Qual a importância da demarcação de terras de comunidades tradicionais, de acordo com o estudo

Por definição, povos originários são aquelas populações que descendem dos primeiros habitantes de uma localidade, seja qual for e onde estiver no planeta. Aqui no Brasil, são eles os indígenas, que se dividem em aproximadamente 488 terras regularizadas. São cerca de 12,2% do território nacional, localizadas em todos os biomas, com concentração na Amazônia Legal, de acordo com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – cujo site está fora do ar.

Além de um direito dos povos originários – sendo a demarcação de terras prevista por lei, assegurada pela Constituição Federal de 1988 e também pelo Estatuto do Índio (legislação específica) –, essas terras são fundamentais para a preservação ambiental. Elas têm capacidade de evitar a emissão de aproximadamente 31,8 milhões de toneladas anuais de dióxido de carbônico na atmosfera. Os dados são da Rights and Resources Initiative, de estudos feitos em 2016, com parceria da Woods Hole Research Center e do World Resources Institute.

Desta maneira, a demarcação de terras protege os limites desses territórios e, consequentemente, contribui com a manutenção do clima entre outros importantes motivos. A pauta é de extrema importância, uma vez que a Organização das Nações Unidas divulgou recentemente um relatório (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climática – IPCC, sigla em inglês) de clima que diz que a temperatura mundial aumentou em 1,5° Celsius, algo sem precedentes. E tudo comprovadamente pela ação humana.

Remando contra a maré

Enquanto a humanidade está em alerta e muitos países se unem para pensar em soluções menos devastadoras – ambientalmente falando – para as próximas gerações, acontece o Acampamento Luta pela Vida, a maior mobilização indígena da história! São cerca de 6 mil indígenas de 175 povos de todo o Brasil, reunidos e acampados em Brasília para lutar por seus direitos.

A movimentação acontece, pois, nesta semana, foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) e está em votação a tese do marco temporal. O marco temporal alega que as populações indígenas só podem reivindicar a demarcação de terras nas quais já estivessem estabelecidas antes da data de promulgação da Constituição de 1988.

Esses territórios são recorrentes zonas de conflitos com fazendeiros, mineradores, grileiros, sojistas, causando a morte de dezenas de indígenas. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulgados pelo G1, o número de lideranças indígenas mortas em conflitos no campo em 2019 foi o maior em pelo menos 11 anos.

Com todos esses dados em mãos, torna-se um pouco mais fácil compreender o contexto de luta e resistência que mobiliza esses povos originários, hoje, nos últimos dias e desde a colonização. Como alegam durante os atos: “O Brasil é terra indígena”.

Foto: Reprodução/Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)/Instagram

Importância da demarcação de saberes no ensino de Ciências para sociedades tradicionais

The importance of the demarcation of knowledge in Science teaching to traditional societies

Geilsa Costa Santos Baptista1 1 Avenida Transnordestina, s\n, Novo Horizonte - Feira de Santana, BA, 44.036-900

Licenciada em Ciências Biológicas, doutoranda em Ensino, Filosofia e História das Ciências. Docente, Departamento de Educação, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Feira de Santana, BA, Brasil. <>

RESUMO

Este artigo, de natureza teórica, objetiva apresentar a importância da demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades tradicionais. Para tanto, recorre aos argumentos centrais do Construtivismo contextual e do Pluralismo epistemológico. Antes disto, porém, pontua alguns conceitos básicos (cultura, conhecimentos científicos e conhecimentos tradicionais) e discute brevemente a trajetória do ensino de ciências no Brasil e sua relação com a diversidade cultural. A demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades tradicionais permitirá, aos estudantes, a compreensão de que existem outras vias de explicação da natureza, além daquelas que fazem parte dos seus cotidianos. Sendo assim, os estudantes terão as suas visões de natureza ampliadas, podendo aplicar os saberes que têm ao seu dispor nos momentos em que forem apropriados. Consequentemente, também contribuirá para o respeito e manutenção dos conhecimentos tradicionais.

Palavras-chave: Conhecimentos científicos. Conhecimentos tradicionais. Demarcação de saberes. Construtivismo contextual. Pluralismo epistemológico.

ABSTRACT

This article is theoretical showing the importance of the demarcation of knowledge in science teaching in traditional societies. It is based on the central arguments of Constructivism and Contextual Epistemological Pluralism. Before this, however, it points out some basic concepts (culture, science and traditional knowledge) and briefly discusses the history of science teaching in Brazil and its relation to cultural diversity. The demarcation of knowledge in science teaching in traditional societies enables students to understand that there are other ways of explaining nature, besides those that are part of their daily lives. Thus, students will have their visions of nature enlarged and can apply the knowledge they have at their disposal in times that are appropriate, thus contributing to the respect and maintenance of traditional knowledge.

Keywords: Scientific knowledges. Traditional knowledges. Knowledges demarcation. Contextual constructivism. Epistemological pluralism.

