serviços, insumos básicos, matérias-primas, processamento, distribuição, comercialização de pescado, confecção, fabricação e industrialização de artigos, mercadorias e produtos necessários ao exercício da atividade pesqueira) para as famílias brasileiras.
            Fatores relevantes como a excelente geografia e as condições naturais existentes em nosso país – o território brasileiro apresenta abundantes recursos hídricos, concentrando aproximadamente 12% do total da água doce do planeta Terra, vasta biodiversidade presentes em águas marinhas e continentais, além da imensa costa marítima com quase 8,5 mil quilômetros de extensão – sempre favoreceram e impulsionaram a pesca, além de promover o estreitamento desta atividade com o modo de vida de nosso povo, fazendo que esteja presente no coração e na alma dos brasileiros.
A pesca extrativa continental e marinha brasileira – modalidade de pesca artesanal – representa aproximadamente 60% (por cento) do total da produção nacional de pescado (1.431.974,4 toneladas). Além disso, houve um significativo crescimento da produção de pescado brasileiro em 2011, que representou um incremento de aproximadamente 13,5% em relação ao ano anterior, 2010. MPA (2012).
A Amazônia é uma região única e complexa, representando um vasto mosaico sociocultural e ambiental, e as várias dimensões e escalas (local, regional, nacional e global) presentes nesta cobiçada região, devem ser levadas em consideração nas pesquisas desenvolvidas pois há uma forte conexão e interdependência entre elas, influenciando os atuais cenários e as dinâmicas amazônicas, o que torna ímpar e de grande responsabilidade o estudo desse patrimônio natural. 
Na Região Amazônica, a pesca assume imensa relevância socioeconômica visto que constitui fonte vital de alimentação, cultura, lazer, ocupação de mão-de-obra (trabalho) e geração renda para população local, ademais, a referida região desponta no cenário nacional da produção de pescado sendo responsável por grande parcela da produção brasileira. IBAMA (2004).
            Nesse aspecto, é preciso compreender o território pesqueiro a partir do uso e da apropriação dos pescadores artesanais sobre o espaço geográfico. Na Região Amazônica, a prática da atividade pesqueira artesanal é responsável pela criação destes territórios, que são indispensáveis para a reprodução social, cultural e econômica destas populações.
2. PESCA ARTESANAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
A atividade da pesca artesanal é uma arte milenar, frequentemente realizada com a participação e a integração de familiares, amigos e companheiros de profissão dos pescadores, sendo que as ricas trocas de experiências e valiosos ensinamentos são passados nesta forte interação dando origem à construção de uma identidade coletiva, culminando no fortalecimento cultural e dependência desta atividade para vida dos mesmos.
            A pesca artesanal se constitui em uma das mais importantes e tradicionais atividades extrativistas e também de subsistência, sendo responsável por uma significativa parcela na geração de empregos (ocupação de mão-de-obra) nas cidades amazônicas. Além disso, continua sendo uma importante fonte de proteína de origem animal para toda a população ribeirinha que tem na sua extração a principal fonte de alimento e sustento familiar – representando a independência financeira e a segurança nutricional destas populações, fazendo parte do modo de vida e constituindo-se como um dos pilares das relações socioculturais das populações tradicionais amazônicas.
            A chamada pesca artesanal envolve uma diversidade de modalidades técnicas, modos de apropriação dos recursos pesqueiros, forma de organização da produção e distribuição dos rendimentos. Sua definição não deve apenas estar atrelada à questão instrumental tecnológica empregada nas capturas e sim às formas de organização social das pescarias. CARDOSO (2001).
A pesca artesanal tem como características o uso de embarcações a motor e redes confeccionadas em náilon (DIEGUES, 1983). Na pesca artesanal, um fator crucial para o desenvolvimento desta atividade é o trabalho manual do pescador em todas as etapas, incluindo a manipulação das artes de pesca.
A pesca artesanal é compreendida, em síntese, como uma profissão desenvolvida pelos pescadores artesanais, que traz consigo características particulares em seu desenvolvimento, seja na sua relação sociocultural com os pescadores e suas famílias ou na sua relação com a natureza. Essas características irão diferenciá-los das demais categorias. RIOS (2012).
A realização da pesca artesanal está intimamente contígua ao acesso e ao uso do meio natural, de forma que, esta atividade converte-se num elemento de organização e produção do espaço geográfico. Ao realizarem a prática da atividade pesqueira, os pescadores artesanais começam a ocupar e se apropriar da natureza, transformando e produzindo o espaço, construindo por fim, o território pesqueiro.
