Quais interesses motivaram a participação dos Estados Unidos na Primeira guerra Mundial lembrando que o mesmo entrou na guerra somente em 1917?

Quais interesses motivaram a participação dos Estados Unidos na Primeira guerra Mundial lembrando que o mesmo entrou na guerra somente em 1917?

Detalhe de capa de A Junta da Emigração: Os discursos sobre a emigração e os emigrantes no Estado Novo do Pós-Guerra (1947-1970), de Marina Simões Galvanese (2013)

Diogo Teixeira Guedes Ferreira possui licenciatura em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada do Porto. Em 2011 concluiu o Doutorado em História Política Contemporânea pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, como tema “A Emigração a partir do Distrito do Porto para o Brasil: do final da Primeira Guerra Mundial à Grande Crise Capitalista (1918-1931)” sob orientação de Maria da Conceição Coelho de Meireles Pereira. Atualmente é investigador do Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade (CEPESE). Em suas obras aborda as relações entre Brasil e Portugal, como em “As Relações Portugal-Brasil e a emigração portuguesa. O impacto da legislação nacionalista de Getúlio Vargas” (2017), Além de analisar aspectos do governo português, através das obras: “Os Presidentes do Parlamento Português – III República (1974-2015)”, “Há Cem Anos – A República, Vitorino Magalhães Godinho (2018)”; “A Associação de Futebol do Porto. Uma Instituição Centenária (2018)”; “O noticiário internacional no jornal oficial do Estado português (1715- 1716 e 1868) – uma fonte para a História das Relações Internacionais” (2019).

Analisando a estrutura do livro a ser resenhado, se trata de uma obra da CEPESE, que tem como objetivo publicar pesquisas acerca da presença dos portugueses na Europa. A obra é composta por Resumo, Introdução e mais Cinco Capítulos. Desta forma, o livro a ser analisado trata-se da tese de Doutorado de Diogo Ferreira defendida no ano de 2011. Leia Mais

Tags: América – Brasil, Brasil. Porto de Esperança: A emigração do Porto para o Brasil entre o final da Primeira Guerra Mundial e a Crise Capitalista de 1929 (T), CEPESE (E), Crise Capitalista, DEBASTIANI Jesiane (Res), Emigração, Europa - Portugal, Fênix (Fnr), FERREIRA Diogo (Aut), Primeira Guerra Mundial, Séc. 20

Quais interesses motivaram a participação dos Estados Unidos na Primeira guerra Mundial lembrando que o mesmo entrou na guerra somente em 1917?

Ivette Trochon | Foto: Fernando Pena/Brecha

Esta obra de Yvette Trochon ofrece la posibilidad de incursionar en un tema escasamente tratado por la historiografía regional y menos aún por la uruguaya: el pacifismo femenino. La autora nos introduce en el mundo de la guerra y la paz, rescatando el rol de las «pacifistas», aquellas mujeres «que hicieron públicas sus inclinaciones por la paz a través de la literatura, el periodismo, el arte o la militancia en organizaciones creadas específicamente para tales fines» (16). El hilo conductor de la obra es el análisis de las reflexiones femeninas sobre la paz y las prácticas concretas que llevaron a cabo para alcanzarla o defenderla. Sin dejar de lado, a las voces masculinas que también abogaron por la paz, desde diversas perspectivas: filosóficas, jurídicas, historiográficas, socialistas. Si bien el pacifismo no surge en este período, fue en estas décadas que adquirió un carácter masivo, por la emergencia de asociaciones con marcados discursos antimilitaristas, opuestas al servicio militar obligatorio y promotoras de la objeción de consciencia. Leia Mais

Tags: América - EUA, América - Paraguai, América – Argentina, América – Bolívia, América – Uruguai, CAWEN Inés Cuadro (Res), Claves (Cvr), Editorial Fin de siglo (E), Europa - Inglaterra, Europa – Espanha, Europa – Holanda, Europa – Hungria, Europa – Rússia, Guerra Civil Espanhola, Las pacifistas en un mundo de catástrofes (1914-1945) (T), Mulheres, Pacifistas, Primeira Guerra Mundial, Revolução Russa, Séc. 20, Segunda Guerra Mundial, TROCHON Ivette (Aut)

DUMENIL, Lynn. The Second Line of Defense: American Women and World War I. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 2017. 360p. Resenha de: SCREWS, Raymond D. Teaching History – A Journal of Methods, v.45, n.2, p.60-62, 2020.

When considering American women’s role during a large twentieth century war, many do not think of the First World War. Outside of the Red Cross or the YWCA, the story many of us learned about the Great War does not include women. We do not have that powerful image of Rosie the Riveter of World War II to connect us to the strong woman of World War I. But Lynn Dumenil closes that gap of knowledge in her outstanding book, The Second Line of Defense: American Women and World War I.

Dumenil is careful not to use “American Women in World War I,” (emphasis mine) in the subtitle because she covers so much more than American women in the war. For example, she effectively weaves the women’s suffrage movement into the larger context of the story. Women’s involvement in the war effort was not only beneficial to a country at war, but also impeccably important to women’s suffrage and women’s rights in general, and the image of women in America less than two decades removed from the end of the nineteenth century. Dumenil is masterful in her coverage of the suffrage movement and the Great War in the first chapter. So this book is so much more than a study about American women working in the war industry, although that is a crucial element as well.

In a general sense, Dumenil succeeds in addressing the social and political climate of a century ago in the United States with war as a backdrop while also in the forefront, and how women.

were both plagued by American gender norms in the late teens, and how women shaped the country during a difficult time for them. But she is especially sharp in her coverage of African American women during World War I throughout The Second Line of Defense. Of course, African American women had to fight harder than white women, and organizations such as the YWCA, and the National American Woman Suffrage Association, among many others, discriminated against them. Overall, White women were just as prejudiced against African Americans as White men.

The book covers women’s issues, roles, and the war domestically and in Europe. Dumenil also includes the wonderful chapter, “Visual Representations of Women in Popular Culture,” in which she evaluates war posters and the cinema. The book’s epilogue places women’s gains during the war years into the larger context of the 1920s. There is most assuredly something missing, but it does not feel that way. If there is one criticism, it is that Dumenil includes too much. But that is also the book’s strength. She embraces several areas of a complex topic encompassing a number of organizations, characters, and issues, while effortlessly meshing them into a singular story.

Dumenil’s research is broad and inclusive, with many vital primary sources cited including papers from the organizations covered in the book. She also lists a plethora of secondary sources in the bibliography. Those teaching undergraduate and graduate students should find The Second Line of Defense valuable in class, including survey courses. In introductory courses, the book can be used as a valuable tool to explain women’s roles in war, instead of the more traditional World War II studies. But it can also be utilized in American history classes from freshman courses to graduate seminars so students gain a deeper understanding of the women’s suffrage movement during the touchy and sensitive years of the First World War. And, of course, it is valuable as a study about American society during the first twenty years of the twentieth century and how women challenged the status quo in the era of the Great War.

The Second Line of Defense adds to the library of an outstanding scholar, in which she introduces new insights from her impressive use of primary and secondary sources. But it is much more that. Dumenil provides an enriched understanding of what might be considered the beginning of the modern women’s movement. That can be debated, but there is little doubt, as Dumenil so keenly illustrates, that American women during the First World War played a richly crucial role in the war effort and utilized their role to gain the constitutional right to vote.

Raymond D. Screws – Arkansas National Guard Museum.

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GERWARH, Robert; MANELA, Erez. Impérios em Guerra (1911-1923). Lisboa: Dom Quixote, 2014. Resenha de: SAMPAIO, Thiago Henrique. Colonialismo e conflitos: a Primeira Guerra revisitada. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 10, n. 2, ago.-dez., 2017.

Ao se pensar Primeira Guerra Mundial, em contrapartida acaba-se por lembrar das consequências do conflito na Europa, mas a participação de outros continentes e as áreas coloniais neste conflito é normalmente esquecida. Estas inquietações motivaram a presente obra Impérios em Guerra (1911-1923), na qual buscou-se um panorama da guerra a partir da perspectiva de Impérios em disputas e não de Estados-Nações.

Essa obra é resultado de duas conferências temáticas sobre o assunto ocorrida em Dublin em 2010 e 2012, a sua elaboração contou com auxílio financeiro do Conselho Europeu de Investigação (CEI). A publicação ocorreu no ano do centenário do início da Primeira Guerra Mundial.

Na introdução, os organizadores apresentaram que a guerra será estudada em um quadro temporal e espacial maior do que o convencional, pois a desmobilização das tropas dos exércitos coloniais, na Ásia e da Europa Centro-Leste não se encerraram ao final do Conflito Mundial. Desta forma, é mostrada a Primeira Guerra como um enfretamento de Impérios globais e multiétnicos e não entre Estados-Nações. Os organizadores definem que Império seria uma entidade política cujas populações e territórios estão dispostos e são administrados de forma hierarquizada em relação ao centro imperial. Assim, “a Grande Guerra foi uma guerra de impérios, travada principalmente por impérios e pela sobrevivência ou expansão de impérios” (p. 50).

No primeiro capítulo, O Império Otomano, Mustafa Aksakal afirmou que o processo de declínio deste território vinha muito antes do conflito mundial. Ao longo dos séculos, os otomanos eram uma experiência de sucesso como instituição multiétnica que foi acabada com a Primeira Guerra Mundial.

Em suas análises, é mostrando o anacronismo existente na administração imperial. Pois era um Estado cheio de dívidas e agrediam as populações não muçulmanas, no que causou nestas o desejo de independência. Na construção deste capítulo, o autor baseou-se em relatos diplomáticos europeus, na qual mostram uma má gestão otomana, e fontes otomanas em que o Império é vítima do imperialismo europeu. A Primeira Guerra Mundial foi tratada pela administração otomana como um conflito ideológico e militar. No primeiro caso, o sultão otomano buscou trata-la como uma Guerra Santa, apelou para os súditos muçulmanos e residentes islâmicos fora do império para participarem da causa em favor da Tríplice Aliança. Na segunda questão, tentou a recuperação de territórios perdidos anteriormente com países europeus.

O Estado Otomano tomou medidas preventivas contra populações cuja lealdade desconfiava, como os armênios e os árabes. No caso armênio, aconteceu o episódio conhecido como Holocausto Armênio que é até hoje denunciado internacional e a Turquia atual não o reconhece. No caso árabe, as privações sofridas por esta população causaram a Revolta Árabe de 1917 que enfraqueceu o Império Otomano nessas localidades. Ao final do conflito, diversas regiões do império são ocupadas e fragmentadas entre as potenciais vencedoras, o processo de substituição do Império Otomano pelo Estado-Nação Turco não foi rápido e nem simples como demonstrado pelo autor ao final do capítulo.

No segundo capítulo, O Império Italiano, Richard Bosworth e Giuseppe Finaldi mostraram como a Itália, um país recém unificado, se fez ou tentou se fazer presente na Primeira Guerra Mundial. O Estado Italiano construiu a ideia em sua população de uma Terceira Itália, na qual apropriou-se do tempo e da tradição imperial daquele território, rememorando os grandes feitos do Império Romano e dos Estados Italianos que lideraram a cultural ocidental durante o Renascimento.

A ocupação de áreas do Império Otomano, como a Líbia, foi tratada pela sua administração como uma forma de mandar a população mais pobre para terras férteis e estancar a emigração para o continente americano. A invasão a essa localidade sofreu severas críticas tanto por liberais e socialista na Itália.

Em outras colônias italianas, como a Eritreia não houve nenhum indício de rebelião durante a Primeira Guerra Mundial que questionasse a dominação da Itália.

Essa colônia era para os italianos a porta de entrada para a Etiópia região cobiçada pelo país desde o século XIX. No caso da Somália Italiana, a ocupação era precária e dava margens aos potentados locais a participarem da administração.

No capítulo seguinte, O Império Alemão, Heather Jones declarou que no caso da Alemanha existia uma relação complexa que desafia a compreensão cronológica e espacial tradicional do Imperialismo. A ideia de império se baseou em três componentes imperiais distintos que foram: o formado após a unificação da Alemanha em 1871; o território alemão mais os Estados satélites ocupados por ele ao longo da Primeira Guerra; e o os territórios alemães de além-mar.

O projeto de colonização alemã na África foi algo recente, começou na última década de Oitocentos e as primeiras do século XX. Segundo Heather Jones, a crise do Marrocos (1911) foi um ensaio alemão para a Primeira Guerra Mundial. A Alemanha ansiava por colônias desde a década de 1880 para se transformar em um modelo contemporâneo de Estado-Nação/Império.

A Alemanha expandiu-se na Europa ao longo da disputa. A Primeira Guerra foi usada pelos alemães para defender, expandir e consolidar as fronteiras do Império na Europa. A sua radicalização beligerante ao longo do conflito mundial baseou em suas táticas de repressão aos povos africanos.

Até 1916, todas os seus territórios coloniais foram capturados pelos adversário.

Ao final da guerra, os três componentes imperiais que baseavam seu Império caíram e a Alemanha sofreu consequências graves no período posterior.