Introdução

O conhecimento só poderá se estabelecer através do diálogo que, pela consciência da diferença, permitirá aos dois o re-conhecimento pela diferença, não só em cada um deles, mas também em outras leituras de situações e contextos socioculturais. (CAMPOS, 2002, p. 64)

Na atualidade, várias sociedades são influenciadas pelos resultados das pesquisas científicas. São influências que têm impacto direto no âmbito pessoal, social e econômico. Por conta disto, se faz cada vez mais necessária a busca, por parte dos cidadãos, de informações e atualizações científicas que lhes permitam visões críticas e, por conseguinte, participações mais ativas nessas sociedades (LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001).

No que se refere à disponibilização de informações e atualizações sobre os aspectos relacionados com as ciências e tecnologias, o espaço escolar, e nele o ensino de ciências, muito pode contribuir para o alcance desta meta (ANGOTTI; AUTH, 2001). Contudo, é imperioso atentar para o fato de que os espaços das salas de aula não são uniformes do ponto de vista cultural, isto é, não apenas a ciência que é representada pelos professores está presente nas salas de aula. Ao contrário, nelas, transitam outras culturas que são representadas pelos estudantes (COBERN, 1996), como, por exemplo, de árabes, judeus, budistas e de sociedades tradicionais, dentre outras.

Sendo as salas de aula espaços multiculturais, os professores de ciências necessitam, é claro, estarem atentos às diversas concepções prévias dos estudantes, para que possam direcionar as suas aulas às necessidades destes indivíduos e das sociedades onde vivem. As concepções prévias, segundo Sepúlveda (2003, p. 71), "[...] incluem todo o conjunto de pressupostos e crenças fundadas culturalmente". A atenção por parte dos professores às concepções prévias dos estudantes necessita acontecer, porque é possível encontrar salas de aula onde a maioria dessas concepções seja condizente com as ciências, o que facilitará a comunicação nesses espaços. Porém, contrariamente, é possível encontrar dificuldades para a comunicação com os estudantes nas salas de aula onde concepções prévias da maioria deles sejam diferentes das concepções científicas. Especialmente no caso daqueles estudantes provenientes de meios culturais nos quais a ciência não faz parte dos seus cotidianos, como, por exemplo, os estudantes oriundos de comunidades tradicionais.

Sobre diversidade cultural e ensino de ciências no Brasil - país que, por sua própria origem, é múltiplo do ponto de vista cultural - o que se pode perceber, nas salas de aula, não é a consideração dos saberes culturais dos estudantes para ampliação com ideias científicas, mas, sim, para substituição por saberes científicos. Ocorre, nas salas de aula da maioria das escolas brasileiras, de acordo com Lopes (1999), um ensino de caráter assimilacionista, centrado na supervalorização da ciência em detrimento dos saberes culturais dos estudantes.

O contexto no qual se encontra o ensino de ciências no Brasil é ainda mais agravante se consideradas as realidades específicas das escolas localizadas nas sociedades tradicionais, que só atendem estudantes dessas sociedades. Do mesmo modo, se consideradas as realidades das escolas localizadas nas sociedades urbanas, que atendem estudantes provenientes dessas sociedades e das sociedades tradicionais. Nessas escolas, segundo Baptista (2007), o ensino de ciências - se baseado na supervalorização dos saberes científicos em detrimento dos saberes tradicionais - pode conduzir os estudantes a conflitos entre as explicações científicas e as explicações oriundas dos seus meios socioculturais. Além disto, pode transportar os estudantes à não-identificação da natureza e aplicabilidade dos conhecimentos científicos, especialmente fora das salas de aula, quando necessários (JEGEDE; AIKENHEAD, 1999).

De acordo com Cobern e Loving (2001), nas salas de aula cujos saberes culturais dos estudantes são diferentes dos saberes científicos, é importante que o objetivo de ensinar ciências seja a demarcação, e não a anulação de saberes. O ensino de ciências deve dar prioridade para que os estudantes compreendam os conceitos científicos, ou seja, dominem esses conceitos, em vez de tê-los como válidos ou verdadeiros em suas vidas (COBERN, 2004). Porque, se assim for, os estudantes poderão ter as suas concepções ampliadas com ideias científicas (COBERN; LOVING, 2001).

O presente artigo tem por objetivo apresentar a importância da demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades tradicionais, as quais, de acordo com Santilli (2002), se caracterizam por um conjunto de conhecimentos e práticas que são próprios das suas culturas e úteis para as suas sobrevivências. Para tanto, recorre-se aos argumentos centrais do construtivismo contextual (COBERN, 1996) e do pluralismo epistemológico (COBERN; LOVING, 2001) como referenciais teóricos. Antes disto, porém, é preciso pontuar alguns itens que, certamente, guiarão a compreensão por parte do leitor, a saber: conceituar cultura, conhecimento tradicional e conhecimento científico; traçar um breve histórico do ensino de ciências no Brasil e sua relação com a inclusão dos saberes culturais dos estudantes; caracterizar o construtivismo contextual e o pluralismo epistemológico.

É importante destacar que este trabalho constitui parte dos estudos teóricos desenvolvidos pela autora, como parte das suas pesquisas que vêm sendo desenvolvidas desde 2004, sobre a contribuição da etnobiologia ciência que estuda os conhecimentos e as conceituações desenvolvidas por qualquer cultura sobre os seres vivos e os fenômenos biológicos (ALBUQUERQUE, 2005) para o ensino, a aprendizagem e formação de professores de ciências das escolas localizadas em comunidades tradicionais (BAPTISTA; EL-HANI, 2009; BAPTISTA, 2007, 2006).