Pode-se afirmar que a apropriação da natureza, a construção dos territórios pesqueiros e o progresso das tradicionais comunidades ribeirinhas estão historicamente atrelados ao desenvolvimento das atividades pesqueiras. Para as populações pesqueiras, a pesca alcança várias dimensões, sendo que as duas principais são: no âmbito econômico - uma relevante atividade geradora de emprego e de renda; e a segunda, no âmbito sociocultural - onde a pesca constitui um elemento importante na construção das relações socioculturais, no modo de ser e viver dessas comunidades tradicionais.
3. PESCA ARTESANAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
Na Amazônia, a rede hidrográfica constitui papel determinante na ocupação, fixação e desenvolvimento da região. A pesca na região Amazônica assume grande importância socioeconômica, cultural e ambiental, destacando-se em relação às demais regiões brasileiras, tanto costeiras como de águas interiores, pela riqueza de espécies exploradas, pela quantidade de pescado capturado e pela dependência da população tradicional a esta atividade. Segundo o MPA (2012), a região desponta no cenário nacional da produção de pescado sendo responsável por aproximadamente 30% (por cento) da produção brasileira.
As populações amazônicas possuem raízes históricas e culturais vinculadas a pesca artesanal, sendo esta atividade, o principal meio de sobrevivência em várias comunidades ribeirinhas. A localização das comunidades amazônicas, em muitos casos, não é descrita por avenidas, ruas, travessas, estradas ou bairros, mas sim pelos afluentes dos rios.
Na Amazônia brasileira, a pesca é tradicionalmente destacada por estar ligada ao próprio modo de vida da região, por possuir rica diversidade biológica e cultural, mas também vale salientar que a pesca foi significante para a sobrevivência de vários povos, como os indígenas, ribeirinhos, caboclos, afrodescendentes e outros que viveram e deixaram seus conhecimentos ao longo da história. É uma atividade muito importante para o desenvolvimento local. FREITAS(2016).
A importância social do setor pesqueiro na Amazônia é demonstrada através de dados que indicam a existência de aproximadamente 300.000 pescadores profissionais – registrados formalmente - na Amazônia, o qual significa que mais de 700.000 pessoas são envolvidas direta ou indiretamente nesta atividade. Soma-se a este montante, cerca de 1,5 milhão de moradores das “várzeas”, os ribeirinhos, que ocupam 30% do território e são os maiores consumidores de pescado do mundo, dependendo da pesca para sua segurança alimentar e laboral. CRUZ (2018) apud SEAP/PR (2008).
A pesca artesanal desenvolvida na Amazônia brasileira apresenta como característica a utilização de embarcações, motorizadas ou não, sendo uma atividade realizada pelos pescadores com equipamentos ou petrechos próprios e redes confeccionadas em náilon. Além disso, é uma atividade praticada principalmente através da mão-de-obra familiar, com embarcações de pequeno e médio porte, como as canoas, voadeiras, rabetas, lanchas e chatas. As embarcações de pequeno e médio porte são definidas principalmente pela capacidade de armazenamento da produção pesqueira, além deste atributo, o tamanho das embarcações e o seu material (composição estrutural) também são fatores que as diferenciam. 
As capturas pesqueiras artesanais (quantidade de pescado ou produção pesqueira) proporcionadas sob estas condições, estão diretamente relacionadas com a capacidade de armazenamento das embarcações utilizadas pelos pescadores amazônicos, portanto envolvem volumes pequenos ou médios de pescado.
A realização da atividade pesqueira artesanal ocorre em rios, lagos, lagoas, igarapés, cachoeiras e represas presentes na região Amazônica. Os equipamentos utilizados são os mais variados possíveis em função da espécie a ser capturada. Os petrechos para a prática pesqueira são rústicos e os insumos e matérias-primas (como as linhas e anzóis) geralmente são adquiridos ou comprados no comércio local. Os materiais pesqueiros como as redes, malhadeiras e tarrafas normalmente são confeccionados pelos próprios pescadores. Os equipamentos mais utilizados são: arrasto simples, rede de cerco, rede de emalhe, linha, anzol, arpão, tarrafa, espinhel, rede caçoeira ou descaída, dentre outros. 
