Qual a importância da construção de uma identidade nacional?

RESUMO: O território está mais além do simples espaço geográfico delimitado ou ocupado, possui significação fundamental para a configuração do Estado Moderno. Embora a ideia de nação seja anterior ao Estado, a nacionalidade está intrinsecamente ligada a ele.

PALAVRAS-CHAVE: Território. Estado. Nacionalidade. Identidade.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO 1. O SIGNIFICADO DE TERRITÓRIO NA LITERATURA CLÁSSICA. 2. TERRITÓRIO E IDENTIDADE NACIONAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS

INTRODUÇÃO

A importância do estudo sobre o território se deve ao fato da sua vinculação indispensável à configuração do que se entende hoje por Estado, este elemento, o território, é uma das peças chave para que se estabeleçam os requisitos que resultam o Estado, segundo o entendimento doutrinário.

Embora as relações com o território tenham se desenvolvido de formas diversas a depender do Estado em questão (domínio, império, propriedade, direito, uso, etc.), o ponto de convergência entre todos eles é a existência de um território.

A origem do Estado está, indubitavelmente, relacionada a mudanças no modelo de vida das primeiras comunidades, quando os grupamentos familiares se desenvolvem e se constituem em grupos maiores que trocam a vida nômade, praticada por milhares de anos em decorrência da necessidade de buscar alimentos, ficando à mercê das condições naturais na batalha pela sobrevivência, pela vida sedentária.

Nos primórdios, quando o homem vivia em dependência absoluta das forças da natureza, a sua principal ocupação era a sobrevivência. A busca pelo alimento foi o condutor do ritmo, das práticas e até da cultura do homem primitivo. A necessidade de sobreviver fortaleceu a ideia da vida em coletividade, onde as possibilidades de proteção e alimentação eram maiores.

A extensão da família, como trânsito a um outro princípio, é, na existência, tanto o simples desenvolvimento num povo, numa nação, que por isso tem uma origem natural comum, como a reunião de coletividades familiares dispersas, seja pela força de um chefe, seja pelo consentimento livre, reunião que é requerida pelas exigências que comunizam ou pela recíproca ação em que elas são satisfeitas{C}[1]

A vida social se desenvolve como fruto de interesses recíprocos, onde a força resultante do trabalho coletivo supriria de maneira mais eficiente as carências básicas dos indivíduos, como um processo natural e histórico, seguindo os ensinamentos da Escola Histórica de Edmund Burke. Neste sentido, sobre o nascimento das cidades , Platão discorre que a cidade é consequência destas insuficiências pessoais em dominar as forças da natureza na luta pela sobrevivência  , de acordo com o sistema de carências descrito por Hegel{C}[2]:

O que causa o nascimento a uma cidade, penso eu, é a impossibilidade que cada indivíduo tem de se bastar a si mesmo e a necessidade que sente de uma porção de coisas; ou julgas que existe outro motivo para o nascimento de uma cidade?{C}[3]

Com o domínio da agricultura, um dos maiores desafios para a sobrevivência  foi superado, vez que o homem agora já dispõe de algum controle sobre a natureza com o plantio de alimentos. A agricultura foi a grande responsável pela mudança no sistema de vida e também pela noção de propriedade da terra. Esta, ganhando cada vez mais importância, agora denominada território, ao ápice de ser elencada como elemento indispensável para configuração do Estado.

Segundo o professor Baiardi, a evolução da sociedade principiada com a agricultura conduz à superação dos vínculos do sangue, nos grupos ampliados – cidades. Para as comunidades menores ele continua tendo relevância.

... a Sociedade – aqui definida como o agrupamento humano que se forma e se mantém após o estado da natureza e no qual não mais prevalecem os laços de sangue e nem os de religião – evolui, saindo do plano do clientelismo e do personalismo, próprios de uma sociedade com resíduos de patriarcalismo e patrimonialismo, para ingressar no plano da impessoalidade e do equilíbrio{C}[4]

O elemento geográfico “terra” por seu turno não se confunde com o elemento jurídico “território”, embora tenham sido usados como sinônimos em diversas ocasiões. Intentaremos neste esboço apresentar alguns aspectos que fundamentam tal distinção e corroboram com a ideia da necessidade do reconhecimento deste elemento indispensável do Estado, mas indo mais avante no sentido de estender a noção de território  a outros entes que não os Estados, ou seja, por ser elemento definidor da nacionalidade – todas as nações dentro de um Estado fazem jus ao seu território , atribuindo-lhes assim todas as prerrogativas que lhe são inerentes.