Cultura, conhecimentos científicos, conhecimentos tradicionais: alguns conceitos e exemplos

Segundo Cobern (1996), é inerente ao homem a busca constante pelo conhecimento do mundo ao seu redor, seja ele físico, social ou espiritual. Como consequência dessa busca, os homens estão sempre atribuindo significados e símbolos ao mundo em que vivem e às suas ações, isto é, estão sempre produzindo cultura. Cada cultura, por sua vez, comporta uma interpretação particular da natureza, que constitui um elemento importante da visão de mundo de um povo.

Geertz (1989) define cultura como um sistema de significados e símbolos nos termos do quais a interação social ocorre. Para este autor, é através da cultura que o homem enxerga o mundo ao seu redor, sempre buscando seu significado. Para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2002), as culturas podem ser concebidas como os traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos, que caracterizam uma sociedade, ou um grupo social, abrangendo, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças.

Segundo Aikenhead (2001), culturas também podem ser definidas como as normas, os valores, as opiniões, as expectativas e as ações convencionais de um grupo. Ainda segundo Aikenhead (2001), tais características permitem incluir a ciência como fenômeno cultural. A ciência, para desenvolver suas atividades, faz uso da sua própria linguagem e maneiras convencionais de comunicar-se. Sua finalidade é a interação social dentro da comunidade de cientistas de uma determinada época, que produz conhecimento, o conhecimento científico (AIKENHEAD, 2001).

De acordo com Cobern e Loving (2001), não existe definição única para o termo ciência, entretanto, é possível pontuar algumas características que lhe são peculiares, baseadas numa visão pragmática amplamente aceita pela comunidade científica na atualidade, e que permite a sua demarcação com relação aos demais sistemas de conhecimentos, a saber:

(1) A ciência é um sistema explicativo naturalístico e material usado para dar conta de fenômenos naturais, que deve ser, idealmente, testável de maneira objetiva e empírica. As explicações científicas não têm como objeto, por exemplo, aspectos espirituais da experiência humana, que estão, assim, fora do escopo da investigação e do conhecimento científico. As explicações científicas são empiricamente testáveis (pelo menos, em princípio) com base nos fenômenos naturais (o teste para consistência empírica), ou com base em outras explicações científicas acerca de fenômenos naturais (o teste para consistência teórica). A ciência é um sistema explicativo, e não apenas uma descrição ad hoc dos fenômenos naturais;

(2) A ciência, como tipicamente concebida, é fundamentada em compromissos metafísicos sobre a maneira como o mundo "realmente é". Entre esses compromissos, encontram-se os pressupostos de que o conhecimento sobre a natureza é possível; de que há ordem na natureza; de que existe causação na natureza;

(3) Não obstante, é o consenso da comunidade científica que, em última instância, determina o que deve ser qualificado como ciência. Ainda que uma ideia agrupe todas as características citadas acima, ela só será considerada ciência se for assim julgada pela comunidade científica.

A ciência representa um dos muitos caminhos para entendimento do mundo natural (SOUTHERLAND, 2000). Desta afirmativa pode-se inferir que, além da ciência ocidental moderna, existem outros meios de conhecimento acerca da natureza que são desenvolvidos no seio de diversas culturas, como, por exemplo, das sociedades tradicionais.

As sociedades tradicionais, segundo Diegues e Arruda (2001, p. 21), são

[...] grupos humanos diferenciados sob o ponto de vista cultural, que reproduzem historicamente seu modo de vida, de forma mais ou menos isolada, com base na cooperação social e relações próprias com a natureza. Essa noção refere-se tanto a povos indígenas quanto a segmentos da população nacional, que desenvolveram modos particulares de existência, adaptados a nichos ecológicos específicos.

Como é possível notar na definição de Diegues e Arruda, uma das características básicas das sociedades tradicionais é a sua estreita dependência da natureza para a manutenção de seu modo de vida. Dessa dependência surgem os conhecimentos tradicionais ou locais, também conhecidos, internacionalmente, como TEK (Traditional Ecological Knowledge). O conhecimento tradicional pode ser definido como o saber e o saber-fazer a respeito do mundo natural e sobrenatural, gerados no âmbito da sociedade não urbana/industrial (DIEGUES; ARRUDA, 2001), como, por exemplo: de agricultores, babaçueiros, quilombolas, pescadores artesanais, caiçaras, indígenas, dentre outros. Os conhecimentos tradicionais são, assim, expressos e sistematizados por meio de mitos, rituais, narrações de caráter oral e práticas.

Sobre o mundo natural, Diegues (1994) informa que os saberes tradicionais são, por exemplo, sobre: a reprodução da fauna; as influências da lua nas atividades de corte da madeira, da pesca; os sistemas de manejo dos recursos naturais etc. Um exemplo desses conhecimentos acerca do mundo natural é dado por Posey (1997), resultante de estudos realizados com os Kayapós na Amazônia. Seus resultados destacam o rico corpo de conhecimentos dessa tribo indígena sobre: zonas ecológicas do seu entorno natural, comportamento animal, relações planta/solo/animal por ecozonas etc.