Na pesca artesanal amazônica, destaca-se o trabalho manual do pescador, em todas as etapas ou processos produtivos, incluindo a manipulação das artes de pesca (redes e outros petrechos). É o próprio pescador artesanal que confecciona, realiza a manutenção e reparos nos equipamentos e aparelhos de pesca, movimenta e conserta a embarcação pesqueira, procura os locais apropriados para a captura e desembarque do pescado, exerce a atividade da pesca e vende o produto capturado. Em suma, ele é proprietário dos meios de produção, trabalhando por contra própria – de forma autônoma – em âmbito familiar ou em sistema de parcerias com colegas e amigos de profissão.
Na região Amazônica, a atividade pesqueira artesanal faz parte de um circuito espacial produtivo que participam os pescadores artesanais profissionais (registrados legalmente), os pescadores amadores e as populações ribeirinhas com suas frotas de embarcações, insumos ou fatores de produção (iscas, gelo para conservação do pescado, etc.), materiais e equipamentos pesqueiros (redes de pesca, manutenção nos aparelhos de captura) envolvendo também, o armazenamento (geralmente precário e realizado por curto período temporal devido a perecibilidade do pescado) e a estocagem, a comercialização (em feiras, barracas, peixarias, bancas, mercados, quiosques, colônias de pescadores, etc.) podendo ainda ocorrer o beneficiamento e a industrialização do pescado, até a chegada deste produto final - o peixe - aos moradores das pequenas, médias e grandes cidades amazônicas.
Os pescadores artesanais através da sua relação com meio natural (relação homem e natureza), da prática diária de seu tradicional trabalho (pesca) e do contato com os mais velhos e experientes obtêm conhecimentos e saberes sobre a natureza (seus recursos e suas potencialidades), além do aprimoramento dos seus métodos e técnicas pesqueiras que acabam constituindo a sua visão de mundo e abrangendo as demais esferas da sua vida social.
Portanto, para as comunidades ribeirinhas amazônicas, a pesca artesanal não se resume apenas uma atividade produtiva (econômica) geradora de emprego, renda (autonomia financeira) e fonte de alimentação (segurança alimentar e nutricional), mas também, está presente e faz parte ativamente do modo de ser e de viver, da tradição e das manifestações culturais, da história e anseios destas populações tradicionais, representando a expectativa de um futuro próspero para os pescadores e seus familiares.
4. PESCADORES ARTESANAIS AMAZÔNICOS: CARACTERIZAÇÃO
Os pescadores artesanais se identificam com um grupo possuidor de uma profissão. Esta é entendida como o domínio de um conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem ao produtor subsistir e se reproduzir enquanto pescador. O que caracteriza o pescador não é somente o viver da pesca, mas é sobretudo a apropriação real dos meios de produção; o controle do como pescar e o que pescar, em suma o controle da arte de pesca. O domínio da arte exige dele uma série de qualidades físicas e intelectuais que foram conseguidas pelo aprendizado na experiência, que lhe permitem se apropriar também dos segredos da profissão. DIEGUES (1983).
Os pescadores artesanais amazônicos são os atores sociais responsáveis pela realização da atividade pesqueira artesanal. Para capturar toda classe de espécies aquáticas, exploram ambientes ecológicos como o rio, o mar, o lago, o igarapé, a lagoa e a cachoeira. Quando o pescador faz da pesca seu meio de vida ou quando é da atividade pesqueira que retira rendimentos, ele é definido como um pescador profissional, tendo a oportunidade de se filiar em uma Colônia de Pescadores mediante apresentação de documentação comprobatória da sua profissão de pescador.
A organização dos pescadores artesanais, ocorre em 03 (três) diferentes níveis ou escalas: Municipal, Estadual e Nacional. Na primeira escala (esfera municipal) encontramos as Colônias de Pescadores, já na segunda escala (esfera estadual) a representante legal é a Federação de Pescadores, e por último, na terceira escala (esfera nacional) a Confederação de Pescadores é a representante de fato e de direito dos anseios e interesses dos pescadores artesanais.
Os pescadores amazônicos desenvolvem suas atividades combinando objetivos comerciais e também de subsistência. Isto ocorre devido ao fato do pescador artesanal ter a possibilidade de adquirir uma parcela do pescado capturado para a sua alimentação e de seus familiares, enquanto o restante da produção pesqueira será comercializado, convertendo-se em relevante fonte de renda e sustento para esses profissionais.
Destaca-se o papel dos pescadores artesanais da região Amazônica como atores protagonistas que através de seu trabalho, conhecimentos e saberes tradicionais, métodos e técnicas ocupam e se apropriam da natureza, e passam assim, a produzir o espaço pesqueiro até a construção dos Territórios Pesqueiros Artesanais Amazônicos.
