Quais são as consequências para o meio ambiente da presença de estradas na Amazônia?

As estradas são o motor mais poderoso do desmatamento [1-5]. A construção ou melhoria de uma estrada aumenta a migração para a área de acesso, aumenta a lucratividade da agricultura e da pecuária e aumenta muito o valor da terra, com consequente desmatamento especulativo e rotatividade de proprietários de terra em favor de atores mais ricos que desmatam mais rapidamente do que os proprietários anteriores [6, 7]. O desmatamento segue estradas, e a presença do desmatamento tem um efeito contagioso, levando a uma maior aceleração do desmatamento ao longo dessas rotas [8, 9]. Aproximadamente 80% da perda florestal na Amazônia brasileira ocorreu no “arco do desmatamento”, uma faixa em forma de crescente ao longo das bordas sul e leste da floresta (Figura 7).

Quais são as consequências para o meio ambiente da presença de estradas na Amazônia?
Figura 7. Amazônia Legal. A rodovia BR-319, ligando o arco de desmatamento com Manaus, daria aos agentes de desmatamento deste arco acesso às áreas que já tem estradas a partir de Manaus, enquanto estradas planejadas conectando com a BR-319 abririam a parte oeste do Amazonas.

Novas rodovias estão trazendo a atividade de desmatamento para o coração da Amazônia. O caso mais crítico é a reconstrução planejada da rodovia abandonada Manaus-Porto Velho (BR-319), que conectaria o arco do desmatamento com a Amazônia central, trazendo os atores e processos de Rondônia para grandes áreas no Amazonas e Roraima que possuem estradas dando acesso a partir de Manaus, bem como a abertura do grande bloco de floresta intacta na porção oeste do Estado do Amazonas por meio de estradas planejadas, como a AM-366 [10, 11]. A primeira versão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) ([12], vol. 1, p. 205) para a BR-319 até mesmo apresentou o Parque Nacional de Yellowstone como o cenário esperado para o desmatamento, com turistas passeando de carro pela área em uma “estrada-parque” sem cortar uma única árvore [13, 14] (Figura 8).

Figura 8. Mapa do Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, reproduzido do primeiro EIA da BR-319 [12], apresentado para mostrar como a rodovia poderia ser uma “estrada-parque” sem desmatamento. Infelizmente, uma fronteira na Amazônia é muito diferente de Yellowstone


A natureza irreal desse retrato de uma fronteira amazônica seria difícil de exagerar. Em uma vida passada, este autor foi funcionário do Serviço Nacional de Parques dos Estados Unidos em um parque não muito distante de Yellowstone, e ele pode testemunhar que o cenário de Yellowstone representa um mundo completamente diferente do caos de uma fronteira amazônica como a da rodovia BR-319. A ilustração reveladora de Yellowstone desapareceu do EIA atual [15], mas o EIA ainda afirma que a BR-319 será uma “estrada-parque” onde a governança prevalecerá.

Embora os políticos de Manaus afirmem que “não há impacto na BR-319” [16] e que a rodovia será “um exemplo sustentável para o mundo” [17], essas descrições não guardam nenhuma relação para a realidade. Um sinal disso é a discussão que já dura anos sobre quem vai pagar pelos dois postos de fiscalização que o IBAMA exigiu como pré-condição para o licenciamento, com um posto a ser implantado em cada ponta do “trecho do méio” da rodovia. Nem o governo federal nem o estadual querem pagar, e a proposta mais recente sugerida pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNIT) em reunião do Forum da BR-319 é de pedir aos governos dos municípios ao longo da rodovia que paguem.

Se os governos não estão dispostos a pagar por dois simples postos de fiscalização, a ideia de que um programa massivo de governança será implantado para proteger as dezenas de unidades de conservação e terras indígenas que seriam impactadas [18] é obviamente uma ficção. “Cenários de governança” irrealistas, como o do EIA, servem como desculpas para justificar o licenciamento de rodovias que implicam em impactos muito reais. [19]


A imagem que ilustra este artigo é de autoria de Michael Dantas/WWF-Brasil, e mostra caminhões transportando toras de madeiras de desmatamento ilegal, na BR-319, próximo a Porto Velho, RO em setembro de 2019.


Notas

[1] Kirby, K.R., W.F. Laurance, A.K. Albernaz, G. Schroth, P.M. Fearnside, S. Bergen, E.M. Venticinque & C. da Costa. 2006. The future of deforestation in the Brazilian Amazon. Futures 38: 432-453.

[2] Laurance, W.F.,M.A. Cochrane, S. Bergen,P.M. Fearnside, P. Delamônica, C. Barber, S. D’Angelo & T. Fernandes. 2001. The future of the Brazilian Amazon. Science 291: 438-439.