No quarto capítulo, A Áustria-Hungria, Peter Haslinger mostrou que o Estado austro-húngaro existia uma solidariedade entre os povos que o compunham, mas era um império debilitado a décadas. A noção de irmandade entre seus povos, sofreu seu primeiro revés no século anterior, em 1867, quando ocorreu o Compromisso Austro- Húngaro despertou o desejo e sentimento de outros povos pela emancipação.

Ao longo da história do império, ele nunca adotou uma política de discriminação para nenhum de seus povos. No entanto, ao longo da Primeira Guerra Mundial, duas medidas causaram efeitos nacionalistas em seu território: Quatorze Pontos de Woodrow Wilson (8 de janeiro de 1918) e a Declaração do Direitos dos Povos da Rússia (15 de novembro de 1917).

Ao final do conflito mundial e com o desmantelamento gradual do Império, aumentasse a responsabilidade das administrações regionais frente a Viena. Entre os dias 8 a 11 de abril de 1918, ocorreu em Roma, o Congresso das Nacionalidades Oprimidas formada pelos diferentes povos que compunham o território que desejavam uma autonomia completa. Em agosto de 1918, a Tchecoslováquia tem reconhecida sua independência, o mesmo passo é seguido por demais áreas do Império entre os meses de outubro e novembro de 1918.

Os meses finais de 1918 confirmaram o fim da monarquia dual existente na Áustria-Hungria. Após a sua dissolução, o problema dos Balcãs, que desencadearam o conflito mundial, continuaram.

No quinto capítulo, O Império Russo, Joshua Sanborn mostrou que ao longo da história do Império Russo ocorreram conquistas modestas e fracassos que ajudaram no desenvolvimento do seu poderio militar. Desde 1881, o império passou por um processo de russificação iniciado pelo czar Alexandre III, após essa medida os movimentos nacionalistas separatistas nunca foram uma ameaça real ao território. Ao iniciar a Primeira Guerra Mundial, os povos que o compunham sofreram tratamento militar diferente conforme a assimilação que as populações haviam passado pela russificação. A administração imperial mudou, o sistema de governança foi substituído por um sistema de governança militar entre os generais que ocuparam territórios no conflito.

Essa transformação desencadeou falhas para o Império, ocorrendo resistências locais, crises econômicas, aumento da inflação e falta de alimentos.

Em 1915, os russos sofreram fortes baixas como parte dos territórios polacos e a Ucrânia. No ano seguinte, ocorreu vitórias irregulares e inconclusivas. O sistema econômico, que já estava debilitado anteriormente, começou a ruir pela escassez de mão de obra. Uma solução encontrada para cobrir essa demanda foi o uso de prisioneiros de guerra em campos de trabalho forçado.

Em junho de 1916, o tratamento militar distinto entre as minorias étnicas foi cancelado, o Conselho de Ministros incorporou populações que eram isentas ao serviço militar para as frentes de conflito. Em finais daquele ano, as fronteiras ocidentais estavam sob ocupação estrangeira ou debaixo de administrações militares incapazes.

Com o início da Revolução Russa, em 1917, o país retirou-se do conflito mundial, para tentar resolver seus problemas internos. A primeira fase da Revolução, iniciada em fevereiro, mostrou uma política liberal fracassada que despertou o nacionalismo em diversas regiões do Império, como a Finlândia, Geórgia e a Ucrânia. Com a passagem do poder para as mãos dos sovietes, em outubro, a possibilidade de independência de outras regiões do império alterou-se, pois a independência de qualquer território transformaria aquela região dependente do Império Alemão.

Ao final da Primeira Guerra, ocorreu o colapso absoluto do Império Russo que adentrava em um conflito civil. Ao final da Guerra Civil Russa, o Kremlin transformouse em um novo centro imperial com novas perspectivas de expansão.

No capítulo seguinte, O Império Francês, Richard S. Fogarty apresentou a visão de uma Grande França que entrou no conflito, essa entidade seria a união da metrópole com as colônias. Nesta perspectiva, os territórios ultramarinos ajudaram a travar uma guerra total, pois foi arrecado 650 milhões de franco de assistência econômica proveniente das áreas do ultramar, 500 mil súditos soldados e 200 mil trabalhadores provindo do além-mar para a indústria da guerra foram mobilizados.

A Primeira Guerra tornou o império rentável para a França, tratando-o como uma entidade única. No decorrer do conflito, o Império era mais importante psicologicamente do que materialmente, pois causava na população que era empregada no conflito um sentimento de unidade para uma causa maior.

Nos últimos dois anos de guerra, ocorreram uma resistência ao recrutamento no ultramar, desta forma empregou-se o trabalho forçado para a indústria de guerra e o convocação obrigatória de soldados. Essa mudança de perspectiva da população deveuse o conflito estar associada a morte ou a perda de capacidade física para os que entraram nela. No período posterior, o significado do Império Francês alterou-se, ganhou importância para a defesa e a vida da nação.

No sétimo capítulo, A África Imperial Britânica, Bill Nasson demonstrou como o Império Britânico se fragmentou em três frentes de conflito: Europa, Ultramar e Oriente Médio e a importância das colônias para defender os interesses da metrópole.

Desta forma, a guerra travada pelo Império Britânico em África era para aumentar seu poderio colonial no continente e legitimar seu domínio do mar.

Para a população colonial em África, ocorreu um atrativo no alistamento militar para a guerra pois era associada a autoridade patriarcal e a identidade guerreira de certas tribos, além da remuneração compensar para os jovens que não tinham nenhum ofício. A Primeira Guerra na África Britânica foi heterogênea em seus territórios: a África do Sul buscou expandir com a incorporação do Sudoeste Alemão; no Sudão houve uma cautela no recrutamento de soldados devido aos chefes locais e medo de insurreições muçulmanas; na Rodésia ocorria interações tensas entre os soldados britânicos e a população local.

No oitavo capítulo, Os domínios, a Irlanda e a Índia, Stephen Garton apresentou as demais entidade políticas que compunham o Império Britânico: a Nova Zelândia, a Austrália, a Índia e a Irlanda. Por ser uma entidade polimórfica, o Império Britânico desenvolveu estratégias distintas para suas diversas regiões que participaram do conflito mundial.

Mesmo sendo uma entidade heterogênea, algumas consequências foram comuns em diversas localidades do império como greve de trabalhadores cansados dos fardos da guerra e medo de rebeliões internas devido minorias alemãs em suas áreas.

Após a Primeira Guerra Mundial, ocorreu maior independência nas entidades políticas que compunham o Império e aconteceu sua expansão, através da incorporação de territórios da Alemanha e do Império Otomano. Desta forma, o conflito mundial não foi apenas da Grã-Bretanha, mas de todo um grupo de entidades soberanas que se consideravam parte de um mesmo ser: o Império Britânico.

No nono capítulo, O Império Português, Filipe Ribeiro Meneses apresentou a importância do peso do colonialismo na história portuguesa diferente dos demais impérios europeus. Desta forma, a República Portuguesa, que foi instaurada em 1910, via necessidade na manutenção do país como uma potência colonial. No entanto, a falta de investimento do Estado e recursos humanos para trabalharem no ultramar causavam um colonialismo fraco comparado com os demais países.

Ao longo da Primeira Guerra Mundial, Portugal mobilizou tropas em suas colônias para garantir a continuidade do seu Império. Ao final do conflito, na Conferência de Paz de Paris as potências europeias tiveram interesses em partes dos territórios lusitanos, mas com um forte apelo diplomático e histórico, Portugal conseguiu manter seus territórios.

Em, O Japão Imperial e a Grande Guerra, Frederick Dickinson evidenciou a importância da Ásia Oriental como local crucial para as disputas imperiais. Até a Primeira Guerra Mundial, ele aumentou seu território imperial através de exploração de áreas do território chinês (1895) e a Guerra contra o Império Russo (1905). Entre os anos de 1914 a 1919, o Japão não aumentou suas áreas, mas manteve uma ação na Sibéria para conter a Revolução Russa.

Após a Primeira Guerra Mundial, os japoneses passaram ao cenário internacional como potência mundial, devido sua atuação no conflito. No entanto, a guerra na Ásia não terminou com o Tratado de Versalhes, lá ela terá sua temporalidade própria diferente da Europa. O estado de beligerância acabou na Ásia após a Conferência de Washington em 1921.

No capítulo, A China e o Império, Xu Guoqi assinalou que durante o conflito libertaram-se os fantasmas da época imperial chinesa. Após a Guerra Sino-Japonesa (1894-1895), os chineses começaram a repensar o papel de sua civilização mundialmente dando início a várias iniciativas nacionalistas em seu território para fortalecimento contra potências rivais. Ao final desse conflito, o Japão tornou-se a potência principal da Ásia Oriental.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o Japão buscou garantir o controle da China e lançou um manifesto conhecido como 21 exigências, na qual o presidente chinês cedeu. Essas medidas tiravam a soberania chinesa em várias localidades de seu território e os concedia aos japoneses. Em 1917, a China entrou oficialmente na Primeira Guerra contra os alemães. Buscou-se uma base constitucional de uma política de guerra antes da entrada no conflito, isso ocasionou disputas governamentais internas.

O país contribuiu fortemente com o envio de trabalhadores para o Ocidente para as indústrias da guerra, baseando em seus novos princípios de internacionalização e renovação nacional.

Ao final da guerra, a China via com grandes expectativa a Sociedade das Nações. No entanto, o Tratado de Versalhes foi visto com desapontamento pela população chinesa, essa angústia com o acordou permitiu que durante as décadas de 1920 e 1930 ocorressem uma aproximação da China com a Alemanha. Esse contato possibilitou o Tratado Sino-Germânico, 1921, o primeiro tratado assinado com um país europeu que os chineses foram considerados como iguais. Após o conflito mundial, a China buscou um novo modelo de construção de sua nação, tal possibilidade foi vista na Revolução Bolchevique.

No penúltimo capítulo, O Império dos Estados Unidos, Christopher Capozzola discorreu sobre o período de 1914 a 1924 de como os EUA administraram forças militares de territórios dependentes e soberanos. Os norte-americanos buscaram reafirmar seu poder na América Latina e seus domínios coloniais foram dados maiores autonomia, como o caso da Filipinas.

Com a criação da Força de Patrulha da Esquadra do Atlântico, em 1917, ocorreu a concretização da Doutrina Monroe, ideologia defendida no século anterior. Após a Primeira Guerra Mundial houve um aumento estratégico dos EUA no mundo, na qual buscou uma reorientação em sua política externa.

No último capítulo, Os Impérios na Conferência de Paz de Paris, o autor Leonard V. Smith defendeu que ela legitimou a normalização do Estado-Nação como instituição que sucedeu os impérios multinacionais ao final da guerra. Além disso, é revisitado o papel dos mandatos concedidos pela Liga das Nações a França e a Inglaterra, o ódio alemão pelas cláusulas do Tratado de Versalhes e o bolchevismo como alternativa a alguns lugares no pós-guerra.

A obra crítica a historiografia tradicional da Primeira Guerra Mundial que deixou de lado o Leste Europeu, a Região do Pacífico, as colônias e a América, tratando-os apenas como atores secundários na beligerância. Muitas vezes é esquecida a participação dos súditos imperiais que serviram nas frentes europeias e seus efeitos no mundo colonial como as dificuldade econômicas, as ocupações e os alistamentos forçados.

O final do conflito mundial foi turbulento tanto para os vitoriosos quanto para os derrotados. Ao mesmo tempo, ocorreu um processo de declínio imperial que conduziu ao fim da ordem global vigente e sua substituição por uma ordem assentada no Estado-Nação.

A obra Impérios em Guerra é uma alternativa ímpar a historiografia padrão do conflito mundial, possibilitando aos leitores refletirem sobre alternativas de análises sobre a Primeira Guerra Mundial. Para aqueles que não sabem muito sobre essa beligerância, é uma ótima leitura para ser realizada nestes anos que se aproximam do centenário do final da Grande Guerra.

Thiago Henrique Sampaio – 1 Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em História pela Faculdade de Ciências e Letras (UNESP/Assis). Endereço: Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual Paulista, Av. Dom Antônio, 2100 – Parque Universitário, Assis – SP. E-mail: [email protected]

MING, Wu. L’invisiblile ovunque. Einaudi, 2015.  Resenha de: SALTARELLI, Ciro Elio Junior. Quaderni di Clio. n. 15, p.143-146, mar., 2016.

Ciro Elio Junior Saltarelli

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CAPAGNARO, Marnie. La Grande Guerra raccontata ai ragazzi. Donzelli, 2015. Resenha de: RAMELLI, Sivia. Quaderni di Clio. n. 15, p.139-142, mar., 2016.

Silvia Ramelli

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COMPAGNON, Olivier. L’adieu à l’Europe. L’Amerique latine et la Grande Guerre (Argentine et Brésil, 1914-1939). Paris: Fayard, 2013. 394 p.p. Resenha de: FERRERAS, Norberto. A Grande Guerra e a América Latina. Tempo v.21 no.38 Niterói jul./dez. 2015.