Para as populações tradicionais – em especial na Amazônia – os moradores ao manterem relações com o meio natural, passam a sentir e vivenciar a natureza em toda sua essência, percebendo que a mesma é dotada de significados e simbolismos, tornando-se assim, parte integrante deste meio e assumindo a árdua responsabilidade por sua proteção e manutenção.
Portanto, as populações locais respeitam e valorizam a natureza, pois sabem que o ser humano ao interferir no meio ambiente, ocasiona alterações nas paisagens naturais aflorando suas consequências nocivas no ambiente natural e para as vidas dos homens. É nesse sentido, que na visão geográfica os espaços e posteriormente, os territórios são dotados de tradições, mitos e representações, pois os grupos constroem as suas histórias nos lugares e guardam na memória as informações das localizações e suas respectivas características.
5. DESCRIÇAÕ DE ALGUNS MÉTÓDOS DE CAPTURA UTILIZADOS NA AMAZÔNIA:
01 - MÉTODO DE EMALHE: Este método pesqueiro consiste na utilização de rede-de-emalhe, o mecanismo proporciona o aprisionamento do pescado nas malhas devido a sua própria movimentação. As redes de pesca são confeccionadas em forma retangulares, sendo que o tamanho (dimensão) dos retângulos variam de acordo com as espécies de pescado a serem capturadas.

02 - MÉTODO DE CERCO: O método é aplicado com o emprego da rede-de-cerco, no momento em que os pescadores artesanais observam a movimentação (presença) de cardumes. Consiste em uma rede utilizada para realizar o cerco do pescado, sendo que esta rede de pesca é caracterizada pela presença de cabo e argolas dispostas na parte inferior que são fechadas em formato de um “saco” onde ficam retidos parte dos cardumes. Este Método é realizado normalmente com duas embarcações, sendo uma embarcação principal e outra embarcação secundária – geralmente de pequeno porte como canoa – para ajudar durante a captura, quando detectam o cardume, lançam a rede fazendo o conhecido “cerco”.

03 - MÉTODO DE ARRASTO: O método pesqueiro realiza-se com a utilização da rede-de-arrasto simples, efetuado geralmente por duas embarcações, sendo uma embarcação principal que realiza o arrasto em determinada área de captura e a embarcação secundária que auxilia no deslocamento da referida rede. Este método deve ser empregado com bastante técnica e cautela, isto deve-se ao fato da rede-de-arrasto capturar todas as espécies de peixes que estão no seu campo de atuação, independentemente do tamanho e do peso do pescado.

04 - MÉTODO DE TARRAFA: Método que emprega rede de pesca em fibra. Este método pesqueiro é caracterizado por utilizar redes de pequena dimensão, que apresentam o formato circular com pequenos pedaços de chumbos (pesos) nas suas extremidades. É utilizado por apenas uma pessoa e quantidade de pescado capturado é pequena.

05 - MÉTODO DE ESPINHEL: Método que consiste na utilização de uma linha (linhada) grossa e bastante resistente com vários anzóis de tamanhos médios e grandes dispostos ao sabor da correnteza. A prática do método Espinhel é utilizada para a captura de peixes maiores, como os grandes bagres da Amazônia.

06 - MÉTODO DE ARPÃO: Este Método consiste no emprego de arpão (dardo pontiagudo). Método utilizado por comunidades de pescadores isoladas e populações indígenas. Normalmente é realizado por uma – única –  pessoa que no momento em que visualiza o pescado efetua o lançamento do arpão com precisão, objetivando acertar a presa e capturar o pescado.

6. CONHECIMENTOS E SABERES DOS PESCADORES AMAZÔNICOS
Ao realizar a pesca de forma artesanal, esses pescadores exploram o ambiente aquático de forma peculiar. Para manter e recriar seu meio de subsistência, adquirem conhecimentos profundos sobre a natureza e seus ciclos. Em suas atividades produtivas, estabelecem e mantém grande diversidade de interações diretas com o ambiente. SOUZA (2004)
Os pescadores artesanais amazônicos durante o desenvolvimento da atividade pesqueira artesanal estabelecem um íntimo contato com o meio natural, possibilitando o aprimoramento dos seus métodos e técnicas pesqueiras no transcorrer do tempo, soma-se a este fato, a forte interação com os pescadores mais velhos e experientes que repassam os seus tradicionais conhecimentos e saberes sobre a prática pesqueira e a natureza (seus recursos e suas potencialidades), sendo dotados de enormes cargas de cultura e tradição.