Segundo Perelli (2008), os conhecimentos tradicionais são gerados, selecionados e transmitidos de geração a geração ao longo dos tempos. É importante destacar que apesar de serem transmitidos de geração a geração, os conhecimentos tradicionais não são estáticos, mas, sim, dinâmicos, podendo passar por transformações ao longo dos tempos (ELISABETSKY, 2003).

De acordo com Bandeira (2001) o que permite distinguir os conhecimentos tradicionais dos conhecimentos científicos é o fato de não corresponderem às teorias construídas, como os conhecimentos científicos ocidentais modernos, de modo a serem aplicáveis de maneira geral, com graus elevados de abstração; mas são formas de conhecimento guiadas por critérios de validade locais, podendo sofrer variações regionais e culturais, e fortemente vinculadas aos contextos nos quais foram produzidas.

Breve histórico do ensino de ciências no Brasil e a consideração dos saberes culturais dos estudantes

Segundo Krasilchik (1987), o ensino de ciências só passou a ser obrigatório, no Brasil, a partir da década de 1960, especificamente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB n. 4.024 de 1961). Nessa época, o país buscava superar a dependência de outros países e se tornar autossuficiente, já que estava em processo de industrialização e carecia de investigadores para impulsionar a ciência e as tecnologias (KRASILCHIK, 1987). Assim, via o ensino de ciências como excelente meio para formar futuros cientistas.

De maneira bem resumida, é possível afirmar que, naquela época, havia intensa preocupação com a transmissão do conhecimento científico, tal como ele se constituiu nos campos científicos (Física, Química e Biologia). As atenções dos estudantes deveriam estar voltadas apenas para as explanações feitas pelos professores e as participações se limitavam a seguir roteiros de experimentos em laboratórios cujos resultados eram previamente conhecidos (HODSON, 1992).

A ideia de ensino baseada no método científico foi expandida na década de 1970, quando a didática em ciências consistia em fazer o estudante observar, definir problemas e procurar meios para solucioná-los, interpretar dados, formular generalizações, redescobrir conhecimentos produzidos pela ciência (Método da Redescoberta científica). Nesse modelo não fazia qualquer sentido a incorporação dos conhecimentos prévios dos estudantes nas aulas.

Ainda na década de 1970, um grande número de estudos sobre os conteúdos das ideias dos estudantes em relação aos diversos conceitos científicos trabalhados na escola foram realizados. Esses estudos, realizados em várias partes do mundo, denominados de (ACM Alternative Concepts Movement), revelaram que as ideias prévias dos estudantes são fortemente influenciadas pelos seus contextos e resistentes às mudanças (MORTIMER, 2005).

Na década de 1980, sob influência dos estudos do psicólogo suíço Jean Piaget sobre a Epistemologia Genética ou Teoria Psicogenética, surgiu a teoria construtivista da aprendizagem - momento no qual se passou a aceitar a ideia de que a participação, de forma mecânica, por parte dos estudantes, não garantia a aprendizagem das ciências. Cabe destacar que tal problema já havia sido apontado desde a década anterior pela maioria dos professores de ciências, como resultado das suas experiências pedagógicas nas salas de aula.

Apesar de, desde a década de 1980, o ensino de ciências ter atentado para a importância da consideração dos conhecimentos prévios, somente em 1996 (com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira, lei número 9.394/96) proposições concretas por parte das políticas públicas da educação no Brasil indicaram a consideração dos saberes culturais dos estudantes no espaço escolar (BRASIL, 1997). No seu artigo 1o, essa lei estabelece que a educação abranja "[...] os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações culturais" (BRASIL, 1996). Em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais apresentam o tema transversal Pluralidade Cultural. A proposta dos PCN é que a escola reconheça e valorize as diferentes formas de percepção e de compreensão dos grupos étnicos, culturais e sociais que se encontram presentes nas salas de aula (BRASIL, 1997).

Cabe acrescentar que, com a LDB de 1996, as sociedades tradicionais brasileiras passaram a ter mais atenção no que se refere à educação dos seus integrantes. Nos artigos 78 e 79 desta Lei, os povos indígenas, por exemplo, conseguiram atenções para as suas especificidades quando foram iniciadas algumas definições dos elementos básicos para a organização, estrutura e funcionamento das suas escolas. Tais escolas deveriam ser localizadas em terras habitadas por comunidades indígenas, com o ensino ministrado de acordo com as suas próprias culturas - entretanto, isto não acontece na realidade (GRUPIONI, 2001).

Um estudo publicado por Pirrelli (2008), sobre indígenas Kaiowá/Guarani do Mato Grosso do Sul, aponta as condições da educação escolar para os índios na atualidade. Nos seus relatos, Pirrelli (2008) revela que esses índios ainda lutam pelo direito à diferença, por uma escola indígena específica, bilíngue e intercultural, já reconhecida pela Constituição Federal de 1988. A escola indígena, na visão de Pirrelli (2008), além de ser concebida como espaço para se pesquisar, ensinar e aprender as suas próprias tradições deve, também, constituir um lugar de acesso aos conhecimentos produzidos pela ciência ocidental. Tem-se a expectativa de que, dessa forma, a escola contribua para o empoderamento dos povos indígenas e, assim, favoreça a construção do diálogo com as outras culturas (PIRRELLI, 2008).