A relação entre América Latina e Europa já foi estudada muitas vezes,algumas a partir do ponto de vista da influência e outras,da rejeição. Não são poucos os autores que podem ser arrolados entre os especialistas do tema em ambas as perspectivas. O mesmo poderíamos dizer da Grande Guerra (1914-1918),principalmente numa data tão marcante quanto o centenário. Sem ir muito longe, no Brasil vários seminários foram realizados e deles resultaram (ou virão a resultar) livros e artigos. As datas comemorativas sempre geram ondas expansivas de bibliografia relacionada ao tema em questão e essas ondas criam uma massa de títulos que em alguns casos será rapidamente esquecida junto com as efemérides. Esse não é o caso do livro aqui resenhado.

No livro L’adieu à l’Europe…, Compagnons e propõe a analisar o período de entre guerras que já tinha analisado anteriormente do ponto de vista das circulações entre América e Europa, quando estudou os vínculos entre o catolicismo e a reconfiguração do nacionalismo latino-americano. Acompanhando a história das circulações e dos contatos – a “história conectada” -, vemos que ele tanto aborda o vínculo intrínseco estabelecido entre Europa e América, quanto analisa o imaginário e a imagem criada pela Grande Guerra nos países latino-americanos, mais especificamente, na Argentina e no Brasil. Ao mesmo tempo, devemos entender este livro como um ensaio de história global, acompanhando a terminologia de época. Este é um estudo que, utilizando as fronteiras nacionais, as ultrapassa e redefine. Coloca-nos a pensar sobre o impacto de uma guerra europeia lutada em frentes que ultrapassaram os países e os continentes, que estabeleceram coalisões definidas pela afinidade política e econômica antes que pela territorialidade e que levou à reflexão acerca do modelo cultural e político europeu iluminista e de progresso constante. A Grande Guerra colocou os paradigmas existentes em xeque e fez seus contemporâneos e descendentes imediatos refletirem sobre o rumo da civilização ocidental e sua primazia, trazendo à tona outras possibilidades e alternativas desde o regional, rivalizando com o farol universal que pretendia ser Europa.

O livro propõe-se a estudar a Grande Guerra de uma perspectiva original.Nãoenfoca os fatos, nem volta àtentativa de revisão dos impactos europeus ou coloniais da guerra. Sem desconhecê-los, analisá-los não é o objetivo principal. O tema é a relação entre Europa e América Latina em um momento-chave para a história regional e para pensar a história latino-americana. O período em questão dialoga com a história global, mas é umaépoca de redefinições da latinidade e, ao mesmo tempo e num nível mais profundo, da nacionalidade. O autor tentará estabelecer as relações e influências da Grande Guerra no imediato e nas reflexões sobre o vínculo americano com a Europa.

Para desenvolver a sua hipótese, Compagnon divide o seu trabalho em três partes. A primeira parte, titulada “Da guerra europeia à guerra americana”, trata de como a guerra europeia é também uma guerra americana. A preocupação é pelo impacto mais imediato do conflito, como o mesmo levou ao posicionamento dos grandes atores políticos do período, principalmente como se portaram as elites políticas em uma conjuntura de redefinição de alianças, modelos e paradigmas. O livro estabelece um recorte nos dois grandes países da América do Sul, a Argentina e o Brasil; isso não implica negligenciar as linhas de força daqueles países que, de forma semelhante e por diversos motivos sentiam a influência da guerra, como o México e o Chile. Nesta primeira parte o interesse recai sobre a conformação de um campo aliadófilo e outro germanófilo com as diferentes estratégias de posicionamento entre os dois. Esses posicionamentos levaram grupos governantes terem que lidar com a Real Politik nas relações internas e internacionais, oscilando entre o neutralismo e a participação. Ao mesmo tempo, na primeira parte, analisa-se a construção da opinião pública em relação à guerra, com o posicionamento de intelectuais e políticos, mas também com a participação das coletividades de imigrantes. No caso argentino, os imigrantes terão uma voz potente sobre os acontecimentos de além-mar. Mas este é o momento fundante da constituição da opinião pública nacional. Certamente existiam grupos de ação política e intelectual, mas para a Argentina,trata-sedo momento de constituição de uma imprensa autônoma do poder econômico, no mesmo momento em que o Estado também inicia um processo de autonomização perante as oligarquias e o seu poder econômico e simbólico. A multiplicação das vozes e a emergência de novos atores, como os trabalhadores, colocará em questão a Real Politik,diferente do que acontecia no Brasil.

Na segunda parte do livro, “A Europa bárbara”, temos outro tipo de aproximação do conflito. O autor avança em duas perspectivas complementares: a história da cultura e a das sensibilidades. A recepção do sofrimento e a expansão dos sentidos gerados por este sofrimento em relação à guerra, assim como as reflexões sobre seus horrores pela via da literatura testemunhal, como Barbusse, Aldous Huxley ou Erich Maria Remarque, levam a guerra ao plano do pessoal, ao sofrimento em primeira pessoa. Compagnon explora os impactos de reduzir o foco de análise por parte dos escritores e dos jornalistas, colocando em primeiro plano os civis e os soldados, fossem estes os próprios compatriotas que participavam na guerra ou as vítimas dos confrontos. Em princípio, para criar empatia com os bandos em disputa, mas também para apresentar o sofrimento em primeira pessoa, tentava-se criar uma corrente de opinião contrária ao conflito bélico. Aqui a Real Politik sai de cena. As pessoas de carne e osso mostravam os limites da civilização europeia e as suas pretensões de universalidade. O capítulo cinco,“A Noite Europeia”, um dos mais interessantes do livro, analisa os posicionamentos dos intelectuais brasileiros e argentinos acerca da Grande Guerra. O sentimento de inferioridade em relação aos feitos culturais europeus passam a ser questionados, a América pode ser modelo de si própria e para isso precisava realizar uma devassa da Europa. Rui Barbosa, José Ingenieros, Afrânio de Melo e Franco, entre outros pensadores e intelectuais,identificam esse período como o do declínio europeu. As interpretações podem ser diferentes, mas a América como contraponto de paz e civilidade são comuns. O binômio estabelecido por Domingo Sarmiento em meados do século XIX estava invertido: a América era a civilização e a Europa era a barbárie.

A última parte do livro, “A Grande Guerra, A Nação, A Identidade”, é destinada a analisar os impactos culturais imediatos da Grande Guerra, enfocando o nacionalismo na Argentina e no Brasil. É esse o legado cultural e intelectual da Grande Guerra? É daqui que partem as famílias que se diferenciam do modelo Europeu? O que o autor vai explorar é o nacionalismo cultural anterior ao político. Para isso,Compagnon analisa as diversas vertentes desses nacionalismos, estabelecendo um estudo em paralelo de dois autores argentinos, Borges e Leopoldo Lugones, e o Movimento Antropofágico no Brasil. O contraponto permite acompanhar o impacto de longa duração nas gerações que vivenciaram o período de entre guerras: Borges e Lugones. O nacionalismo democrático e o autoritário. A renovação e a restauração, as duas correntes que, do campo intelectual, demarcariam territórios políticos por longo tempo.

A pesquisa realizada por Compagnon, especialista em história intelectual, mostra a necessidade de lidar com fontes de origens diferentes e com registros narrativos diversos para poder realizar uma síntese sobre a questão da Grande Guerra na América Latina. A história intelectual dialoga com a história política e cultural. A narrativa factual é necessária para públicos pouco familiarizados com a Grande Guerra ou com a América Latina para poder dar lugar a sofisticadas análises sobre a produção artística e literária latino-americana. Esperamos que o resultado seja o de estimular novas pesquisas deste tipo e com esta perspectiva.

A versão francesa do livro apresenta algumas diferenças da brasileira. A capa original foi trocada. A brasileira optou por uma previsível foto da guerra de trincheiras. A edição francesa reproduz a portada da partitura do tango El Marne, de Eduardo Arolas. A escolha é significativa e mostra os efeitos duradouros da guerra na cultura da região. Sem pretender ser exaustivo no forte impacto cultural da Grande Guerra na região, vou tentar mostrar a relação estabelecida com os círculos vinculados ao tango.

Para isso, voltemos ao tango El Marne. Quando Eduardo Arolas compõe este tango era um jovem bandoneonista argentino, filho de franceses. Arolas teve a trajetória arquetípica de um tanguero do período. Nasceu em Barracas, na cidade de Buenos Aires, e morreu produto do alcoolismo,em Paris,aos 32 anos, longe da cidade que abandonou para fugir da relação estabelecida entre seu irmão e sua esposa. El Marne, escrito neste exílio voluntário, é uma peça que,mesmo sendo de profunda melancolia,entrou no repertório das grandes orquestras, parte do estilo do tango dançante por décadas. Escrito em 1919, este tango continua a receber novas versões e é frequentemente revisitado. Posteriormente e para ser mais palatável aos dançarinos, recebeu uma letra que falava de um amor a orilhas do Rio Marne, deturpando a sua origem vinculada a uma batalha com centenas de milhares de mortos, mas dando-lhe sobrevida.

Mas o tango e a Grande Guerra mantiveram o seu vínculo. Em princípio, porque a década de 1910 é o momento fundacional desse estilo musical. De fato, o grande ícone do tango, Carlos Gardel, escreveu um tango-canção para homenagear os combatentes franceses. Silencio foi escrito em 1932 e apresentado no filme Melodia de Arrabal, de 1933. O tango é claramente um manifesto antibélico. No filme, Gardel interpreta um cantante de tangos que, no palco que o consagraria, canta Silencio. O importante é a interpretação da letra: um melodrama. A letra faz referência a um caso, verdadeiro ou mítico pouco importa, de cinco irmãos operários que se alistam para lutar pela pátria, a França, e morrem. A mãe deles, la viejita, lamenta a morte dos filhos. Ela fica com os túmulos e as medalhas. A música começa com um clarim e um coro acompanha Gardel com uma canção de ninar. Quando conclui, ele, sorridente, abraça a sua namorada. Está consagrado, é um momento festivo. A Grande Guerra, na década de 1930, é uma temática que faz parte do universo narrativo. Ainda está presente, porém sem a carga dramática que tinha para Arolas. A guerra permaneceria no imaginário coletivo sobre o que podiam ser imprimidas imagens e sentimentos, como o sacrifício, a dor e a perda geradas pela guerra. Estes exemplos mostram o impacto de longa duração da guerra apresentado por Compagnon e que pode ser ampliado por novas pesquisas e novas perspectivas analíticas. Finalmente, essa pequena relação estabelecida entre o tango e a capa tem como objetivo mostrar a capacidade de síntese temática evidenciada na capa da edição francesa e a indefinição apresentada na capa brasileira, que confunde o leitor sobre os temas e as abordagens.

Norberto FerrerasProfessor do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF) – Niterói(RJ) – Brasil. E-mail: [email protected]

Efemérides sempre acarretam uma série de eventos acadêmicos e lançamentos editoriais, que se aproveitam das datas para preencher as agendas e abastecer as estantes com títulos relacionados a um determinado evento tido como relevante. O ano de 2014 foi particularmente profícuo nesse sentido; no contexto nacional, os cinquenta anos do Golpe de 1964 foram relembrados por eventos de todos os tipos; no plano internacional, o acontecimento mais significativo foi, sem dúvida, o centésimo aniversário do início da Grande Guerra. As maiores livrarias do país ficaram abarrotadas de inúmeros títulos recém-lançados sobre a Grande Guerra. Dentre eles, chama a atenção O Adeus à Europa do historiador francês Olivier Compagnon, professor de história contemporânea da Université Sorbonne Nouvelle – Paris 3. Leia Mais

A Grande Guerra teve um impacto profundo sobre a sociedade contemporânea, marcando o final de todos os efeitos do “longo século XIX”. O conflito representou o crepúsculo da supremacia mundial da Europa e de uma civilização convencida de que fosse possível guiar a humanidade, através do conhecimento e da razão, em direção a um futuro de progresso e de pacífica convivência entre as grandes potências continentais. Isso não excluía a possibilidade de que a projeção colonial delas não comportasse conflitos ativos entre elas. O importante era impedir uma guerra que pudesse levar a uma desestabilização dos equilíbrios entre as potências, como ocorrera anteriormente, em 1870 – este era o objetivo da diplomacia da época. No final, a guerra, aliás, a “Grande Guerra”, que todos queriam evitar, mas que na realidade se preparavam para enfrentar, eclodiu, e, após cinquenta e três longos meses de devastação, mudou a sensibilidade dos contemporâneos, forçados a confrontar-se com uma realidade tanto nova quanto terrível, que deixou vestígios profundos em todos aqueles que foram envolvidos. Também por este motivo, a pesquisa das causas de tudo isso, como se pode entender, atraiu os historiadores desde o primeiro momento. Leia Mais

MACMILLAN, Margaret. A Guerra que acabou com a Paz. Como a Europa trocou a Paz pela Primeira Guerra Mundial. Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, Fevereiro de 2014. Resenha de: PIRES, Ana Paula. Ler História, v.66, p. 169-174, 2014.