Ser pescador artesanal é tornar-se portador de um conhecimento e de um patrimônio sociocultural, que lhe permite conduzir-se ao saber o que vai fazer nos caminhos e segredos das águas, e amparar seus atos em uma complexa cadeia de inter-relações ambientais típicas dos recursos naturais aquáticos”. RAMALHO (2006).
O pescador artesanal ao apropriar-se da natureza através de seu trabalho, seus conhecimentos, métodos e das técnicas, acabam organizando e produzindo o espaço. É neste espaço que os pescadores construirão os Territórios Pesqueiros Artesanais e estabelecerão suas relações de poder (domínio e apropriação), ambientes de produções e conexões sentimentais e simbólicas, onde a cultura, os laços afetivos (admiração, orgulho e respeito), os costumes e modos de vida constituem elementos fundamentais na reprodução das relações sociais dessas comunidades.
Entender o modo de vida dos pescadores artesanais amazônicos, considerando a apropriação, a produção e a interação com o espaço geográfico até a seu último estágio, a construção dos territórios pesqueiros, torna-se necessário, na busca da formulação de estratégias que tragam o progresso e o bem-estar social para estas populações tradicionais.   
7. A RELEVÂNCIA DO TERRITÓRIO
O território é uma importante categoria de análise geográfica, que possibilitou um grande salto científico, criando novos rumos para as pesquisas científicas atuais.  Através do território, podemos retratar com uma maior realidade o modo de ser, viver e produzir da sociedade nos dias de hoje, além de estudar todas as relações de poder que as envolvem, e assim, compreender de forma consistente e coesa as complexas tramas e malhas sociais existentes.
            O território é um dos conceitos fundamentais da ciência geográfica e, no período atual, se encontra cada vez mais presente em trabalhos acadêmicos explicando, de diferentes formas, a maneira como a sociedade se apropria e produz o espaço, através de determinantes políticos, econômicos e culturais. FUINI (2014).
Os estudos em torno do conceito de território não são novidades, a Ciência Geográfica e diversas outras áreas das Ciências Sociais e Humanas tem realizado, nas últimas décadas, debates extremamente profícuos sobre o tema. Particularmente, no âmbito da Geografia, existe uma tradição dos estudos territoriais que promovem um contínuo processo de redefinição e aprimoramento do conceito enaltecendo e fortalecendo, assim, uma pluralidade de aspectos definidores na interpretação e na apreciação dos fenômenos contemporâneos.
            Destarte, a abrangência multidimensional (social, econômica, política, ambiental, cultural, religiosa, etc.) e multiescalar (local, regional, nacional, global) do território, converte essa categoria de análise geográfica em uma poderosa ferramenta capaz de realizar uma pesquisa científica de forma holística ao analisar minuciosamente os eventos constituintes das dinâmicas espaciais (objeto de estudo geográfico) em sua totalidade.
O território é fundamental quando nos referimos ao processo de reprodução da existência das populações tradicionais amazônicas, como também para a manutenção de sua identidade e cultura.
Uma das mais importantes categorias de análise geográfica do período histórico atual, sem dúvida é o território. É nele que ocorre o acontecer social e é nele que encontramos a materialidade sobreposta através das temporalidades que marcam a vida em sociedade. RICARTE (2016).
8. TERRITÓRIO:  PRESERVAÇÃO X EXPLORAÇÃO DA AMAZÔNIA BRASILEIRA
O território é uma categoria de análise que oferece a percepção mais clara das variadas dimensões de uma situação ou conflito, apresentando os grupos de interesses que exercem influência e delimitam suas esferas de atuação política, ditando as formas de poder e as relações sociais.  Nessa construção, as relações entre ser humano e natureza são indissociáveis, visto que o território constitui a base física dando sua interconexão com o mundo, sendo o grande palco para a construção cultural e social, mas também pode produzir visões e concepções próprias e conflitantes. SILVA (2007).
Desde as últimas décadas do século XX comprova-se a ocorrência de profundas mudanças estruturais na Amazônia brasileira. O Estado Nacional por meio da adoção de políticas públicas de ocupação e crescimento, a ideologia da modernização, o avanço científico e tecnológico, o desenvolvimento e ampliação dos meios de comunicação, a globalização, a expansão da força do capital e o progresso dos grandes empreendimentos e projetos econômicos regionais, nacionais e internacionais modificam e reorganizam os espaços e os territórios.