Outro exemplo de grupos culturais mencionados pela LDB de 1996 foram os camponeses. O artigo 28 desta LDB institui que

[...] os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996)

Todavia, assim como nas escolas das terras indígenas, o ensino para as escolas do campo representa apenas transmissão de informações que não condizem com a realidade vivida pelos estudantes, sendo, desta forma, sem significados para eles (CARDOSO, 2008). É interessante destacar que, na década de 1960, o educador brasileiro Paulo Freire já atentava para uma educação escolar que valorizasse os saberes culturais dos homens e mulheres do campo. Para Freire, ensinar não é transmitir conhecimentos, mas, sim, criar condições para que os estudantes possam construir saberes (FREIRE, 1987). Com base nesta ideia, Freire criou, para os trabalhadores camponeses, um método de alfabetização que incorporou o diálogo sobre suas situações cotidianas, levando-os a aprender a ler e escrever a partir das suas próprias palavras (FREIRE, 1967).

Como é possível notar, nas afirmativas acima, mesmo havendo tentativas de valorização da diversidade cultural presente nas escolas por parte das políticas públicas da educação brasileira, é lamentável o fato de que as realidades das escolas para as sociedades tradicionais ainda insistem na transmissão de conhecimentos científicos como se fossem os únicos conhecimentos válidos. Esta, na opinião de Lopes (2001), é uma prática de ensino cientificista, que não está presente somente nas escolas, mas, também, em outros espaços das sociedades. O cientificismo concebe a ciência como a única e legítima forma de se obter e representar conhecimento verdadeiro da realidade (COBERN, 1994). Mortimer e Santos (2000) acrescentam que o cientificismo presente no espaço escolar é consequente da visão ideológica de dominação da ciência, como recurso cada vez mais eficaz e único para solução dos problemas da humanidade.

Na prática pedagógica, concordando com Ogawa (1995), o que acontece é que, quando a cultura da ciência que está sendo ensinada se harmoniza com a cultura dos estudantes, as visões de mundo desses indivíduos são consideradas. Ao contrário, quando a cultura dos estudantes é incompatível com a cultura da ciência, o ensino tende a não aceitar as visões de mundo dos estudantes, forçando-os a rejeitarem os seus pensamentos. Como consequência disto, os estudantes terminam por não compreenderem a natureza do conhecimento científico, sendo levados a crer que a ciência é propriedade de alguns sábios, ao invés de um produto passível de revisão social.

A ciência não constitui uma forma única e privilegiada de se produzirem conhecimentos, e nem tem respostas para todos os questionamentos feitos pelo homem (HARDING, 1998). A ciência é uma herança cultural que pertence a todos os povos, mas não é o único constituinte dessa herança e nem está colocada no topo de uma suposta pirâmide epistemológica, que inferioriza todos os demais sistemas de saberes forçando-os a uma tentativa de homogeneização cultural (COBERN, 1996).

O construtivismo contextual e o pluralismo epistemológico

Segundo El-Hani e Bizzo (2002), o construtivismo tem se revelado de maneira bastante heterogênea, sendo as duas formas mais influentes: a Mudança Conceitual (POSNER et al., 1982), e o Construtivismo Contextual (COBERN, 2004, 1996, 1994).

No Brasil, sem dúvida, o modelo de ensino que vem prevalecendo nas salas de aula de ciências é o da Mudança Conceitual, visto que coloca a ciência acima das concepções culturais dos estudantes, tentando substituí-las por ideias científicas. Na Mudança Conceitual, não ocorre a devida atenção aos aspectos culturais dos estudantes. As estratégias de ensino devem, basicamente: (1) levantar as concepções prévias dos alunos; (2) propor situações que provoquem conflitos cognitivos; (3) explicar o conflito, contrapondo-o com a concepção científica aceita, e (4) aplicar a concepção científica em conceitos diversificados (POSNER et al., 1982).

Sobre o aproveitamento dos conhecimentos trazidos pelos estudantes para as salas de aula de ciências, o construtivismo contextual, certamente, dá a devida atenção aos aspectos culturais desses conhecimentos. Para o construtivismo contextual - que tem como base a ideia de que a visão de mundo de uma pessoa é condicionada pela cultura na qual se encontra inserida - quando os estudantes entram para a escola, já trazem consigo uma rede de significados desenvolvida a partir de suas interações com os seus contextos culturais (COBERN, 1996).

Apoiado no fato de que os estudantes já trazem para a sala de aula um conjunto de significados culturais, o Construtivismo Contextual afirma que as salas de aula de ciências congregam, num único espaço, diferentes visões de mundo influenciadas pelas culturas que se fazem presentes nesses espaços. A visão de mundo de um indivíduo significa o seu modo de olhar para a realidade e é formada no contexto sociocultural em que ele se desenvolveu e no qual se insere (COBERN, 1996, 1994). Para Cobern (1996), os pensamentos, comportamentos e decisões dos indivíduos são determinados por suas visões de mundo.