1. O SIGNIFICADO DE TERRITÓRIO NA LITERATURA CLÁSSICA

A origem do território está intimamente ligada ao surgimento da propriedade, embora os primeiros grupos sociais não se considerassem “donos” da terra, faziam uso dela e a defendiam contra invasores, a posse era mantida de acordo com a potencial capacidade de sua defesa. A sacralidade da terra retarda muito a percepção da propriedade imobiliária, segundo Gilissen{C}[5]:

O solo é sagrado, divinizado; ele é a sede de forças sobrenaturais. Um laço místico, por vezes materializado por um altar, existente entre os homens e os espíritos d terra, e também com os mortos, os antepassados enterrados neste solo.

...

O chefe, de resto, não deve ser considerado como o proprietário do solo; posse da comunidade, as parcelas são repartidas pelo chefe entre as famílias, geralmente por um curto lapso de tempo. Não existe apropriação por prescrição aquisitiva; qualquer que seja a duração da detenção de uma parcela, ela deve sempre retornar à comunidade. Não há terras vagas.  

O Direito antigo não distinguia posse de propriedade, posteriormente os romanos o fizeram criando a Teoria da Posse, embora neste momento esta conceituação não seja fundamental ao nosso propósito, a exemplo a afirmação de Hegel sobre o surgimento da propriedade como sinônimo de posse:

Que a coisa pertença àquele que foi cronologicamente o primeiro a tomar posse dela é uma regra supérflua que se compreende por si mesma, pois um segundo não poderia tomar posse do que já é propriedade de outro.{C}[6]

Ainda em Gilissen vemos que o processo de sedentarização generaliza a tomada da posse da terra de modo cada vez mais permanente, porque no momento anterior, enquanto o nomadismo ainda era a regra, os rebanhos (que eram comunitários) faziam com que as pastagens fossem consideradas como pertencentes ao grupo – ainda que temporariamente.

Na República platônica não há qualquer referência à formação do território, ele apenas trata da cidade já formada, sua construção, administração e governo, dentre outros.

Começarei por tentar convencer os chefes e os soldados, em seguida os outros cidadãos, de que tudo o que lhes ensinamos, educando-os e instruindo-os, tudo aquilo de que julgamos ter o conhecimento e a experiência, não passava, por assim dizer, de sonho; que, na realidade, eram então formados e criados no seio da terra, eles, as suas armas e tudo o que lhes pertence; que, depois de os ter  formado inteiramente, a terra, a sua mãe, lhes deu â luz; que, por isso, devem considerar a região que habitam como a sua mãe e ama,

defendê-la contra quem a atacar e tratar os outros cidadãos como irmãos, filhos da terra como eles{C}[7].

E continua:

Sócrates — Portanto, um homem une-se a outro homem para determinado emprego, outro ainda para outro emprego, e as múltiplas necessidades reúnem na mesma residência um grande número de associados e auxiliares; a esta organização demos o nome de cidade, não foi?{C}[8]

Na Política aristotélica se estabelecem diversos critérios para a fundação da cidade (localização, tamanho, relações comerciais, segurança, etc), porém não há referência à aquisição do território. Como se o território fosse imanente do Estado, importando mais sua dimensão e localização do que seu significado.

Quase o mesmo é o que deve ser dito de seu território. A medida mais conveniente é, sem dúvida, a que satisfaz mais do que suficientemente às suas necessidades, consistindo a suficiência em tirar de seu solo todo o necessário e não haver falta de nada. Assim, o território será fértil em todo gênero de produção e extenso o bastante para que seus habitantes possam nele viver livremente e à vontade, contendo-se nos limites da temperança{C}[9]{C}.

A aquisição do território (como qualquer outra propriedade) se dá pelo uso que é feito da terra, de acordo com Moraes{C}[10] a valorização do espaço ocupado pelo homem, através de suas interferências, agregam valor ao solo, mudam a paisagem, num processo cumulativo.

Tal teoria é inaugurada por Locke, atribuindo o direito de propriedade àquele que, empregando seu esforço e trabalho, faz uso da coisa, ou seja, se apropria, com o consentimento tácito dos demais.