A globalização se caracteriza pelo avanço do capital – que sobrepujam e impõem-se sobre as barreiras físicas – e dos processos de produção em escala global, possibilando num mesmo subespaço, a existência de diversos circuitos espaciais produtivos. Nos últimos anos, as populações tradicionais da Amazônia vêm enfrentando graves problemas resultantes da fragmentação das coerências territoriais endógenas, impostos pelas lógicas das redes (globais) das grandes corporações aos lugares.
É assim que o espaço geográfico pode ser compreendido como uma acumulação desigual de tempos, conceito estabelecido pelo geógrafo Milton Santos, o que acaba revelando a coexistência entre diferentes temporalidades num mesmo lugar, região ou território. Na Amazônia, a imposição dessa lógica global das grandes corporações resulta na fragmentação das coerências territoriais endógenas, causando interferências no planejamento, na organização, na regulação e no uso dos territórios.
O espaço é hoje um sistema de objetos cada vez mais artificiais, povoado por sistemas de ações igualmente imbuídos de artificialidade e, cada vez mais, tendentes a fins estranhos ao lugar e a seus habitantes. SANTOS (1997).
Assim, é relevante salientar, que os territórios pesqueiros estão submetidos à ameaças e atuações externas nocivas, tornando-se área de interesse de diversos grupos (econômicos e políticos) gerando tensões e conflitos que prejudicam a prática da atividade pesqueira, causando redução da produção de pescado e afetando diretamente a vida e a manutenção das comunidades ribeirinhas, criando barreiras à existência e a continuidade desses territórios.
Frente a todos esses processos, pescadores defrontam-se com um amplo campo de embate e a politização de seu movimento alcança as discussões dessas questões, que envolvem seus espaços de vida, moradia e trabalho, seu espaço geográfico e seus territórios. CARDOSO (2003).
Há uma luta incessante dos pescadores artesanais para maior liberdade no seu local de trabalho, onde seu território não seja invadido e seus instrumentos de trabalhos preservados, pois a arte da pesca e o instrumento de trabalho estão intimamente ligados na produção artesanal. SILVA (2013).
Nesse aspecto, estudar a pesca é importantíssimo não apenas ponto de vista socioeconômico, mas também ambiental e ecológico, devido a extrema relevância para toda a humanidade, pois a área de atuação pesqueira artesanal da Amazônia – é constituída por uma importante e rica biodiversidade, e a sua preservação passa pela atuação dos povos da floresta (populações amazônicas tradicionais) como indígenas, pescadores, quilombolas e extrativistas; que respeitam e sentem-se partes destes territórios, protegendo os recursos naturais de outras culturas exógenas e da devastadora lógica capitalista.
Os pescadores artesanais se unem cada vez mais, objetivando a organização e o fortalecimento da classe pesqueira, no combate às interferências externas nocivas. Somente através do uso e da apropriação do território pesqueiro, os pescadores e as comunidades pesqueiras poderão desenvolver suas atividades, que garantirão a sua sobrevivência e reprodução. Portanto, o escasso conhecimento e subestimação do impacto das tensões e conflitos dentro do contexto pesqueiro podem dificultar o processo de gestão e tomada de decisão no segmento, levando à desordem e desajustes no desenvolvimento do setor pesqueiro amazônico.
Nesse processo de construção, as relações entre ser humano e natureza são fundamentais e indissociáveis, haja visto que o território se constitui como a base física dando sua interconexão com o mundo, mas também pode produzir visões e concepções próprias e conflitantes que devem ser levadas em consideração. Enfim, encontramos no território uma base consistente para alavancar os estudos e as discussões sobre a pesca artesanal e as populações ribeirinhas amazônicas, tema principal deste artigo.
9. TERRITÓRIO PESQUEIRO ARTESANAL NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
O território é concebido e determinado a partir do poder e das suas relações, não existe poder sem uma base territorial, o poder, a dominação e o controle estão presentes na construção, apropriação e autonomia territorial, sendo representado em sua forma objetiva e concreta, mas também de maneira subjetiva e simbólica.
A atividade pesqueira é uma atividade humana que representa uma modalidade de uso do espaço. Sua especificidade reside na articulação entre os meios aquático e terrestre, sendo que o primeiro comporta os processos de apropriação da natureza e o segundo significa os espaços de morada do pescador e o da realização do pescado enquanto mercadoria. CARDOSO (2003).
            A atividade pesqueira artesanal é desenvolvida por meio do uso e das relações com a natureza, sendo definida como uma relevante atividade que serve de elemento de produção do espaço, culminando na construção dos Territórios Pesqueiros Artesanais – onde as comunidades tradicionais litorâneas e ribeirinhas vivem, estabelecem relações de poder, reproduzem-se socialmente e desenvolvem suas atividades.