A heterogeneidade cultural presente nas salas de aula pode gerar conflitos, especificamente entre a cultura dos estudantes e a cultura da ciência, a qual é apresentada pelos professores. E isto porque, frequentemente, a visão de mundo dos estudantes não é compatível com a da comunidade científica (COBERN, 1994, 1993). Muitos estudantes pertencem a universos socioculturais distintos da ciência ocidental moderna (COBERN, 1996). Neste caso, a instrução científica tende a forçar o estudante a abandonar a sua visão de mundo. Para Cobern (1996), isto é ruim porque os conceitos científicos que foram trabalhados nas salas de aula, após servirem para as avaliações, logo são descartados pelos estudantes, por serem, basicamente, incompatíveis com as suas visões de mundo e não se mostrarem relevantes numa grande variedade de contextos para eles. Cobern (1996) se refere a este fenômeno como Apartheid Cognitivo.

Segundo Cobern (1996), ensinar ciências nada mais deverá ser do que ensinar uma segunda cultura aos estudantes. O ensino de ciências, de acordo com Cobern e Aikenhead (1998), deve permitir aos estudantes a apropriação da linguagem científica e, de modo geral, da cultura à qual ela pertence (COBERN; AIKENHEAD, 1998). Os professores de ciências devem ensinar ciências dentro de contextos que apresentem significados aos conteúdos de ensino, porque isto facilitará a compreensão da ciência por parte dos estudantes (COBERN, 1996).

Comprometido com o construtivismo contextual, o pluralismo epistemológico (COBERN, 2007; COBERN; LOVING, 2001) acrescenta que, no ensino de ciências, não deve haver tentativa de que os estudantes abandonem as suas visões de mundo para que acreditem nas teorias e nos conceitos científicos, tendo a ciência como única fonte de conhecimentos válidos.

Para Cobern e Loving (2001), esta é uma prática cientificista que menospreza os demais sistemas de saberes culturais em prol da ciência que está sendo ensinada. A ciência, na visão destes autores, não constitui o único sistema que produz conhecimentos válidos. A ciência, enquanto atividade cultural e instituição social, representa o modo característico de conhecer das sociedades ocidentais modernas, com valores e contextos de aplicação que diferem das outras formas de conhecer o mundo (COBERN; LOVING, 2001).

No ensino de ciências, para o Pluralismo Epistemológico, deve haver oportunidades para que os estudantes delimitem, isto é, reconheçam os domínios particulares do discurso em que as suas concepções e as ideias científicas tenham - cada qual no seu contexto - alcance e validade. Nesta perspectiva, é preciso criar situações para que os estudantes percebam como a prática da ciência pode se beneficiar dos achados de outros domínios de conhecimento e, do mesmo modo, vejam como algumas das ideias da ciência podem ser alcançadas por outros caminhos epistemológicos. Cobern e Loving (2001) citam, como exemplo, um estudo de caso realizado numa escola primária do Arizona (EUA), envolvendo uma professora e estudantes indígenas da região. Segundo estes autores, as concepções de natureza dos estudantes eram fundamentalmente diferentes das concepções científicas e, contrariamente a prática cientificista, a professora abriu espaço nas salas de aula para que todos apresentassem os seus conhecimentos sobre a temática estudada, buscando evidenciar como essas concepções se mostraram ou não diferentes das concepções científicas. Discutir como as visões tradicionais diferem das científicas no contexto das salas de aula de ciências torna-se importante para a compreensão das diferentes formas de se ver o mundo (COBERN; LOVING, 2001).

Para Cobern e Loving (2001), se os professores de ciências permitirem a argumentação nas salas de aula, os estudantes poderão compreender a natureza dos conhecimentos científicos, que se tornarão parte dos seus pensamentos cotidianos conjuntamente com os seus saberes culturais, para serem empregados nos contextos em que forem convenientes, isto é, adequados ou não, no sentido da sua utilidade e aplicabilidade.

Dentre os vários exemplos de concepções científicas que podem diferir das concepções dos estudantes nas salas de aula, Cobern (2007) cita a origem da vida e evolução. Para ele, a abordagem destes temas necessariamente suscita debates que envolvem causas espirituais ligadas às diversas religiões que se fazem presentes nesses espaços por meio dos estudantes. Sendo assim, de acordo com Cobern (2007), é necessário um posicionamento do professor no sentido de tornar o ensino de ciências uma oportunidade para a compreensão da diversidade de explicações existentes sobre o assunto abordado, incluindo, aí, as explicações científicas que não versam sobre o mundo espiritual. Cobern (2007) propõe quatro regras metodológicas, que são para o ensino de evolução, mas que, segundo ele, servem para outros temas controversos no ensino das ciências:

(1) Ensinar ciência, e não o cientificismo. Não faz sentido o ensino cientificista. O professor deve ensinar ciências sem, contudo, buscar a sua supervalorização em detrimento de outros saberes;

(2) Ensinar para a compreensão, e não para a crença. As pessoas podem não achar todos os argumentos igualmente convincentes. As pessoas podem ter outros elementos de prova que lhes são mais atraentes, ou mesmo confiáveis. Ignorar esta realidade é contraproducente porque leva os estudantes a sentirem que estão sendo doutrinados. Os estudantes são muito mais abertos a aprender quando estão confiantes de que o professor não está tentando "convertê-los". É preciso dar, aos estudantes, elementos para que pensem e espaço para que resolvam questões importantes para eles. A compreensão significa o domínio sobre uma proposição e a apreensão significa acreditar numa proposição, ou aceitá-la como válida e verdadeira (COBERN, 2004). Em vez de esperar que os estudantes creiam em teorias científicas, o ensino de ciências deve dar prioridade para que eles dominem teorias científicas (COBERN, 2004).