Aquele trabalho estabeleceu uma distinção entre eles e o bem comum; ele lhes acrescentou algo além do que a natureza, a mãe de tudo, havia feito, e assim eles se tornaram seu direito privado.{C}[11]

Ainda em Locke encontramos a explicação de que a demarcação dos primeiros territórios estava baseada no consenso entre os vizinhos, que acordavam sobre o estabelecimento das fronteiras:

Mas à medida que as famílias aumentavam e a indústria ampliava suas reservas, suas posses se ampliaram segundo suas necessidades; mas isto não vinha acompanhado, em geral, da propriedade permanente das terras de que se serviam os interessados, até que um dia eles se uniram, estabeleceram-se em conjunto e construíram cidades; então, por consentimento, pouco a pouco começaram a fixar as fronteiras de seus diferentes territórios, entraram em acordo sobre os limites entre eles e seus vizinhos e, através de leis internas, estabeleceram as propriedades dos membros daquela sociedade{C}[12].

Após a fixação num determinado espaço geográfico, com as ações e eventos que criam uma identidade, acrescida de um grande número de elementos para a identificação daquele povo que pertence àquele lugar, o território vai ganhando maior relevância no sentido de condição definidora de pertencimento.

Acreditamos que as condições geográficas são influenciadoras diretas no processo de desenvolvimento de um determinado povo, pois na maior parte das comunidades habitantes de regiões inóspitas ou com grandes adversidades, o homem tem que desenvolver tecnologias para superar tais adversidades e, consequentemente, sobreviver.

Diametralmente oposta é a condição de desenvolvimento de povos de regiões agradáveis e com abundância de víveres, onde não há necessidade do despendimento de grande força para se sobrepor à natureza, gerando assim pouca tecnologia para tal intento, a exemplo trazemos os povos indígenas das regiões isoladas no Brasil, que por ter solo fértil, clima ameno, fartura de fauna e flora cria a condição propícia ao baixo desenvolvimento de tecnologias que os coloca numa condição semelhante ao período neolítico, onde o uso dos metais ainda era desconhecido. Nesse sentido já observava Montesquieu:

O calor do clima pode ser tão excessivo que o corpo estará completamente sem forças. Então o abatimento passará para o próprio espírito; nenhuma curiosidade, nenhuma iniciativa nobre, nenhum sentimento generoso; as inclinações serão todas passivas; a preguiça será a felicidade; a maioria dos castigos serão mente difíceis de suportar do que a ação da alma, e a servidão menos insuportável do que a força de espírito necessária para conduzir a si mesmo{C}[13].

...

Os legisladores da China tiveram dois objetivos: quiseram que o povo fosse submisso e tranqüilo e que fosse trabalhador e industrioso. Pela natureza do clima e do solo, ele tem uma vida precária; só se garante a vida com muita indústria e trabalho. Quando todos obedecem e trabalham, o Estado está numa boa situação. A necessidade e, talvez, a natureza do clima deram a todos os chineses uma inconcebível avidez pelo lucro; e as leis não pensaram em freá-la{C}[14].

No tocante à visão sociológica podemos perceber a existência da relação direta da vontade (determinação) com a produção cultural para o estabelecimento e reconhecimento de um território, pois ainda que inicialmente a eleição de um território se deva a elementos objetivos, como adequação da localização, fontes de água, possibilidade de defesa, entre outros, posteriormente a permanência se dá em decorrência de elementos subjetivos, como o apego à terra, crenças e referências sagradas com aquele solo e a cultura, tomando-se por fundamento Barbosa :

Cada grupo social é portador de signos de referência e códigos sociais inseridos em determinados territórios. Podemos dizer que o território é um espaço/tempo demarcado por intencionalidades humanas, cujas identidades possuem fluxos de correspondência e intensidades plurais, principalmente no tocante a afirmação individual e de grupos na sociedade urbana. {C}[15]

Para a conceituação no campo geográfico para Fernandes, o termo possui um significado multidimensional que decorre da transformação do espaço através da intencionalidade das relações sociais estabelecidas:

Os territórios são formados no espaço geográfico a partir de diferentes relações sociais. O território é uma fração do espaço geográfico e ou de outros espaços materiais ou imateriais. Entretanto é importante lembrar que o território é um espaço geográfico, assim como a região e o lugar, e possui as qualidades composicionais e completivas dos espaços. A partir desse princípio, é essencial enfatizar que o território imaterial é também um espaço político, abstrato. Sua configuração como território refere-se às dimensões de poder e controle social que lhes são inerentes. Desde essa compreensão, o território mesmo sendo uma fração do espaço também é multidimensional. Essas qualidades dos espaços evidenciam nas partes as mesmas características da totalidade.{C}[16]{C} (grifos do autor)

Na análise de Milton Santos o território é configurado, dentre outras, pela paisagem e o espaço, importando mais o uso que é feito pelo homem destes espaços e as interferências nele realizadas.

Cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos, providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da intrusão da sociedade nessas formas-objetos. Por isso, esses objetos não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é, de significação, de valor sistêmico{C}[17].

Na doutrina da teoria do Estado, o território é elemento essencial para a configuração do Estado, juntamente com o povo e o poder. Tradicionalmente sem o território estaremos diante de uma nação, e não de um Estado, neste sentido se pronunciaram Dallari, Bonavides, Azambuja, Bastos, dentre outros doutrinadores pátrios.

O território ultrapassa a ideia de espaço geográfico e alcança o status de elemento caracterizador da nacionalidade. Ou seja, ter um espaço geográfico  que fosse ocupado por um determinado povo seria fundamental para a sua caracterização enquanto nação – não apenas os elementos culturais, históricos, religiosos, normativos.

Para Oliveira{C}[18]: “ Nas ultimas décadas do século XX o território deve ser visto como um patrimônio da nação, e não a sua razão de ser. A partir da re-imaginação da identidade nacional em nova base, multifacetada e multiétnica.”

Ainda segundo o autor, o território é um dos fundamentos sobre o qual se constrói a identidade política.

O processo de construção identitária se perfaz no desenrolar da história, do contexto individualizado em cada grupo. O espaço geográfico ganha assim características únicas, que podem desenhá-lo num determinado período

Em face deste equacionamento, a valorização do espaço pode ser apreendida como processo historicamente identificado de formação de um território. Este envolve a relação de uma sociedade específica com seu espaço, num intercâmbio contínuo que humaniza essa localidade, materializando sincronicamente as formas de sociabilidade reinantes numa paisagem e numa estrutura territorial{C}[19].

2. TERRITÓRIO E IDENTIDADE NACIONAL

A ideia da nacionalidade surge a partir do surgimento das primeiras sociedades, o pertencimento ao clã/ tribo representa a própria sobrevivência e no evoluir histórico, a atribuição de uma série de prerrogativas, a exemplo dos cidadãos atenienses e romanos.

A cidadania ateniense equivale ao conceito de nacionalidade, até porque se trata de uma cidade-estado, onde os cidadãos eram detentores de poderes exclusivos, diferentemente da população restante.

O direito de julgar e deliberar cabe a todos ou apenas a alguns, e isso sobre todas as matérias, ou somente sobre algumas. Por aí se pode ver a quem convém o nome de cidadão em cada lugar. É cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e na deliberação. É a universalidade deste tipo de gente, com riqueza suficiente para viver de modo independente, que constitui a Cidade ou o Estado. Comumente, o costume é dar o nome de cidadão apenas àquele que nasceu de pais cidadãos. De nada serviria que o pai o fosse, se a mãe não for. Em alguns lugares, vai-se ainda mais longe, até dois avôs ou a um grau maior{C}[20].

A nação é uma realidade sociológica. É uma entidade de direito natural e histórico. Conjunto homogêneo de pessoas ligadas entre si por vínculos permanentes de sangue, idioma, religião cultura e ideais.{C}[21]{C}  No âmbito jurídico, é a detentora da soberania e possuidora da autodeterminação.

O conceito de nação nasceu como uma criação artificial, com o surgimento dos primeiros Estados nacionais, fortalecido no séc. XVIII para simbolizar a unidade popular nas lutas contra o absolutismo.