Assim, à medida que pescadores artesanais se apropriam da natureza e retiram os recursos necessários à sua sobrevivência, os mesmos estão produzindo o espaço local. Cabe destacar que estes possuem formas e lógicas diferenciadas na apropriação da natureza, que por sua vez serão refletidas na produção do espaço local e na construção dos territórios pesqueiros. RIOS (2012).
Os pescadores amazônicos são os responsáveis pela transformação e produção espacial, definidos como os atores sintagmáticos que concreta ou abstratamente territorializam o espaço através do trabalho, conhecimentos e saberes, métodos e técnicas pesqueiras.
Os métodos e técnicas pesqueiras empregadas pelos pescadores artesanais são os mais variados possíveis, isto deve-se ao fato de que atividade pesqueira é sazonal, exigindo metodologias específicas de acordo com a espécie a ser capturada e o local onde a atividade pesqueira será desempenhada. Os petrechos ou equipamentos utilizados na prática atividade pesqueira são rústicos e os insumos e matérias-primas (como as linhas e anzóis) geralmente são adquiridos/comprados no comércio local. Os materiais pesqueiros como as redes (cerco, arrasto, emalhe, tarrafas, etc.) são fabricados/confeccionados pelos próprios pescadores artesanais, e geralmente, contam com a colaboração de seus familiares, amigos e colegas de profissão.
A cada retorno da pescaria, os materiais empregados passam por remendos e consertos em sua estrutura visando a próxima viagem. Os pescadores costumam participar da fabricação de suas embarcações, geralmente de madeira, utilizando matérias-primas naturais com propulsão motorizada ou não, bem como nos reparos e manutenção.
Para as populações tradicionais amazônicas, a natureza (fauna e flora) é sentida e comtemplada em toda sua essência, percebendo que a mesma possui “alma” e é dotada de significados e simbolismos, tornando-se assim, parte integrante do seu cotidiano vivido. É nesse sentido, que os territórios são dotados de tradições, mitos e representações.
Não é unicamente pelo trabalho que a sociedade modifica, reorganiza e produz o espaço geográfico. A subjetividade, traduzida pelas representações e simbolismos também são formas de apropriação e transformação do espaço, provendo-o de enormes valores, sentimentos e significações. As populações pesqueiras ribeirinhas amazônicas estabelecem profundas conexões com os territórios pesqueiros artesanais. 
O território se traduz na sociedade e na natureza, na economia, na política, na valorização cultural, nas formas de dominação, no controle, nas representações, nas manifestações religiosas e nas identidades, de forma objetiva e subjetiva. O Território Pesqueiro é um local de ações e programas dos atores sociais, onde se projetou trabalho humano refletindo relações caracterizadas pelo poder (funcional e simbólico).
Desta forma, ao analisarmos o trabalho praticado dos pescadores artesanais amazônicos em todas as suas particularidades e/ou  dinâmicas, manifestando seus objetivos, anseios e desejos, seus vastos conhecimentos, as ricas representações do cotidiano vivido, sua identidade e cultura, habilidades e saberes, seus métodos e técnicas pesqueiras, os instrumentos desenvolvidos para a prática pesqueira artesanal e as relações de poder proveniente e intrínseco destes eventos pesqueiros podemos compreender a dinâmica territorial pesqueira em toda a sua plenitude (totalidade).
Todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, funcional e simbólico, pois as relações de poder têm no espaço um componente indissociável tanto na realização de “funções” quanto na produção de “significados”. Todo território funcional tem sempre uma carga simbólica, por menos expressiva que seja, e todo território simbólico tem sempre algum caráter funcional por mais reduzido que pareça. HAESBAERT (2007).
Os pescadores ribeirinhos amazônicos em suas especificidades constituem territorialidades, saberes e práticas na relação com o rio como existência e extensão de suas vidas e dos seus territórios. As relações se estabelecem sob um dado conhecimento que está além do conhecimento prático formal”. LIMA (2016).
O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas; o território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho; o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. O território em si não é uma categoria de análise em disciplinas históricas, como a geografia. É o território usado que é uma categoria de análise”. SANTOS (2006).