1 A crise de Julho de 1914 e as origens da Primeira Guerra Mundial têm sido debatidas de forma exaustiva e continuada desde os primeiros dias de Agosto de 1914, quando a Guerra eclodiu no continente europeu. Apesar deste tema ser um clássico da historiografia dos conflitos militares – em 1991 o historiador norte-americano John Landgon identificou 25 000 livros publicados só em língua inglesa sobre as origens da Grande Guerra1– a verdade é que, como tem sido visível, neste início de centenário, através do enorme fluxo de publicações sobre o tema, as questões políticas, económicas, sociais e diplomáticas em torno das consequências do assassínio, em Sarajevo, do herdeiro do trono da Áustria-Hungria, a 28 de Junho de 1914, continuam a ser um campo vasto de investigação e análise. Contudo, mais do que procurar identificar os antecedentes da Primeira Guerra Mundial, estudos recentes, tanto de historiadores como de politólogos, têm sublinhado a polarização da Europa durante o período da belle époque e os impactos resultantes da divisão do continente em dois sistemas de alianças (a tríplice entente e a entente cordiale) no desenvolvimento e consolidação de diversas teorias internacionais de conflito2. Os recentes debates teóricos em torno das origens da Grande Guerra, tanto no âmbito da historiografia, como das relações internacionais, têm concentrado a sua atenção em torno de questões centrais para o estudo das origens do primeiro conflito mundial, nomeadamente o papel dos homens; diplomatas, políticos e militares, que tiveram nas suas mãos a decisão da entrada da Europa em guerra.

2 Foi em torno destes homens, da sua personalidade, ambições e ligações familiares que a historiadora canadiana Margaret MacMillan centrou o seu mais recente e sugestivo livro A Guerra que acabou com a Paz. Como a Europa trocou a Paz pela Primeira Guerra Mundial. MacMillan uma professora de história da Universidade de Oxford – cujas principais áreas de investigação são a história das relações internacionais e o imperialismo britânico entre o final do século XIX e o início do século XX – é bisneta de um desses protagonistas, David Lloyd George, primeiro-ministro britânico entre 7 de Dezembro de 1916 e 22 de Outubro de 1922. Num esforço hercúleo e ao longo de mais de 800 páginas, MacMillan identificou e analisou, a partir da acção de políticos e diplomatas, mais ou menos conhecidos, as ambições das principais potências europeias da época concluindo que, e esta é a sua tese principal, apesar da Grande Guerra ter sido fruto de escolhas individuais, os homens que conduziram a Europa ao confronto, líderes fracos e atormentados, acabaram por desempenhar um papel menor em todo este processo complexo, ainda que, segundo o argumento de MacMillian, nenhum dos líderes europeus tivesse tido coragem, força, ou vontade suficientes para contrariar os argumentos dos que consideravam inevitável a eclosão de uma guerra no continente.

3 Recorde-se, de resto, que em Portugal o primeiro-ministro Afonso Costa, tinha defendido, em Maio de 1913, quase no final da primeira guerra balcânica, a necessidade do nosso País definir com brevidade a sua atitu-
de num cenário eminente de eclosão de uma guerra na Europa, a Repú-
blica tinha, segundo Afonso Costa, «(…) obrigação de, lançando os olhos para o mapa da Europa, ver qual é a sua situação e preparar-se para a sustentar (…)»3.

4 Ao analisar a tomada de posição da Rússia no desenrolar da crise de Julho de 1914, MacMillan revela-nos, precisamente, os contornos sinuosos da diplomacia russa, e descreve o papel extremamente importante desempenhado pelo círculo mais próximo de Nicolau II, na tomada de posição do País, destacando, em particular, a influência do ministro dos Negócios Estrangeiros Sergei Sazonov, acérrimo defensor da ideia de que a missão histórica da Rússia era proteger as nações balcânicas. Há semelhança do que Sean McMeekin4 havia já defendido Sergei Sazanov foi um dos homens que, com o apoio da França, mais teria contribuído para a transformação de um conflito regional num confronto continental. A autora não hesita ainda em rejeitar o argumento tradicional que atribuiu a Guilherme II a principal responsabilidade pela eclosão da guerra, afirmando, logo nas páginas iniciais do livro, que a conflagração nunca foi inevitável: «A Europa não tinha de entrar em Guerra em 1914; teria sido possível impedir uma Guerra generalizada até ao último minuto do dia 4 de Agosto em que os britânicos decidiram finalmente participar nela»5. Milhões de pessoas não teriam que ter morrido durante a I Guerra Mundial, e o velho continente e o Mundo, defende MacMillan, teriam evitado a ruína e o sofrimento. A autora acaba ainda por não atribuir a Alfred von Schlieffen a responsabilidade pela estratégia militar ofensiva prosseguida pela Alemanha, no entanto, seguindo uma linha de raciocínio bastante próxima da tese de Fritz Fischer, defende que os alemães adoptaram uma posição de agressividade, a que as potências da entente cordiale reagiram6.

5 O volume encontra-se dividido em vinte capítulos, redigidos unicamente com base em fontes secundárias, cada um dedicado à analise de um momento específico do percurso que levou a Europa da guerra à paz. O próprio título escolhido por MacMillan para o livro deixa, desde logo, subentendido que a Europa era um continente extraordinariamente pacífico antes da harmonia do sistema internacional ter sido quebrada em 1914. Em 1900, ano escolhido para abrir o volume, coincidente com a Exposição Universal de Paris e com as segundas olimpíadas da idade moderna, não existia uma guerra que envolvesse as principais potências europeias há 85 anos. Uma das principais qualidades da obra é, sem dúvida, a forma como MacMillan consegue transportar o leitor para uma Europa efervescente e em plena transformação cultural, científica, política e económica, reconstruindo de forma detalhada a atmosfera de confiança relativamente ao futuro que contaminava um continente «(…) habituado à paz(…)»7.

6 A leitura dos primeiros capítulos do livro descreve-nos um mundo interconectado, assente numa economia global única apoiada numa rede cada vez mais densa de circulação de pessoas, capitais e mercadorias, realidade visível, aliás, num movimento de interdependência contínua, e crescente, entre países desenvolvidos e o mundo subdesenvolvido8. É neste contexto que importa perceber as posições anti-guerra da city londrina e a postura britânica que, no início do século, defendia que a única forma de evitar um colapso total no crédito europeu era, num cenário de guerra na Europa, a Grã-Bretanha optar pela neutralidade. Recorde-se que desde 1890 todas as potências europeias, os Estados Unidos da América e o Japão, partilhavam a mesma unidade monetária internacional: o padrão-ouro, o que acabou por determinar que as transacções fossem calculadas com base em moedas de valor praticamente imutável. A rede de transacções de bens e pessoas estendera-se trazendo para o centro da economia-mundo espaços remotos e periféricos (segundo MacMillan o crescimento exponencial da marinha alemã foi o principal responsável pelo envenenamento das relações entre germânicos e britânicos). As exportações europeias quadruplicaram entre 1848 e 1875, a navegação mercante mundial passou, entre 1840 e 1870, de 10 para 16 milhões de toneladas, e a rede de caminhos-de-ferro, cresceu de 200 000 quilómetros, em 1870, para cerca de 1 milhão pouco antes da Primeira Guerra Mundial.

7 É a este Mundo que a eclosão da Grande Guerra em Agosto de 1914 vem colocar um ponto final. A síntese de MacMillan não coloca, no entanto, como vimos, a Europa no rumo da guerra (a historiadora canadiana descreve de forma clara quais as consequências das crises, sucessivas, que abalaram o continente durante os anos finais da «Belle Époque»: a primeira crise marroquina de 1905-06, a anexação da Bósnia em 1908, a crise de Agadir de 1911 e as duas guerras balcânicas de 1912 e 1913) defendendo que a Europa em 1914 era um continente em paz, cujos líderes, políticos e diplomatas, apesar de crises e tensões sucessivas, tinham sempre conseguido evitar uma guerra generalizada: «Durante as crises anteriores, algumas delas tão graves como a de 1914, a Europa não ultrapassara certos limites (…)»9. A questão a que MacMillan procura responder ao longo do livro, é porque é que esse equilíbrio tradicional de poderes não funcionou no Verão de 1914, arrastando a Europa e o Mundo para um conflito de dimensões sem precedentes, elencando várias possíveis causas: uma Rússia ferida pelos revezes que tinha sofrido nos Balcãs e pela derrota sofrida em 1904-05 na guerra com o Japão; uma Alemanha ávida por construir um império e por ver a sua posição de potência emergente consolidada no continente e, olhando para a Europa do Sul e para o Mediterrâneo, uma Itália que desejava ascender ao estatuto de grande potência.

8 A 23 de Julho, após a garantia dada por Guilherme II de que, em caso de guerra, a Alemanha alinharia ao lado do Império Austro-Húngaro, Viena dirigiu um ultimato à Sérvia. Nos primeiros dias de Agosto, cinco das principais potências europeias (Grã-Bretanha, França, Rússia, Áustria-Hungria e Alemanha) estavam já em guerra; apenas a Itália conseguira permanecer neutral. Um conflito secundário, situado nos Balcãs transformara-se numa guerra europeia, cujas repercussões se fariam sentir no extremo oposto do Continente. Neste jogo de destruição e morte não havia lugar para empates: travava-se uma «(…) guerra que só poderia ser totalmente ganha ou totalmente perdida»10. Não deixa de ser irónico, no entanto, como Margaret MacMillan demonstra, ter sido o assassinato do arquiduque Francisco Fernando, que em conflitos anteriores na região dos Balcãs tinha intervindo a favor da paz detendo a impetuosidade do chefe das forças armadas austro-húngaras Conrad von Hotzendorf, o principal detonador da grande guerra. A morte de Francisco Fernando retira de cena, segundo a autora, um dos principais advogados da paz do império austro-húngaro.

9 O livro de MacMillan não nos fornece uma explicação nova quanto às causas que estiveram por trás da eclosão da Grande Guerra, contudo o que a historiadora canadiana faz, magistralmente, é descrever o drama humano que conduziu à primeira guerra mundial, numa escrita que coloca, muitas vezes, frente a frente, o ano de 1914 e a nova realidade geo-política actual, relembrando ao leitor os perigos inerentes ao desenvolvimento do nacionalismo, numa narrativa em que fica claro que tanto no século XXI como em 1914, o Mundo transporta em si o potencial para reavivar a violência à escala global, mas onde, tal como há cem anos, a guerra continua a não ser inevitável, ainda que a inevitabilidade se continue a afigurar, muitas vezes, como uma das suas principais causas.

Notas

1 Cf. Christopher Clark, «The First Calamity» in London Review of Books, Vol. 35, n.º 16, 29 August 2 (…)

2 Jack Levy e John A. Vasquez, «Historians, political scientists, and the causes of the First World W (…)

3 Diário da Câmara dos Deputados, 86.ª Sessão Ordinária do 3.º Período da 1.ª Legislatura, de 1 de Ma (…)

4 Sean McMeekin, The Russian origins of the First World War, s/l, Belknap Press, Dezembro de 2011.

5 Ver, Margaret MacMillan, A Guerra que acabou com a Paz. Como a Europa trocou a Paz pela Primeira Gu (…)

6 Fritz Fischer, Germany’s Aims in the First World War, s/l, W.W. Norton & Company, 2007.

7 Margaret MacMillan, A Guerra que acabou com a Paz…, p. 24.

8 Veja-se David Stevenson, 1914-1918. The History of the First World War, London, Penguin Books, 2004 (…)

9 Cf. Margaret MacMillan, A Guerra que acabou com a Paz. Como a Europa trocou a Paz…, p. 24.

10 Expressões utilizadas por Eric Hobsbawm. Cf. Eric Hobsbawm, A Era dos Extremos – História Breve do (…)

Ana Paula Pires – IHC-FCSH-UNL.

Consultar publicação original 

CLARK, Christopher M. The Sleepwalkers: How Europe Went to War in 1914. London: Penguin Books, 2013. Resenha de: ASSIS, Jóse Luiz. Ler História, n.66, p.161-169, 2014.

1 Christopher Munro «Chris» Clark é um historiador australiano que estudou na Grammar School na University of Sydney e na Freie Universität Berlin. Desenvolve a sua carreira académica em Inglaterra como professor de História Moderna da Europa na Faculty of History, St. Catherine’s College na University of Cambridge. Os seus interesses estão direcionados para o estudo da História da Alemanha e da Europa Continental. No seu primeiro trabalho The politics of conversion: missionary Protestantism and the Jews in Prussia, 1728-1941. Oxford: University Press, que compreende o estudo de, sensivelmente, dois séculos de atividade protestante, analisa os aspectos teológico, social e racial na relação entre a maioria da população cristã e a minoria judaica na Prússia Oriental. Desde então, publicou vários artigos e ensaios sobre temas relacionados com a religião, a política e a cultura e livros dos quais destacamos: Kaiser Wilhelm II. Harlow, England & New York: Longman; Culture Wars: secular-Catholic conflict in nineteenth-century Europe. Cambridge UK & New York: Cambridge University Press; Iron kingdom: the rise and downfall of Prussia, 1600-1947. Cambridge: Belknap Press of Harvard University Press.