Reale define desta forma a nação enquanto representação do espírito que agrega um determinado povo por força de vínculos muito mais duradouros e fortes:

A Nação é uma realidade, não é uma noção artificial, nem uma simples ficção política. Existe como uma formação cultural histórica. Ao contrário do que diz Jellinek, ela possui uma realidade exterior, resultante de fatores múltiplos, de ordem econômica, racial, lingüística, religiosa, etc., mas sobretudo de ordem histórica, por todos esses laços sutis e fortes que ligam os homens estabelecidos em um mesmo território com uma comunhão de usos e costumes. Representa, pois, também, um valor de ordem espiritual, que Renan viu renovar-se perenemente como um “plebiscito de todos os dias.{C}[22]

E continua:    

Devido ao fato inegável da Nação constituir uma realidade, o grau mais alto de integração social até hoje alcançado convivência humana, e ao fato não menos importante de que a Nação já contém em esboço ou em forma latente a personalidade estatal, que só se torna completa mediante o ordenamento jurídico, é que se costuma dizer que a Nação é titular da soberania. {C}[23]

Para Maluf os fatores subjetivos são preponderantes para o estabelecimento do conceito de nação, e esta é uma entidade de direito natural e histórico.

Como se vê, sobre os fatores objetivos concorrentes preponderam no conceito de Nação, os fatores subjetivos, mais ou menos imponderáveis. Com efeito, a humanidade compõe-se de um conjunto de grupos distintos, os quais se localizam em certas e determinadas regiões do globo terrestre. Fatores éticos, étnicos, históricos, geográficos, políticos, econômicos, etc., determinam esses agrupamentos e lhe dão continuidade. A sua permanência demorada em determinada região acaba por imprimir nos indivíduos particularidades somáticas e psíquicas que os distinguem dos outros grupos humanos. O clima, a alimentação, a água, o próprio cenário geográfico no seu conjunto, se encarregam de esculpir a alma e o corpo dos elementos humanos, imprimindo-lhes esses caracteres psicofísicos comuns que identificam uma raça e configuram uma personalidade coletiva. A homogeneidade do grupo cria aquela solidariedade dos semelhantes a que alude Spencer; estabelece um parentesco espiritual, na expressão de Hauriou, determinando uma sólida comunhão de idéias, de sentimentos e de aspirações, a par do apego ao torrão natal.{C}[24](grifos do autor)

Na opinião de Bonavides a nação é um conceito plurisignificante, segundo o conceito voluntarístico baseado em princípios de ordem moral, cultural e psicológica, independente da presença de todos os elementos caracterizadores, dos quais o mais importante é a língua sem a qual a comunicação e a transmissão da cultura é pouco eficiente. De acordo com Mancini, estabelece o princípio que “toda nação tem direito de tornar-se um Estado”{C}[25]

Para Mancini a nação é “una società naturali di uomini, da unità di território, di origine, di costumi e di língua, conformata di vita e di conscienza sociale.”{C}[26]

Decorre deste conceito a organização do próprio Estado e a sua relação com os grupos internos. Se tomado por fundamento o conceito naturalístico de raça a estrutura nacional será baseada em princípios excludentes e racistas.

De acordo com o pensamento de Fischbach{C}[27] as minorias deverão estar protegidas sob o manto da Norma Fundamental, que disporá de relativa autonomia cultural dentro do Estado ao qual estão politicamente unidas.

Háblase de Estado nacional, cuando el Estado y la nación coinciden. Si en un Estado se agrupan indivíduos pertenecientes a diversas nacionalidades, se habla de Estados de nacionalidades (por ejemplo, Checoeslovaquia). Especial importancia há adquirido actualmente, desde la guerra mundial, la cuestión de las < minorias nacionales>. La mera opresión de las minorías por la fuerza no debe juzgarse desde el punto de vista del derecho, sino desde el de la moral, porque la protección eficaz de aquéllas solo puede emanar de una organización superestatal.

A importância do conceito de nação para Dallari, se traduz na necessidade da maior integração do povo de um determinado Estado com o objetivo da redução dos conflitos decorrentes da diversidade étnica e cultural existentes nos Estados plurinacionais.

Esse plurinacionalismo, significando a existência, dentro do mesmo Estado, de grupos sociais claramente distintos por sua cultura e por seus costumes, tem influência sobre a organização do Estado, que procura a unidade jurídica respeitando os valores fundamentais do homem, devendo, assim, conciliar a igualdade jurídica e a diversidade cultural.{C}[28]

Como se pode perceber após a amostragem dos mestres, a nação está ligada ao território, precisa dele para estabelecer suas bases, formar seus vínculos, sua história, neste sentido Oliveira afirma que o território desempenha papel basilar na construção da identidade nacional {C}[29]e o “sentimento de pertencimento a uma comunidade política é formado a partir de “comunidades imaginadas”, pensadas no coração administrativo da nação”.