Dentro da perspectiva simbólica, o Território Pesqueiro Artesanal é o resultado do apreço e da valorização que os pescadores artesanais produzem subjetivamente (simbolicamente e sentimentalmente) em relação ao seu cotidiano vivido, neste caso, são constituídas relações abstratas de poder. As relações sociais são construídas e recebem influências das cargas culturais e experiências de vida, dando origem a sentimentos (admiração, orgulho e respeito), identidades e simbolismos atribuídos ao território pelos pescadores artesanais e as comunidades tradicionais ribeirinhas.
Portando, somente pelas ações humanas e pelo estabelecimento do poder (funcional e simbólico) que os pescadores artesanais e as populações pesqueiras amazônicas constroem seus territórios: local de vida, lugar de moradia, trabalho, reprodução social, manifestações religiosas, relações culturais, valorização da tradição, preservação da identidade, tensões, disputas e sonhos.

10. CONCLUSÃO
A pesca artesanal consolida-se como uma das mais antigas, tradicionais e importantes atividades extrativas praticadas por toda a população mundial. Desde o período Pré-Histórico a atividade pesqueira artesanal era desempenhada pelo ser humano, firmando-se como condição essencial para a sua subsistência. Nesse aspecto, a pesca apresenta notável importância social e econômica em quase a totalidade das nações que exploram os recursos pesqueiros, destacando-se pela capacidade de fornecer alimentação protéica com reduzido teor de gordura (lipídios), contribuindo efetivamente para a segurança alimentar e nutricional das populações e comunidades tradicionais, sobretudo em regiões com baixo poder aquisitivo (vulnerabilidade social).
            Ao estudarmos a história da atividade pesqueira no Brasil encontramos subsídios para compreendermos a formação histórica desta grande nação, haja vista que a pesca está mergulhada no processo de construção do território brasileiro, marcando presença na vida, no coração e na alma dos brasileiros.
            Na Amazônia, a rede hidrográfica constitui papel determinante na ocupação, fixação e desenvolvimento da região. As comunidades ribeirinhas amazônicas possuem raízes históricas e culturais vinculadas a pesca artesanal, estabelecendo profundas conexões com os territórios pesqueiros. Para estas populações, a pesca assume imensa relevância socioeconômica visto que constitui fonte vital de alimentação, cultura, lazer, ocupação de mão-de-obra (trabalho) e geração renda, tornando-se o principal meio de sobrevivência para significativa parcela dessas tradicionais comunidades.
O acesso ao meio natural, a reorganização e a produção do espaço geográfico, e por fim, as construções dos territórios pesqueiros artesanais resultam das ações dos pescadores – definidos como agentes sociais de transformação. É através do trabalho dos pescadores artesanais, de seus conhecimentos, das suas habilidades, de seus saberes, dos métodos e das técnicas pesqueiras, dos instrumentos e apetrechos desenvolvidos para a prática pesqueira que o espaço pesqueiro artesanal é produzido, antecedendo, servindo de base e substrato para a construção dos territórios pesqueiros: local de vida, lugar de moradia, trabalho, reprodução social, manifestações religiosas, relações culturais, valorização da tradição, preservação da identidade, tensões, disputas e sonhos.
O uso e a emancipação do território pesqueiro são necessários para a subsistência, reprodução e progresso das comunidades ribeirinhas amazônicas. Desafios como a degradação do meio ambiente e a disputa pela posse e uso da terra, são aspectos que contribuem para o aumento das dificuldades para a alcançar a almejada sustentabilidade socioambiental das comunidades pesqueiras. Por isso, a classe pesqueira artesanal se une na defesa de seus interesses, buscando sua autonomia territorial, unidade política (através das colônias, da federação e confederação de Pescadores) e o fortalecimento de sua identidade.
As políticas públicas devem ser elaboradas conjuntamente com as populações pesqueiras ribeirinhas que residem e utilizam os recursos naturais, estas comunidades locais devem assumir o transformador papel de protagonistas.
A pesca artesanal deve ser estudada e adotada como uma referência para a construção de um modelo que viabilize a inclusão das comunidades ribeirinhas e que contribua para a melhoria dos padrões socioeconômicos, respeitando as tradições e a cultura dessas populações. Isto fortalecerá as bases necessárias para fomentar avanços efetivos nos indicadores sociais (saúde, educação, saneamento, lazer, infraestrutura, dentre outros). Melhora-se a qualidade de vida e preserva-se a identidade dessas populações a partir de uma importante atividade socioeconômica e cultural.

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*Economista. Pesquisador e Mestre em Geografia (Universidade Federal de Rondônia/UNIR).

Recibido: 22/02/2019 Aceptado: 17/05/2019 Publicado: Mayo de 2019


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