2 Christopher Clark, neste seu trabalho, apresenta-nos um novo olhar sobre as origens da Primeira Grande Guerra Mundial. Afasta-se do estudo das grandes batalhas e dos danos provocados pela guerra que de certo modo têm caracterizado a historiografia (Gilbert: 2013) e centra-se nos factos e nas relações políticas e diplomáticas complexas que levaram os diferentes líderes europeus ao conflito. Com um carácter marcadamente científico, mas também didático, o docente e investigador da Faculty of History da University of Cambridge sintetiza de forma pragmática, mas extremamente esclarecedora, a produção científica da sua investigação sobre as origens da Guerra realizada nos arquivos das principais potências envolvidas (Clark, 2013, p. XXVIII). A partir da narrativa dos factos e dos cortes de relação entre os principais centros de decisão política localizados em Viena, Berlim, São Petersburgo, Paris, Londres e Belgrado, recria o itinerário que levou as nações à guerra (Ibid.). Faz uma análise das décadas de história que antecederam os acontecimentos de 1914 e pormenoriza as incompreensões entre os diferentes líderes europeus que em pouco mais de um mês atiraram a Europa para uma situação de conflito (Ibid.). Percebe-se a necessidade do autor em dividir o seu livro em três partes estruturantes. Na parte I – Caminhos para Sarajevo compreende os pontos 1 e 2, Fantasmas Sérvios e Império sem Qualidades, focaliza-se no estudo dos dois antagonistas, a Sérvia e a Áustria-Hungria, seguindo pormenorizadamente a sua interação até às vésperas do assassinato de Sarajevo (Id., 2013, pp. 3-99). Na parte II – Um continente dividido compreende os pontos 3. Polarização da Europa, 1887-1907, 4. As muitas vozes da política externa europeia, 5. Envolvimentos Balkan, 6. Última oportunidade: desanuviamento e perigo, 1912-1914. Nesta parte afasta-se da abordagem narrativa dos acontecimentos para procurar responder a quatro questões em cada um dos quatro pontos: como ocorreu a polarização da Europa em blocos opostos? Como é que os Balcãs, uma região periférica afastada dos centros de poder e da riqueza da Europa, deram lugar a uma crise de enorme grandeza? E, por fim, como é que o sistema internacional, que parecia estar numa era de détente proporcionou uma guerra geral entre as nações? (Id., 2013, pp. 121-361). Na parte III – Crises, compreende os pontos 7. Assassinato em Sarajevo, 8. O alargamento do círculo, 9. Os franceses em São Petersburgo, 10. O Ultimato, 11. Tiros de aviso, 12. Últimos dias. Esta parte começa com os assassinatos do arquiduque Francisco Fernando (1863-1914) e de sua mulher Sofia Shotek (1868-1914) em Sarajevo e apresenta uma narrativa da crise de julho de 1914. Examina as interações entre os centros políticos, referenciando as decisões que proporcionaram o evoluir da crise (Id., 2013, pp. 367-562). É um argumento central deste livro que os acontecimentos de julho de 1914 só fazem sentido quando analisados a partir das medidas dos principais decisores. Nesse sentido, o autor mais do que simplesmente rever as consequências da crise internacional que antecedeu o início da guerra, procurou entender como é que esses eventos foram produzidos em narrativas que estruturaram as percepções e motivaram os diferentes comportamentos e reconstrói as posições ocupadas pelos principais atores durante o Verão de 1914 (Id., 2013, p. XXIX).

3 Sobre as origens da Guerra, Clark começa por afirmar que os in-
vestigadores devem ter em atenção as interações multilaterais entre as cin-
co grandes nações (a Alemanha, a Áustria-Hungria, a França, a Rússia e a Grã-Bretanha) e a Itália e outros atores soberanos estrategicamente importantes como o Império Otomano e os Estados da Península Balcânica, região de grande tensão e instabilidade política nos anos que precederam a guerra (Id., 2013, p. XXIV). Esta perspectiva é também considerada por MacMillan (2014, pp. 541, 573-612) no seu recente estudo A Guerra que Acabou com a Paz. Contudo, Gilbert (2013) no seu trabalho a Primeira Grande Guerra, afasta-se desta ótica e concentra-se especificamente nos paradigmas da guerra.

4 Clark (2013, p. XXIV) alerta para outro aspecto que considera importante: o facto de as políticas dos Estados envolvidos não serem totalmente transparentes. As estruturas de soberania que criaram e implementaram as políticas durante a crise estavam extremamente desunidas o que criou incertezas quanto à localização do poder que moldava a política dentro dos executivos (Ibid.). As políticas não vinham diretamente do topo do sistema político, podiam emanar de pontos periféricos: do aparelho diplomático, da hierarquia militar, de funcionários ministeriais e de embaixadores que muitas vezes eram os decisores políticos (Ibid.). Neste contexto, também MacMillan (2014, p. 23) alerta para os aspetos relacionados com as forças, as ideias, os preconceitos, as instituições, os conflitos e, obviamente, os atores políticos que tinham o poder de decisão de desencadear ou de parar a guerra. Clark (2013, p. XXIV) anota a sua preocupação com as fontes existentes na medida em que em consequência da sua natureza ajudam a explicar a diversidade de estudos e interpretações sobre as origens da Guerra. Realça que as publicações documentais europeias alemãs, austríacas, francesas, inglesas e soviéticas, além do seu inegável valor histórico para a compreensão dos acontecimentos que levaram à guerra, contêm omissões tendenciosas que criaram uma imagem desequilibrada do papel de cada nação nos acontecimentos do prelúdio da Guerra (Id., 2013, p. XXI). Do mesmo modo, as «memórias» de estadistas, de militares e de outros decisores, embora indispensáveis, também são problemáticas (Ibid.). Algumas são mesmo duvidosas em questões importantes. Clark dá-nos como exemplo: as reflexões sobre a Guerra publicadas em 1919 pelo chanceler alemão Theobald von Bethmann Hollweg (1856-1921) pouco referem sobre os assuntos em que ele e os seus colegas estiveram envolvidos durante a crise de julho de 1914; as «memórias» políticas do ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Dmitrievich Sazonov (1860-1927), são intermitentemente falsas, pomposas e desprovidas de informação sobre a sua ação nos assuntos mais sensíveis; as «memórias» do presidente Raymond Poincaré (1860-1934) publicadas em dez volumes são propagandísticas e encerram discrepâncias entre o recordar dos acontecimentos durante a crise e os apontamentos no seu diário; as «memórias» do British Foreign secretary Sir Edward Grey (1862-1933) são vagas sobre a delicada questão dos compromissos que tinha assumido com as potências da Entente antes de agosto de 1914 e o papel desempenhado durante a crise (Id., 2013,
p. XXII). Muito permanece desconhecido acerca dos contactos entre Viena e Berlim quanto às medidas a tomar em resposta aos assassinatos de Sarajevo. As atas da reunião realizada em junho de 1914 em São Petersburgo entre os líderes políticos franceses e russos, que são da maior importância para se compreender esse momento, nunca foram descobertas e os responsáveis diplomáticos franceses não encontraram a versão francesa (Id. 2013, p. XXIV). Esta documentação sobre as origens da Grande Guerra consultada e divulgada por Christopher Clark representa um incomensurável acervo colocado à disposição dos investigadores para apoio à elaboração dos seus estudos.

5 Clark (2013, p. 3) deu início à sua obra sobre as causas da origem da Primeira Grande Guerra Mundial com o assassinato de Alexandre I (1876-
-1903) rei da Sérvia e da rainha Draga (1864-1903) em Março de 1903 pela rede terrorista secreta «Mão Negra» que anos depois, em Sarajevo, capital da província Austro-Húngara da Bósnia e Herzegovina, estaria envolvida no assassínio do arquiduque Francisco Fernando (1863-1914) a 28 de junho de 1914, o que daria origem ao conflito militar mais sangrento da Europa.

6 Na primeira parte do livro delineia os contornos do sistema internacional, em que a Europa em 1913 parecia estar a entrar num período de détente (Id. 2013, pp. 3-118). Partes da história são familiares: a Aliança Germano-Austríaca (1879); a Aliança Franco-Russa (1894-1917); a Entente Cordiale entre a França e a Grã-Bretanha (1904); e o mais dramático de tudo a Entente Anglo-Russa ou Convenção Anglo-Russa (1907) entre os antigos adversários, a Grã-Bretanha e Rússia. De forma brilhante coloca o conflito no contexto da época, mostrando como nos momentos que precederam 1914 a Europa estava numa situação instável e dilacerada por fações étnicas e nacionalistas (Id., 2013, p. XXVI). Esta ideia de uma Europa despedaçada está presente em estudos realizados por Gilbert (2013, pp. 29-49) e MacMillan (2014, p. 22).

7 Devemos ter presente que recentemente, os estudiosos das origens da Grande Guerra acreditavam que a questão da destruição de séculos de progresso técnico e científico na Guerra de 1914-1918 estava resolvida com a opinião de que a Alemanha teria avançado para o conflito temendo o crescente poder Russo (Stone: 2011, 30). Esta corrente germanocentrica começou a perder sentido com os estudos que têm vindo a ser publicados, nomeadamente por Clark nesta sua obra onde é restabelecida a importância dos Balcãs num conflito militar que teve o seu início a 28 de Março de 1914 com o assassinato em Sarajevo. O autor, além de outros pontos, descreve o crescimento do antagonismo entre a Áustria-Hungria e a Sérvia, passando pela anexação da Bósnia-Hersegovina em 1908 e as Guerras Balcânicas de 1912-1913 em que a Sérvia conseguiu aumentar a sua área territorial. Faz uma descrição da diplomacia europeia como se de uma peça de teatro do dramaturgo Harold Pinter se tratasse na qual todas as personagens se conhecem muito bem umas às outras, mas não se estimam (McMeckin, 2014, p. 4). Estabelece o seu ponto de vista numa discussão «hipertrófica de masculinidade» em que os intérpretes são todos homens, contrariamente ao que acontecera anos antes em que predominavam as mulheres de Estado (Idid.). Laqueur (2014, pp. 11-16) acha a discussão de Clark em torno da «crise de masculinidade» pouco convincente porque é muito difícil de afirmar se Bismark era mais seguro na sua masculinidade do que von Moltke. Contudo, os problemas com a «masculinidade» têm estado no centro das guerras desde o século XII a.C. (Id., 2014, p. 8). Parece-nos fazer mais sentido o argumento levantado por MacMillan (2014, pp. 22, 26-27) relacionado com as exigências impostas pela honra e pela virilidade que implicavam não recuar nem demonstrar sinais de fraqueza, ou o darwinismo social que classificava as sociedades humanas como se fossem espécies e promovia a fé não só na evolução e no progresso, mas também na inevitabilidade da luta. Devemos estar conscientes que se estava na presença de uma sociedade bélica, guerreira que aparentemente não é relevada pelo autor.

8 No entender de Clark (2013, p. XVI) a crise de julho de 1914 e o assassinato em Sarajevo são tratados em muitos estudos como um mero pretexto – uma ocorrência com pouca influência sobre as forças que originaram o conflito. Esta ideia tem vindo a ser alterada, nomeadamente com o estudo de MacMillan (2014, pp. 663-697) que lhe atribui especial importância. Trabalhos recentes mostram que não foram os acontecimentos em si mesmos que levaram à guerra, mas o uso que foi feito desse acontecimento (assassinato em Sarajevo) é que levou as nações ao confronto militar (Richar & Holguer: 2004, p. 46). MacMillan, (2014, p. 672) entende que o assassinato de Sarajevo foi o momento oportuno para a Áustria-Hungria resolver a questão dos eslavos do sul, o que significava a destruição da Sérvia e o primeiro momento para a afirmação do domínio Austro-Húngaro nos Balcãs. Clark, (2013, p. XVI) procurou compreender a crise de julho de 1914 como um evento contemporâneo, no seu dizer o mais complexo dos tempos contemporâneos e talvez de todos os tempos. Está mais interessado em compreender como é que a guerra aconteceu do que saber a razão do seu surgimento. Essa visão levou o autor a abordar o acontecimento em duas vertentes distintas. As questões de «como» e «porquê», embora inseparáveis, levam-nos em diferentes direções. A questão do «como» levou o autor a dirigir a sua atenção para a sequência das interações que produziram determinados resultados. A questão do «porquê» dirige-nos para as causas remotas – o imperialismo, o nacionalismo, o armamento, as alianças, a alta finança, as ideias de honra nacional, a mecânica de mobilização. Laqueur (2014, pp. 11-16) também partilha da ideia de que a guerra teve grandes causas: a crise do imperialismo; o nacionalismo em finais do século XIX; a corrida ao armamento; o sistema de alianças; as políticas internas de esquerda e direita; e como referiu o professor Arno Mayer as grandes pressões que começaram a varrer os velhos regimes da Europa em 1789 e finalmente o conseguiram em 1918 (p. 4). Também a historiadora MacMillan (2014, p. 22) aponta nesse sentido.