Ainda segundo o autor, o território, e não a sociedade, é traço definidor da nacionalidade, quando analisa as condições da monarquia e da escravidão no Brasil as quais moldaram o discurso identitário.

A necessidade da tolerância nacional para Brito{C}[30] é fundamental no reconhecimento da existência de uma realidade pluriétnica no Estado, já que a homogeneidade, segundo ele, é um mito forjado pelo surgimento dos Estados nacionais absolutistas que suprimiram os grupos étnicos, criando assim a ideia de unidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atualidade nos impulsiona a reavaliar o papel do território, este elemento fundamental do Estado é também elemento essencial para o exercício da cidadania, pois aquele que pertence a um determinado lugar tem o dever de participar ativamente nas decisões sobre a condução administrativa do mesmo.

Gomes{C}[31] analisa a importância da relação do território com a cidadania e a utilidade do entendimento de como as disputas territoriais contribuem para o seu exercício , para ele:

 A cidadania não é, portanto, simplesmente uma representação dos indivíduos dentro do Estado-Nacional, e, sem dúvida, um fenômeno muito mais complexo que incide no quadro da dinâmica territorial cotidiana da sociedade, Assim, se estas diferenças existem, elas não são sinalizadas apenas pelo vago sentimento de nacionalidade em relação ao Estado, elas são vividas cotidianamente e referidas ao quadro territorial imediato onde deixam marcas, onde inscrevem seus códigos territoriais (de acesso, de hierarquia, de valorização, etc.). As discussões sobre cidadania e a democracia não podem portanto ignorar mais que estas noções possuem uma dimensão espacial ontológica e fundadora.

A identidade nacional advém desta multiplicidade de fontes, construída ao longo da trajetória histórica de cada povo num processo contínuo e inacabado que, neste contexto do novo papel do Estado desenhado pela formação das federações de Estados, no irreversível encaminhamento para a formação da comunidade global, assume papel relevante para o fortalecimento da ideia do nacionalismo legítimo.

Nacionalismo este que não se restringe a uma bandeira, antes é o reflexo da ligação de um povo às suas origens, as quais são construídas dentro de um espaço geográfico específico – o seu território. Como foi explanado anteriormente, é o território um dos fatores determinantes dos comportamentos de um povo, porque como foi dito, as práticas e muitos dos costumes de um povo surgem como necessidade da adequação/domínio da terra e, posteriormente se incorporam à cultura popular.

Retirar um povo do seu território, ou as interferências externas ao povo para regular o uso do território (sob os mais diversos aspectos) é um atentado contra a própria nacionalidade e não deve ser tolerado.

A percepção da multinacionalidade é medida necessária para os Estados que, como o Brasil, são compostos por várias nações, para que haja o efetivo reconhecimento das mesmas e a respectiva atribuição dos direitos a elas inerentes, em especial o direito ao território próprio dentro do território federal.

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Qual a importância de uma identidade nacional?

Portanto, um dos fortes aspectos da identidade nacional brasileira é a língua. Há quem defina a identidade nacional como um conceito que indica a condição social e o sentimento de pertencer a uma determinada cultura. E muitos entendem que a cultura e a identidade estão inteiramente ligadas.

Qual a importância da construção de uma identidade nacional para o Estado Novo?

Os esforços para se constituir a identidade brasileira, que também é chamada de brasilidade, estão ligados à necessidade de uma coesão social que acompanhe a existência de um Estado que administra todo o território nacional.

O que é a construção de uma identidade nacional?

A identidade nacional é construída, dialogicamente, a partir de uma autodescrição da cultura. Dois grandes princípios regem as culturas: o da exclusão e o da participação. Com base neles, elas autodescrevem-se como culturas da mistura ou da triagem. A cultura brasileira considera- se uma cultura da mistura.

Qual a importância da historiografia para a construção das identidades nacionais?

O ensino de História possui objetivos específicos, sendo um dos mais relevantes o que se relaciona à constituição da noção de identidade. Assim, é primordial que o ensino de história estabeleça relações entre identidades individuais, sociais e coletivas, entre as quais as que se constituem como nacionais.