(3) Ensinar as provas. As conclusões são necessárias (das teorias), mas sem uma introdução de alguns elementos das provas que os cientistas apresentam como apoio, o estudante terá uma compreensão insuficiente. Pior, poderão concluir que a conteúdo científico abordado é mais uma posição ideológica do que uma evidência baseada em teoria científica;

(4) Dar aos estudantes tempo para explorarem as suas próprias ideias. Os professores de ciências precisam reconhecer a existência da diversidade de pensamentos e perguntar aos estudantes se eles gostariam de oportunidades para explorarem questões de seus interesses. Para isto, é preciso criar um ambiente propício às falas, porém, atentando para o tempo (de modo a contemplar todos os estudantes) e para a exposição somente de argumentos que sejam fundados culturalmente.

Diálogo e demarcação de saberes no ensino de ciências: conceito e exemplo de possibilidade

Para que seja possível a demarcação de saberes no contexto do ensino de ciências, é de extrema importância a promoção do diálogo. Segundo Bohm (1996), o termo "diálogo" vem da palavra grega dialogos. Dia significa "através de" e Logos significa "a palavra", ou melhor, "o significado da palavra". Para Lopes (1999), que defende o ensino de ciências baseado na exposição da pluralidade de razões, o diálogo é um processo argumentativo no qual as razões que levam os indivíduos a pensarem como pensam são expostas, consideradas e avaliadas por critérios de validade e legitimidade que são próprios dos seus contextos. De acordo com Lopes (1999), o diálogo leva em conta de que lugar os indivíduos falam, quais os seus condicionamentos, que razões os levam a pensar como pensam e a expô-lo no jogo argumentativo.

Um trabalho publicado por Baptista e El-Hani (2009), resultante de uma pesquisa que envolveu intervenções pedagógicas realizadas por uma professora de biologia, retrata a possibilidade de demarcação de saberes por meio do diálogo cultural no ensino de ciências. As referidas intervenções aconteceram em duas turmas do segundo ano do Ensino Médio de uma escola pública do município de Coração de Maria (BA), que atendia estudantes agricultores no ano de 2006. Foram 72 estudantes envolvidos, dos gêneros masculino e feminino, com idades entre 15 e 25 anos. O objetivo principal destas intervenções, segundo Baptista e El-Hani, foi promover o diálogo entres os saberes científicos escolares no campo da biologia e os tradicionais dos estudantes agricultores. A seguir serão apresentados alguns dos procedimentos e dos resultados dessas intervenções. Maiores detalhes sobre a pesquisa poderão ser encontradas no corpo do próprio trabalho (BAPTISTA; EL-HANI, 2009).

De posse de um material didático previamente elaborado, que continha comparações entre os conhecimentos tradicionais dos estudantes agricultores e os conteúdos de ensino da biologia, a professora participante solicitou aos estudantes, organizados em grupos, que realizassem a sua leitura. É interessante destacar que os autores informam que o objetivo da comparação não foi a hierarquização de nenhuma forma de conhecimento, mas, antes, o de buscar oportunidades adequadas para a realização do diálogo entre saberes, acompanhado da delimitação dos contextos de aplicação de cada uma das formas de conhecimento envolvida. Basicamente, os conteúdos desse material didático foram sobre as técnicas de cultivo dos vegetais e sobre a morfologia das plantas cultivadas no município.

Após a referida leitura, os estudantes foram conduzidos à explanação das suas opiniões para toda a classe. Neste tempo, houve mediação das falas por parte da professora, o que garantiu, aos estudantes agricultores, o estabelecimento de relações de semelhanças e de diferenças entre os seus saberes tradicionais e os científicos escolares no campo da botânica. Do mesmo modo, a compreensão dos contextos de aplicação de cada um dos conhecimentos que estavam sendo explanados. Servem como exemplos dois episódios descritos por Baptista e El-Hani (2009, p. 512):

Num determinado momento das intervenções pedagógicas, a professora fez comparações entre as descrições apresentadas pelos estudantes e aquelas pertencentes ao conhecimento científico escolar, como é possível observar na sua fala: "Gente, o que vocês chamam de caju a biologia chama de pseudofruto. Aquela parte que a gente come, chama pedúnculo floral. O que é o fruto é o que a gente chama de castanha". Noutro momento, a professora questionou os estudantes sobre quais as diferenças encontradas por eles, no material didático, entre o conhecimento tradicional agrícola e o científico escolar; e uma estudante, fazendo referências ao milho (Zeamays), respondeu: "[...] a gente chama de cabelo de milho mesmo agora a gente não sabia que também se chama de inflorescência. Esse nome Zea mays também a gente não conhecia. Agora nós já sabe que pode chamar de duas maneira".