9 Na análise de Clark, (2013, p. XXV) complexa, brilhante e esclarecedora, podemos ver debatida a ideia de se atribuir a culpabilidade da tragédia apenas a uma nação – a Alemanha. A este respeito importa salientar que também a historiadora MacMillan (2014, pp. 32-33) levanta a questão da culpabilidade da guerra, uma guerra, em que os diferentes Estados proclamavam a sua inocência e apontavam o dedo uns aos outros. Stone (2011, p. 30) por seu lado, indica dois aspectos que poderão tê-la precipitado: a construção da marinha alemã (perfeitamente desnecessária) cujo propósito era atacar a Grã-Bretanha e os militares alemães que queriam claramente uma Guerra, sendo surpreendidos depois no dia 31 de julho pela mobilização geral de São Petersburgo. Clark analisa e evidencia a ação dos diferentes atores em termos de carácter, influência política interna e externa e também de percepção geopolítica. Coloca a ação humana com todas as suas fraquezas, equívocos, falta de lógica e emoções na narrativa dos acontecimentos. Recria as diferentes alianças e crises que antecederam o assassinato do arquiduque Francisco Fernando para depois destacar o elemento humano cujos erros originados pelas más decisões levaram ao detonar da catástrofe mundial.

10 A mestria das últimas duzentas páginas de Os Sonâmbulos está na autoridade científica com que o autor nos elucida de como o desastre aconteceu. Releva que a 6 de julho a Alemanha parecia falar a uma só voz em resposta às súplicas austro-húngaras que o Kaiser Guilherme II e o seu chanceler Theobald von Bethmann-Hollweg (1856-1921) prometeram apoiar, garantindo que o exército estava pronto. Esta ideia sugere que, contrariamente à falta de planos de guerra e mesmo de uma guerra localizada, os líderes alemães demonstram que o seu exército estava preparado para um eventual conflito militar. Foi a conhecida situação do designado «cheque em branco» da Alemanha que alguns historiadores defendem que precipitou a eclosão da guerra (MacMillan: 2014, 705). Contudo, para Clark, (2013, pp. 469-470) existem fortes sinais de que a Alemanha não pretendia a Guerra, mas antes limitá-la a uma guerra local entre a Áustria-Hungria e a Sérvia. Acrescenta que o exército alemão não tinha elaborado os seus planos para uma guerra geral e o Kaiser acreditava que o conflito seria realmente localizado. MacMillan (2014, p. 18) contraria essa ideia e anota que, de facto, a Alemanha tinha planos que implicavam uma guerra em duas frentes, com uma ação de contenção contra a Rússia, o inimigo do leste, e uma rápida invasão e derrota da França a oeste. Entretanto, os alemães esperavam que a Bélgica, país neutro, aceitasse a situação tranquilamente, enquanto as tropas alemãs atravessassem o seu território em direção ao Sul. Essa suposição revelou-se errada, as autoridades belgas decidiram resistir, o que destruiu as pretensões alemãs e levou a Grã-Bretanha, depois de alguma hesitação, a entrar na guerra contra a Alemanha (Id., 2014, p. 18 e 29).

11 Devemos ter presente que a elite militar alemã tinha o exército organizado de modo a que em 17 dias conseguiria colocar 3.000.000 de soldados, 86.000 cavalos, peças de artilharia e respectivas munições em prontidão operacional na fronteira (Stone: 2011, p. 31). Esta versão de MacMillan e de Stone que corroboro, contraria Clark quanto à inexistência de um plano geral de guerra alemão e revela-nos que a Alemanha tinha planos de ação para um conflito de grandes dimensões. Tendo como suporte as opiniões de MacMillan e Stone consideramos que qualquer uma das grandes potências atuais com todo o seu poder científico e tecnológico dificilmente colocaria no mesmo período temporal aquele número de efetivos em prontidão operacional. Nenhuma nação do mundo prepara um efetivo militar daquela dimensão se não tiver objectivos políticos-militares muito precisos.

12 Na Alemanha, também não se entendeu o significado do afastamento do primeiro ministro russo Vladimir Nicolayevich Kokovtsov (1853-1943). Tanto os russos como os britânicos acreditavam que o partido pro-alemão estava em ascensão. Se os russos, de facto, pretendiam aproveitar a ocasião para entrar numa guerra, o momento seria oportuno, uma vez que era melhor nesse momento do que mais tarde. A Alemanha tinha cooperado com a Grã-Bretanha nos Balcãs e, por esse motivo, acreditava que a Inglaterra não se envolveria.

13 O outro aspecto tem a ver com o ultimatum Austro-Húngaro à Sérvia enviado a 23 de julho com as exigências ao governo do reino da Sérvia que poderia ter sido um documento muito diferente. O primeiro lorde do almirantado britânico Winston Churchill escreveu à sua mulher que a Europa «tremia na eminência de uma guerra geral» e que o ultimatum era «o mais insolente documento do seu género alguma vez imaginado» (Gilbert: 2013, p. 60) cujo objetivo seria a criação de um «casos belli» com a Áustria-Hungria a invadir e a punir a Sérvia. A ousadia das exigências referidas no ponto 5 e 6 do ultimatum, frequentemente referido como um impedimento ao compromisso, era uma certeza de um conflito nos Balcãs e, de forma mais ampla, eventualmente uma guerra Mundial. O primeiro deles exigia que a Sérvia permitisse «Aceitar a colaboração de organizações do governo Austro-Húngaro na supressão de movimentos subversivos direcionados contra a integridade territorial da monarquia» e o segundo a «Iniciar uma investigação judicial contra os cúmplices da conspiração de 28 de junho que estão em território sérvio, com órgãos delegados pelo governo Austro-Húngaro fazendo parte da investigação». A França, a Rússia e Belgrado entenderam a atitude da Áustria-Hungria como um ultraje sobre a soberania Sérvia e que o ultimatum era uma declaração de Guerra. Segundo Clark (2013, p. 303) o ultimatum austríaco violou menos a soberania Sérvia que o Acordo de Ramboillet 1999, que Henry Kissinger entendeu como «uma provocação uma desculpa para iniciar o bombardeamento». Para Clark (2013, p. 385) não está claro que foi o papel da Sérvia no plano de 28 de junho e o seu cumprimento que originaram a situação. Além disso, parece que o primeiro ministro sérvio Nikola P. Pašić e os seus colegas estavam concentrados no ultimatum e em evitar uma guerra. Para o autor, foi o pedido de resistência da Rússia à Sérvia e a mobilização do exército que mudaram a situação. Enquanto isso, representantes franceses e russos reuniam-se em São Petersburgo. Aconteceu que mesmo depois disso ocorreram alguns momentos de indecisão (2013, p. 426).

14 A 29 de julho, na resposta ao famoso telegrama «Querido Nicky», o Czar Nicolau II não podia assinar a ordem de mobilização geral, mas finalmente a 30 de julho assinou (p. 352). Segundo Clark (2013, pp. 358-361), os líderes britânicos, depois de várias hesitações e expetativas de se conter a guerra quanto à invasão da Bélgica pela Alemanha, que aliás não consideravam um «casos belli» desde que o exército alemão ficasse a sul da linha Sambre-Mense, a 4 de julho declaravam guerra à Alemanha e a Entente fortalecia a sua aliança.

15 Na sua conclusão, Clark apresenta uma explicação geral e esse é o ponto em que Laqueur entende que Clark está errado. Para Clark (2013, p. 562) os «Protagonistas de 1914» eram sonâmbulos, vigilantes mas adormecidos, assombrados por sonhos, ainda não despertos para a realidade do horror que estava prestes a trazer ao mundo. Para Laqueur (2014, pp. 11-16), há três aspectos errados em tudo isso. Em primeiro lugar, os «passos calculados e vigilantes» de que nos fala ao longo das páginas não constituem sonambulismo. Em segundo lugar, a evidência que Clark mostra para a falta de visão dessa época não é mais do que um gesto baseado num artigo de auto-congratulação publicado em Le Figaro de 5 de Março de 1913 no qual se exalta a «força terrível» das armas francesas e a organização médica da Nação. Em terceiro, de acordo com Laqueur (2014,
pp. 11-16) era mais fácil não dar importância aos horrores provocados por uma guerra convencional do que seria nos momentos posteriores a uma guerra nuclear. Por isso, a Guerra Fria foi a maior guerra da história do mundo e houve maior sensibilidade dos atores políticos para os horrores que podia provocar do que houve nos decisores que levaram, na altura, à Primeira Grande Guerra (Ibid.).Ver o artigo de Le Figaro como sonambulismo é não perceber a questão importante do porquê dos contemporâneos perfeitamente alerta imaginarem o curso da guerra de forma confiante e não conseguirem ver as evidências de que a guerra seria horrorosa (Ibid.). Os protagonistas europeus que tiveram responsabilidades na guerra deveriam saber que a Guerra Civil Americana tirou a vida a centenas de milhares de homens quando em campos abertos progrediam contra o fogo das armas inimigas. Posto isto, Laqueur reforça a sua crítica, lembrando que a História da imaginação não é uma história de Sonambulismo (Ibid.).

16 Os Sonâmbulos é uma obra muito estimulante que combina uma investigação minuciosa com uma análise sensível dos acontecimentos que levaram a Europa a um conflito cruel. Pela extraordinária organização, quantidade e qualidade das fontes consultadas e natureza científica dos seus conteúdos apresentados, é um estudo que os futuros investigadores das origens da Primeira Grande Guerra Mundial não poderão deixar de consultar.

17 Como a obra de Barbara Tuchman The Guns of August publicada em 1960, foi uma referência para o seu tempo, também Os Sonâmbulos é um livro para os tempos de hoje quanto ao seu realce e contingência no que diz respeito ao que o autor designa de múltiplos «mapas mentais».

José Luís Assis – CEHFCi – UE. IHC – UN. E-mail: [email protected]

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COMPAGNON, Olivier. O adeus à Europa: a América Latina e a Grande Guerra. Rio de Janeiro: Rocco, 2014. Resenha de: PARADA, Mauricio Barreto Alvarez. O espelho quebrado. Topoi v.l.15 n.29 Rio de Janeiro July/Dec. 2014.

Lançado no Brasil neste ano de rememorações dos cem anos da Grande Guerra, o livro O adeus à Europa: A América Latina e a Grande Guerra, do historiador francês Olivier Compagnon, contribui de forma muito instigante para os estudos sobre o conflito de 1914, pois o situa em um cenário pouco frequentado pelas pesquisas sobre o tema: a América Latina. Orginalmente um pesquisador do pensamento católico latino-americano, Compagnon estudou as relações entre os intelectuais cristãos da Argentina e Brasil com os trabalhos de Maritain e Maurras. Assim sendo, seu olhar como historiador se formou com extrema sensibilidade para perceber a circulação de ideias, projetos e pessoas. Compangnon nos oferece, portanto, a possibilidade de adentrarmos no mundo das histórias conectadas e da história comparada.

É nesse registro que ele apresenta seu trabalho sobre a Grande Guerra. Como tese geral, ele nos oferece a inversão de perspectiva, “latinoamericanizando” o conflito. Ao traçar o impacto da guerra de 1914 na América Latina – na verdade suas fontes estão concentradas no Brasil e na Argentina -, o autor pretende estender a geografia imaginativa que ronda as teses sobre os eventos do conflito mundial do início do século XX. Compagnon afasta-se, claramente, dos argumentos que pensam o desastre de 1914 como uma “guerra civil europeia”, sua proposta é levar avante a ideia de estudar um evento efetivamente mundial.

A presença da América Latina na historiografia da Primeira Grande Guerra é modesta, limitando-se a estudos de história militar, especialmente as poucas batalhas navais travadas na região, ou aos estudos que se referem ao telegrama Zimmermann no que concerne a sua importância para a adesão dos Estados Unidos à guerra em abril de 1917. Segundo Compagnon: “Tudo se passa como se, afinal, a América Latina (…) tivesse naturalmente escapado do sismo da primeira guerra total da história simplesmente por estar-lhe à margem”( p. 15).

O historiador francês destaca que, apesar de o conflito ter sido um acontecimento matricial para a história contemporânea, é muito curioso que raros pesquisadores levaram a fundo a hipótese de que a Primeira Guerra Mundial poderia ser algo além de um nebuloso pano de fundo para a história latino-americana do século XX. Seu argumento é que a Grande Guerra não foi um evento marginal na história brasileira ou argentina e que o esquecimento que envolve a historiografia contrasta com a eloquência das fontes disponíveis.

A grande imprensa, os debates políticos, a produção intelectual, entre outros materiais documentais, demonstram o quanto a opinião pública da América Latina manteve-se atenta à evolução do conflito entre agosto de 1914 até a redefinição da configuração política decorrente dos tratados de paz e da criação da Liga das Nações. Além disso, a questão da neutralidade ou do apoio militar, os efeitos nas relações econômicas e, mesmo, a nova posição internacional dos Estados Unidos a partir de 1917 tornariam impossível que os anos 1914-1918 passassem despercebidos na história do “extremo Ocidente latino-americano”(p. 18).