[3] Pfaff, A.S.P. 1999. What drives deforestation in the Brazilian Amazon? Journal of Environmental Economics and Management 37(1): 26–43.

[4] Pfaff, A. S.P., J. Robalino, R. Walker, S. Aldrich, E. Reis, S. Perz, C. Bohrer, E. Arima, W. Laurance & K. Kirby. 2007. Road investments, spatial spillovers, and deforestation in the Brazilian Amazon. Journal of Regional Science 47(1): 109–123.

[5] Soares-Filho, B.S., D.C. Nepstad, L.M. Curran, G.C. Cerqueira, R.A. Garcia, C.A. Ramos, E. Voll, A. Mcdonald, P. Lefebvre & P. Schlesinger. 2006. Modeling conservation in the Amazon Basin. Nature 440(23): 520-523.

[6] Fearnside, P.M. 1988. Causas de desmatamento na Amazônia brasileira. Pará Desenvolvimento 23: 24‑33.

[7] Fearnside, P.M. 1987. Deforestation and international economic development projects in Brazilian Amazonia. Conservation Biology 1(3): 214‑221.

[8] Rosa, I.M.D., D. Purves, C. Souza, Jr. & R.M. Ewers. 2013. Predictive modelling of contagious deforestation in the Brazilian Amazon. PLoS ONE 8(10): e77231.

[9] Rosa, I.M.D., D. Purves, J.M.B. Carreiras & R.M. Ewers. 2014. Modelling land cover change in the Brazilian Amazon: Temporal changes in drivers and calibration issues. Regional Environmental Change

[10] Fearnside, P.M., 2020.BR-319 – O começo do fim para a floresta amazônica brasileira. Amazônia Real,06 de outubrode 2020.

[11] Fearnside, P.M., L. Ferrante, A.M. Yanai & M.A. Isaac Júnior.2020.b Região Trans-Purus, a última floresta intacta. Amazônia Real.

[12] UFAM. 2009. Estudo de Impacto Ambiental – EIA: Obras de reconstrução/pavimentação da rodovia BR-319/AM, no segmento entre os km 250,0 e km 655,7. Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Manaus, Amazonas. 6 Vols. + Anexos.

[13] Fearnside, P.M. 2015. Highway construction as a force in destruction of the Amazon forest. In: R. van der Ree, D.J. Smith & C. Grilo (eds.) Handbook of Road Ecology. John Wiley & Sons, Oxford, Reino Unido. p. 414-424. https://doi.org/10.1002/9781118568170.ch51

[14] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.

[15] DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 2020. BR-319/AM: EIA – Estudo de Impacto Ambiental Segmento do km 250,00 ao km 655,70. DNIT, Brasília, DF. 2.795 p.

[16] Diário do Amazonas. 2015. Parlamentares dizem que não há impacto ambiental na BR-319. Diário do Amazonas, 29 de outubro de 2015, p. 4.

[17] Amazonas em Tempo. 2020. BR-310 será exemplo sustentável para o mundo, dizem deputados. Amazonas em Tempo, 22 de setembro de 2020.

[18] Ferrante, L., M.P. Gomes & P.M. Fearnside. 2020. BR-319 ameaça povos indígenas. Amazônia Real.

[19] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, E.U.A.


Leia os outros artigos da série:

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra

O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração

Quais as consequências para o meio ambiente da abertura de estradas na Amazônia?

Os danos ambientais causados pelas obras da rodovia BR-319 podem aumentar o desmatamento na região amazônica, a ocupação ilegal de terras e a poluição em Manaus, segundo pesquisadores.

Quais são os principais problemas ambientais que afetam a Floresta Amazônica?

O desmatamento, as queimadas, a garimpagem, o agropastoreio e a biopirataria representam os principais problemas ambientais enfrentados pelo bioma amazônico. O conjunto formado por essas ações devastadoras é responsável por graves mudanças climáticas em todo o planeta, como o aquecimento global.

Quais os principais impactos negativos que a construção de rodovias trouxe a região Norte?

Por outro lado, estão os impactos negativos como desmatamento no momento da construção da obra, interrupção de corredores bióticos que durarão eternamente ou enquanto existir essa rodovia, compactação de solo, desvio de águas pluviais, geração de resíduos sólidos, dentre outros.

Quais são as consequências da destruição da Floresta Amazônica?

Além de provocar desequilíbrio ambiental, a extinção de espécies pode impactar atividades econômicas, como a agricultura, a pesca e a pecuária. O desmatamento da Amazônia contribui para o aumento do aquecimento global.

Quem são os causadores da crise ambiental amazônica?

Entre as principais causas do desmatamento da Amazônia, podem-se destacar a impunidade a crimes ambientais, retrocessos em políticas ambientais, atividade pecuária, projetos de extração de madeira, mineração, estímulo à grilagem de terras públicas e a retomada de grandes obras.