Sobre os procedimentos e resultados apresentados acima, Baptista e El-Hani (2009) argumentam que houve a demarcação de saberes e isto porque foram abertos espaços para o diálogo, isto é, para a explanação dos argumentos pertencentes tanto à ciência escolar (biologia) quanto ao meio cultural dos estudantes agricultores. No caso da fala da professora, a demarcação e o diálogo aconteceram porque ela abriu espaço para que os estudantes percebessem as diferenças entre a terminologia científica e a terminologia tradicional, além da contextualização dos conhecimentos. Já no caso da fala da estudante, porque houve uma propensão da sua parte para manter ambos os conhecimentos, tanto tradicionais quanto científicos, em vez de simplesmente abandonar os primeiros, ou seja, os conhecimentos provenientes do meio cultural de onde ela pertence.

Considerações finais

Um ensino de ciências, para sociedades tradicionais, baseado na demarcação de saberes não conduzirá os estudantes à tentativa de substituição dos conhecimentos tradicionais por conhecimentos científicos, mas, sim, a momentos para que possam ampliar os seus universos de conhecimentos com concepções científicas.

A demarcação de saberes no ensino de ciências de escolas localizadas em sociedades tradicionais - assim como de escolas localizadas nos meios urbanos e que atendam estudantes provenientes dessas sociedades permite, aos estudantes, a compreensão de que existem outras vias de explicação da natureza, além daquelas que fazem parte dos seus cotidianos. Nessa perspectiva, a ciência representará, para esses estudantes, uma segunda cultura, que tem seus próprios domínios de validade e compromissos filosóficos, sobre a qual poderão perceber a existência de relações de semelhanças e/ou diferenças. Especificamente, entre os seus saberes que são tradicionais e os saberes científicos trabalhados nas aulas de ciências (BAPTISTA, 2007).

Para a demarcação de saberes, entretanto, o diálogo é condição essencial, por que cria oportunidade para a argumentação por parte dos sujeitos, especialmente dos estudantes. Por conseguinte, por desenvolver, neles, a consciência crítica, a autonomia, a emancipação e a valorização das suas culturas. Como bem indica Forquin (1993), uma educação escolar culturalmente apropriada deve ter por objetivo principal não somente ampliar o universo de conhecimentos do estudante com concepções científicas, mas também reforçar, no indivíduo, o ser social, o sentido de ser membro de uma coletividade, caracterizada por orientações culturais específicas.

Com a ampliação do universo de conhecimentos, os estudantes poderão compreender a legitimidade de diferentes modos de abordar os fenômenos naturais, podendo realizar escolhas em relação àquilo que consideram importante e aplicar os conhecimentos que têm ao seu dispor (científicos e/ou tradicionais) nos contextos em que julgarem necessários e/ou apropriados. No caso dos conhecimentos científicos, por exemplo, os estudantes podem utilizá-los para solucionar problemas para os quais os conhecimentos tradicionais da sua comunidade ainda não têm respostas, como as pragas agrícolas e seus danos para o cultivo de determinados vegetais para consumo próprio.

Agradecimentos

A Jorge Troche (Universidade do Minho, Portugal), pela valiosa contribuição para a escrita do artigo, sobretudo para a compreensão dos significados das palavras na tradução da língua inglesa para a portuguesa.

Artigo recebido em dezembro de 2009 e aceito em agosto de 2010.

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    Avenida Transnordestina, s\n, Novo Horizonte - Feira de Santana, BA, 44.036-900

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    Qual a importância da demarcação de terras é comunidades tradicionais de acordo com o estudo?

    A demarcação de uma terra indígena tem por objetivo garantir o direito indígena à terra. Ela deve estabelecer a real extensão da posse indígena, assegurando a proteção dos limites demarcados e impedindo a ocupação por terceiros.

    Qual é a importância de demarcação de terras de comunidades?

    A demarcação de terras, ao estabelecer os limites físicos das terras pertencentes aos indígenas, visa a proteger de possíveis invasões e ocupações por partes dos não índios. Assegurar a proteção desses limites é, também, uma forma de preservar a identidade, o modo de vida, as tradições e a cultura desses povos.

    Por que a demarcação de terras indígenas contribui para a preservação da identidade cultural?

    RESPOSTA: A delimitação de parques e terras indígenas inibe a invasão por parte de posseiros, grileiros, garimpeiros e empresas madeireiras, agrícolas ou de mineração, permitindo que os povos indígenas sobrevivam e que preservem sua cultura.

    Quais problemas as comunidades tradicionais como os índios enfrentam nas terras que ocupam?

    Ainda hoje, apesar de parcos avanços, sofrem com a falta de titulação de suas terras tradicionalmente ocupadas e vivem com pouca infraestrutura e qualidade de vida. As comunidades e povos tradicionais enfrentam problemas de habitação, falta saneamento, luz elétrica e vias de acesso aos seus locais de moradia.