Para sustentar sua argumentação, Compagnon divide seu livro em três partes, em cada uma delas ele procura desenvolver uma tese específica que se relaciona com a ideia geral do livro. A costura do trabalho está sustentada pelo recurso a uma expressiva diversidade de fontes. Textos de jornais, correspondência diplomática, mensagens presidenciais, textos literários são citados em todos os capítulos criando uma tessitura que torna a leitura fluida.

O autor inicia a obra com três capítulos reunidos em uma unidade intitulada “Da guerra europeia à guerra americana”. O grande tema dessa passagem é a recepção da guerra na América, momento em que o autor avalia os diversos posicionamentos frente à eclosão do conflito. O debate principal gira em torno das contendas entre germanófilos e aliadófilos acerca do posicionamento dos países americanos. Afinal, observa Compagnon, a neutralidade ou a adesão a um dos lados mobilizou diplomatas, juristas e repercutiu sobre a grande população de imigrantes europeus que constituiu um fluxo constante para a América Latina desde o século XIX.

Assim sendo, a mobilização dos diversos grupos que pertenciam às complexas sociedades latino-americanas constituiu “uma primeira etapa no duplo processo de mobilização das sociedades e de nacionalização do conflito” (p. 65). As fontes apresentadas por Compagnon apontam para uma tendência latino-americana favorável aos aliados da Enténte, mas o próprio autor entende que essas vozes hegemônicas devem ser relativizadas.

Mais interessante do que isso, as fontes mostram uma forte solidariedade à França. As imagens mobilizadas nesses primeiros momentos da guerra colocariam de um lado a civilização francesa e de outro a bárbarie alemã, mostrando assim a tradicional face da aliança entre a América ibérica e a latinidade cristã francesa. Uma francofilia que apontaria para a ideia de que, portanto, o “destino da França na guerra seria uma metonímia do destino da humanidade” (p. 86).

O segundo grupo de capítulos, reunidos na segunda parte do livro e nomeados de “Europa Bárbara”, é um ponto forte do livro. Compagnon argumenta que o imaginário latino-americano formou-se tendo como referência os conceitos europeus de civilização, cultura e modernidade – sejam eles de matriz inglesa, alemã ou francesa. O relato diário narrado nos jornais sobre os horrores da guerra realiza uma “forma de desilusão com relação à Europa que, metodicamente, parece ter orquestrado seu próprio fim” (p. 166). A imagem inicial, cheia de dissonâncias, mas hegemônica, de uma luta entre a civilização latina representada pela França contra o bárbaro alemão “é progressivamente substituída pela imagem de um desmoronamento da civilização europeia em seu conjunto” (p. 166).

Citando Leopoldo Lugones e Afrânio de Mello Franco, o autor observa que ambos se referem a esse período em termos semelhantes: o crepúsculo de uma civilização. Nesse quadro, a Grande Guerra se apresenta com a marca da desilusão, uma sociedade “desatinada ao sacrificar milhões de indivíduos, imoral ao trair suas promessas [e] mentirosa ao falsificar a verdade que o cientificismo e o positivismo haviam (…) erigido em valor supremo da humanidade” (p. 208). Daí decorre, na análise de Compagnon, que os modelos europeus de modernidade se tornaram obsoletos e inválidos para a América Latina.

Os anos de 1914-1918 foram, então, o momento de uma grande inversão de paradigma nas relações entre a Europa e a América Latina. A guerra bárbara seria um sintoma do fracasso europeu e as “nações latino-americanas não poderiam continuar a tirar das fontes do outro lado do oceano as condições e modalidades de sua própria modernidade” (p. 223). A Primeira Grande Guerra Mundial seria o momento de uma renovação cultural da América Latina, uma segunda independência – “trata-se agora de levar a efeito uma emancipação intelectual […] e de redescobrir as virtudes próprias a cada uma das nações do subcontinente” (p. 225).

Os três capítulos reunidos na terceira parte nomeada de “A Grande Guerra, a nação, a identidade” fecham o livro. Compagnon desdobra o argumento da crise do paradigma civilizacional europeu para a América Latina. Segundo ele, a crise cultural proporcionada pela Grande Guerra é um convite para repensar os elementos definidores da identidade das nações latino-americanas. Além disso, a desconstrução do eurocentrismo e a reavaliação das nacionalidades abrem caminho para novas concepções de modernidade no Brasil e na Argentina. Trata-se, no dizer do historiador francês, de uma “virada cultural’ que merece ser avaliada com atenção. O deslocamento da “Europa como referência universal da modernidade e produtora de modelos destinados a suas periferias, convida a um sobressalto identitário” (p. 284). A Grande Guerra contribuiria decisivamente, no caso do Brasil, para gênese do modernismo de 1922, para formação do modelo teórico da democracia racial e para a modernização autoritária implementada pelo Estado Novo.

Assim exposto, o texto de “O adeus à Europa” nos coloca uma série de questionamentos. É inegável a qualidade da pesquisa empreendida por Compagnon, o uso das fontes mostra sua maturidade como historiador. No entanto, como um exercício de uma “história conectada” ele esbarra continuamente nas diferenças entre Brasil e Argentina. Mesmo ressaltando a forte circulação de ideias e intelectuais entre Rio de Janeiro e Buenos Aires – um exemplo sempre citado foi o discurso de Rui Barbosa em Buenos Aires em 1916 -, o autor não consegue evitar a disparidade das posições dos dois países frente ao conflito. O neutralismo do Governo Yrigoyen não encontra eco nas posições brasileiras a favor dos franceses e seus aliados.

Bloqueado pelas diferenças regionais, o autor de O adeus à Europa realiza um excelente trabalho de história comparada, mas a expectativa de uma história que explore redes e conexões funcionais fica em parte frustrada.

A inserção da América Latina na historiografia da Grande Guerra e a “crise do paradigma europeu” são propostas que abrem possibilidades para muitas pesquisas futuras, no entanto, a terceira parte do livro parece forçar o argumento para além de suas possibilidades. Compagnon tem o cuidado de relativizar algumas de suas conclusões, mas fazer da desilusão provocada pela Primeira Grande Guerra Mundial o gatilho para entender as grandes mudanças das décadas de 1920 e 1930 ocorridas nos países da América Latina é dar início a uma argumentação que tem dificuldades para ser levada a frente.

A grande desilusão com a Europa deve ser considerada um fator para entender uma “guinada identitária”, mas é difícil perceber na profundidade dessa ruptura os desdobramentos que sugere Compagnon. Afinal, temos que observar que os movimentos modernistas no Brasil e na Argentina dialogaram intensa e diversamente com as vanguardas europeias do entreguerras. Como entender o Estado Novo brasileiro sem a experiência política de Portugal e da Itália?

As questões surgem, no entanto, como demonstração da qualidade da obra. O texto de O adeus à Europa ocupa um importante lugar na historiografia recente sobre a Grande Guerra e também na historiografia latino-americana.

Mauricio Barreto Alvarez Parada – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: [email protected].

McMEEKIN, Sean. O expresso Berlim-Bagdá. O Império otomano e a tentativa da Alemanha de conquistar o poder mundial, 1898-1918. São Paulo: Globo, 2011. 495 p. Resenha de BERTONHA, João Fábio. O Império otomano e a Primeira Guerra Mundial. Tempo v.18 no.33 Niterói  2012.

Sean McMeekin é autor de vários livros sobre as origens da Primeira Guerra Mundial e sobre a Revolução Russa, tendo publicado alguns trabalhos de grande importância – ainda que controversos – sobre os objetivos do Império czarista na guerra, suas responsabilidades na eclosão daquele conflito e também sobre os tratados de paz entre os alemães e os bolcheviques em 1918.

Seu novo livro – O expresso Berlim-Bagdá. O Império otomano e a tentativa da Alemanha de conquistar o poder mundial, 1898-1918 (São Paulo: Globo, 2011. 495 p.) – traz a seus leitores uma temática tradicionalmente negligenciada no mundo ocidental, ou seja, a participação do Império turco-otomano na guerra de 1914-1918 e, especialmente, a ação alemã no Oriente Médio durante o conflito. Nesse sentido, ele aborda não apenas o esforço alemão para, com a ferrovia Berlim-Bagdá, colocar o território turco-otomano em sua área de influência, como também a tentativa de Berlim de instigar os muçulmanos que viviam nos Impérios russo, francês, inglês e italiano a se insurgirem contra seus dominadores por meio da bandeira da jihad islâmica.

Os alemães gastaram, realmente, muito tempo, esforço e, acima de tudo, dinheiro para dar conta desses objetivos. O autor calcula que, dos cerca de 200 bilhões de marcos (5 trilhões de dólares, a preços de hoje) gastos pela Alemanha em seu esforço de guerra, cerca de 1,5%, ou seja, 3 bilhões de marcos (75 bilhões de dólares), foi utilizado para sustentar o esforço de guerra turco ou para tentar espalhar a bandeira da jihad pelo amplo território do Marrocos à Índia. Eles tentaram mobilizar os xiitas no Irã, várias tribos afegãs, árabes ou sudanesas e os sanussis no Norte da África.

Apesar de tanto ouro, dinheiro e armas alemãs fluírem para esses grupos e de eles terem conseguido que o califa turco e altos clérigos xiitas declarassem a guerra santa, os resultados obtidos foram escassos. Ao contrário do que eles imaginavam, ou seja, de que os muçulmanos, movidos por seu fanatismo religioso, incendiariam a região, quase nada foi em frente. Mesmo a ferrovia, que, com seus 3.200 quilômetros, deveria ter sido capaz de reforçar a autoridade do sultão em todo o seu território, permitir a integração econômica turco-alemã e dar suporte logístico para ações militares na direção do Egito ou do Irã, não ficou pronta, em sua totalidade, a tempo.

Ao contrário do que o título sugere, assim, o livro não se limita a narrar as peripécias na construção da Berlim-Bagdá, mas acaba por abordar temas pouco conhecidos, especialmente para os que leem unicamente em português, como o envolvimento otomano na Primeira Guerra Mundial, sua participação nesta, a história do Islã etc. Também o tema do genocídio armênio é abordado pelo autor, com o uso de fontes russas e turcas.

Alguns desses temas merecem destaque. A decisão de Constantinopla de entrar na guerra ao lado de Berlim parece lógica, dados os laços que uniam os dois países desde o fim do século XIX e a oposição de ambos aos futuros Aliados. O autor demonstra, contudo, que a relação bilateral era muito mais dinâmica, com muitas idas e vindas. Ao final, a posição pró-Alemanha triunfou no governo turco-otomano, mas essa decisão não estava dada desde o início, e o governo turco hesitou muito antes de se comprometer.

Durante a guerra, igualmente, apesar de aliados, alemães e turcos viveram uma relação de amor e ódio, com tensões culturais, interesses conflitantes e desconfianças mútuas envenenando o relacionamento. Com as derrotas, o ressentimento mútuo apenas cresceu e, na disputa pelos espólios do Império russo em 1918, soldados turcos e alemães chegaram a trocar tiros perto de Baku, no Azerbaijão.

Outro aspecto da ação ocidental no Oriente Médio naqueles anos abordado pelo autor é o sionismo. Ele indica como, depois da tragédia do Holocausto, nós tendemos a esquecer que a sede mundial do sionismo no período anterior era a Alemanha, e que esse foi, em linhas gerais, apoiado pelo governo do Kaiser, ainda que por motivos instrumentais. Os ingleses abraçaram, até certo ponto, a causa sionista apenas durante a guerra, para tirar essa bandeira dos alemães, gerando um movimento antissemita árabe que depois, paradoxalmente, se ligou ao nazismo de Hitler, como no caso do mufti de Jerusalém e na criação das divisões muçulmanas da Waffen-SS.

As informações que ele levanta sobre o fronte caucasiano entre russos e turcos durante a guerra também são inéditas para os não especializados, e suas análises das fragilidades militares do Império turco-otomano são, no mínimo, instigantes, com muitos dados sobre as dificuldades dele de manter o fluxo de recrutas no Exército, financiá-lo e armá-lo.

Pensando nas conexões entre o período que ele estuda e o momento atual, algumas questões se tornam evidentes. Uma delas é, utilizando termos contemporâneos, que instrumentos de soft power, como subversão política de minorias em outros Estados ou apelos à solidariedade ideológica ou religiosa em geral, não funcionam a não ser que sejam apoiados e sustentados por elementos de hard power, como dinheiro, armas, vitórias militares etc.

Os alemães tentaram várias estratégias desse tipo durante a Primeira Guerra, como a tentativa de jogar o México contra os Estados Unidos, a exploração do sionismo no Império russo e na Palestina ou a deflagração da jihad no mundo islâmico, mas tudo isso falhou por falta de alicerces materiais mais sólidos, mesmo com todo o esforço alemão. Como indica o autor, a única aposta alemã em termos de subversão interna que deu certo foi o envio de Lenin para a Rússia e o apoio aos bolcheviques entre 1917 e 1918, mas foi algo isolado e que só funcionou pelas condições especiais da Rússia naquele momento.

Outro erro alemão que continuou a ser repetido pelas outras potências imperialistas que tentaram conquistar posições na região nas décadas seguintes foi o desconhecimento da cultura e das tradições locais. Os alemães não entenderam que o que movia as tribos árabes eram seus interesses próprios, e não um mítico apelo à solidariedade islâmica ou a um obscuro nacionalismo árabe. Ao contrário do que aparece em filmes como Lawrence da Arábia, o nacionalismo árabe era algo incipiente, e as tribos estavam mais interessadas em dinheiro, ouro, armas, posições sociais e, em alguns casos, a defesa de sua visão do Islã do que em conceitos vagos como o nacionalismo.

Os alemães também não entendiam as sutilezas da jurisprudência ou da fé islâmicas ou as diferenças entre sunitas e xiitas, e isso os levava a erros de avaliação. Os militares americanos no Iraque e no Afeganistão também aprenderam, a duras penas, como é lidar com sociedades não mais puramente tribais, mas nas quais vínculos além da nacionalidade ou da política ainda são fortes e, muitas vezes, contraditórios. Para elas, ainda hoje, muitas vezes a demonstração de poder e a disponibilidade de dinheiro para suborno ainda são mais importantes do que ideais vagos como democracia ou Estado de direito.

É muito interessante igualmente quando ele comenta como vários problemas do Oriente Médio de hoje tiveram sua origem na tentativa alemã de controlar a região e como certos padrões e questões estão sempre presentes na realidade local. Vale destacar, nesse ponto, suas reflexões sobre como o obscurantismo religioso sempre serviu, na região, para sufocar ideais progressistas e como o disfarce da modernidade anti-islâmica foi instrumental para certos regimes reprimirem as populações locais em nome do laicismo. Ele também menciona como a decisão inglesa de bancar os wahabitas na hoje Arábia Saudita, em boa medida para combater as pretensões de Constantinopla e Berlim na região, gerou o regime saudita atual, uma das fontes centrais da versão contemporânea mais reacionária do Islã. Para quem acompanha o noticiário recente sobre o mundo árabe, tais reflexões são mais do que atuais.

Claro que várias questões e hipóteses que ele levanta podem levar a questionamentos e a dúvidas. Ele deixa a entender, por exemplo, que a Drag nach Osten alemã visava essencialmente ao espaço muçulmano e que os interesses alemães na Europa do Leste só se tornaram predominantes com a oportunidade única do colapso russo em 1917. Isso ignora a larga tradição alemã de olhar para o Leste europeu como sua futura base de poder imperial e superestima a ambição alemã pelo território turco-otomano. Os alemães, provavelmente, gostariam de ter tudo, formando um império que iria de Berlim a Moscou e Teerã. Mas a prioridade sempre foi o Leste europeu, e as ambições no Oriente Médio, a meu ver, eram acessórias. Se os alemães tivessem de escolher entre Kiev e Cairo, as planícies ucranianas seriam as escolhidas.

Ele também peca quando tenta, em poucas páginas, resumir o nazismo a uma explosão de antissemitismo autopiedoso, a forma com que os alemães formataram seu ressentimento pela derrota na Primeira Guerra. Que o ódio ao judeu foi reforçado no pós-1918 em boa medida como uma tentativa de explicar como a grande Alemanha poderia ter sido derrotada é um fato, mas essa explicação reduz a questão do antissemitismo nazista a um quase nada, ignorando séculos de antissemitismo, racismo científico etc.

O livro também traz alguns equívocos de tradução e vários erros tipográficos que poderiam ter sido evitados por uma revisão mais cuidadosa. O autor também merece questionamentos por sua tendência de buscar “complôs” e intrigas em toda parte, e fica evidente no livro seu tom fortemente pró-turco e antirrusso. Ele parece, nesse e em outros livros, fazer o mesmo que Fritz Fischer e sua escola fizeram com a Alemanha décadas atrás: identifica na Rússia a grande culpada da guerra e relativiza a ação dos outros, como a Alemanha e o Império turco-otomano, como mais reativas do que ativas. Isso forma uma contradição, aliás, com a tese do próprio livro, que trabalha, como visto, com os projetos e esforços alemães naquela região, os quais, muitas vezes, respondiam aos outros atores (russos, ingleses e franceses), mas não de modo exclusivamente defensivo ou reativo.

Mesmo assim, suas hipóteses são, em geral, consistentes, calcadas em um número imenso de fontes coletadas em arquivos austríacos, franceses, ingleses, americanos e, especialmente, alemães, turcos e russos. Um esforço de pesquisa e linguístico que pode ser questionado, em alguns aspectos, em termos de análise, mas que deve e pode ser valorizado, já que escapa da armadilha de tentar abordar um tema multinacional sem o uso de fontes de vários países.

Enfim, não é sempre que eu, que já estudo temas ligados aos impérios, à Rússia e à Primeira Guerra Mundial há vários anos, consigo encontrar um livro que me forneça uma nova perspectiva desses temas e/ou que me faça aprender realmente algo novo sobre eles. Foi esse o caso, contudo, do livro de Sean McMeekin, e é por isso que recomendo sua leitura, o qual só tem a acrescentar, mesmo que não se concorde com todas as suas propostas para o entendimento do tema e do período.

João Fábio Bertonha – Doutor em História pela Unicamp, com estágios de pós-doutorado na Università degli Studi di Roma e na Universidade de São Paulo; pós-graduado em assuntos estratégicos internacionais pela National Defense University (EUA); professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá e pesquisador bolsista do CNPq. E-mail: [email protected]

MAZOWE, Mark. Hitler’s Empire – How the Nazis ruled Europe. New York: Penguin Books, 2008, 725 p. Resenha de: BERTONHA, João Fábio. O Império de Hitler. A “Nova ordem” nazista na Europa, 1939-1945. Tempo v.14 no.28 Niterói jun. 2010.

Vários mitos rondam a história da Alemanha nazista. A princípio, seria esta o Estado mais eficiente que já existiu, já que combinava a tradicional eficiência e organização alemã com o sistema político nazista, o qual seria completamente hierárquico e centralizado. Um super Estado, que funcionaria como um relógio, substituindo a anarquia da sociedade liberal democrática que ele vinha a substituir.

A pesquisa histórica dos últimos anos tem indicado como estas qualificações para o III Reich são, acima de tudo, mistificações, criadas, em parte, pela própria propaganda nazista. O Estado nazista, longe de ser hierárquico e centralizado, era uma verdadeira coleção de instituições, organizações e indivíduos disputando poder e influência. É evidente que Hitler detinha, no limite, o poder de decisão final, mas isso não implicava na formação de uma estrutura tão coesa e hierarquizada como se supunha.

Isso fica evidente, por exemplo, na produção de armamentos durante a Segunda Guerra. Estados Unidos e a Grã-Bretanha conseguiram articular a coordenação estatal com a livre empresa, enquanto a URSS adotou um modelo mais centralizado e com planejamento central. Todos estes países conseguiram aumentar significativamente sua produção bélica durante o conflito, enquanto a Alemanha, o suposto Estado mais eficiente do mundo, ficou muito atrás e isso ocorreu, em boa medida, pelas disputas sem fim de seus líderes e instituições.

Mark Mazower derruba mais um mito sobre a Alemanha nazista em seu novo livro. Em Hitler´s Empire – How the Nazis ruled Europe (New York: Penguin Books, 2008, 725 p.), ele demonstra como, ao contrário do que tradicionalmente se imagina, os nazistas não tinham nenhum plano definido e perfeito de como dominar o mundo e que ninguém mais do que eles se espantou com a enormidade de suas conquistas entre 1939 e 1941.

O autor, na verdade, não rompe com a análise tradicional que indica que, nas mentes dos líderes nazistas, haveria sim algumas prioridades e diretrizes gerais a seguir na busca do Império. Unificar todos os germânicos numa grande Alemanha, conseguir o controle da Europa e, especialmente, da Rússia européia, eram os estágios mais ou menos certos a serem seguidos. Um dia, no futuro, talvez, haveria um grande conflito com os Estados Unidos, mas isso estava apenas no campo das especulações, sem nenhuma indicação imediata de que iria ocorrer.

O que Mazower indica é que, na verdade, mesmo para os estágios iniciais, os nazistas não tinham muita segurança do que fazer. A unificação dos povos alemães dentro de um Estado nazista era algo mais ou menos simples de conceber e imaginar. No entanto, mesmo os passos posteriores, apesar de sempre pensados, nunca haviam se convertido em planos e diretrizes prontas a serem aplicadas. Assim, quando quase toda a Europa caiu sobre o controle alemão, entre 1939 e 1941, a ideologia nazista oferecia apenas alguns esboços gerais do a ser feito, sendo necessárias inúmeras adaptações e experiências para tentar delimitar o que fazer.

Assim, em pouco tempo, vários órgãos e instituições começaram a debater sobre como agir frente ao novo Império. A Ucrânia, por exemplo, era vista como o seu futuro celeiro. Mas seria ela um protetorado com algum grau de autonomia ou uma colônia? E a França, seria ela retalhada ou manteria alguma autonomia? E os países nórdicos, fariam parte de algum tipo de confederação germânica ou seriam anexados ao Reich? Essas e outras questões começaram a surgir naqueles anos em que parecia que a Alemanha tinha vencido a guerra e não havia resposta clara a elas.

Claro que algumas diretrizes centrais já estavam mais ou menos estabelecidas. Haveria uma hierarquização geral dos povos europeus com base na doutrina racial e todos os recursos desse espaço serviriam para manter a máquina de guerra alemã e, ao seu final, para o engrandecimento desse Império. Também está claro como haveria povos que seriam mais ou menos tolerados, como os europeus ocidentais, e outros destinados a escravidão, como os poloneses, além, é claro, da eliminação, pela emigração ou morte, dos judeus. Mas isso eram apenas idéias gerais, que, ao serem confrontadas com a realidade, levaram, muitas vezes, a improvisação e a experiências diversas.

Os nazistas tiveram que recorrer, assim, às únicas fontes de inspiração possíveis, ou seja, os velhos padrões colonialistas europeus, os tradicionais objetivos geopolíticos alemães na Europa do Leste e as suas obsessões raciais. Foi com base nisto que eles construíram suas políticas, numa combinação de tradição e novidade realmente notável.

Dessa forma, a ocupação da Polônia, por exemplo, refletia um histórico de luta entre alemães e poloneses que já vinha de séculos, mas os nazistas incluíram, na mesma, um padrão de guerra racial que implicava na impossibilidade de qualquer autonomia para a Polônia. Eles tendiam a ver, no Leste Europeu, um verdadeiro “Far West” nos moldes da conquista americana do oeste, no qual eles exterminariam os povos nativos, ou uma Índia, a ser dominada pela raça superior. Ou seja, eles seguiam padrões tradicionais para o colonialismo europeu, com o diferencial de estarem aplicando estes padrões no continente europeu e os combinando com a obsessão racial.

Estas tradições e obsessões, contudo, eram tão vagas que permitiam que o Exército, o Partido, os diversos ministérios civis, a SS e muitas outras instituições apresentassem a sua versão do correto a fazer, levando a reorganização do espaço europeu a se tornar mais um campo de disputa entre os pólos de poder nazista.

Assim, enquanto Rosenberg e outros líderes políticos queriam oferecer, aos ucranianos, sérvios e mesmo aos russos algum grau de autonomia para atraí-los ao campo do Eixo, a SS e o próprio Hitler preferiam uma política de terra arrasada, de repressão contínua, que acabou por ampliar cada vez mais a resistência.

Já muitos militares e burocratas do Ministério dos armamentos não se conformavam com a morte de milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, ciganos e judeus enquanto a necessidade de mão-de-obra no Reich crescia a olhos vistos. Pessoas do Ministério do exterior, por sua vez, queriam oferecer algum tipo de recompensa mais palpável para os colaboracionistas em toda a Europa, enquanto a SS e outras forças se recusavam a compactuar com os racialmente destinados a obedecer.

Enfim, fica claro como havia um intenso debate a respeito da política a ser seguida. A idéia dos nazistas como monstros que só pensavam em matar e destruir nos faz perder a realidade de que aqueles eram homens que podiam defender, dentro de certos limites, propostas diferentes.

Mazower indica, além disso, como a própria experiência da guerra levou a política nazista a se radicalizar de forma expressiva. Assim, enquanto o “problema judeu” era uma constante no pensamento nazista, a idéia de exterminá-los fisicamente foi emergindo aos poucos, até a criação dos campos de extermínio, não previstos desde o primeiro momento.

Na verdade, tenho dúvidas se todas estas opções menos brutais, que o autor elenca com cuidado, tinham realmente chance de ser colocadas em prática. Em alguns momentos, aliás, Mazower dá a impressão de considerar que todas as várias propostas tinham chances iguais de serem transformadas em políticas, o que me parece complicado. Afinal, mesmo que reconheçamos que havia várias percepções nazistas sobre o mesmo assunto, fato é que o nazismo se caracterizava por uma idolatria à violência e à dominação e a vitória das propostas mais radicais, de dominação total e ostensiva, como as da SS, me parece quase lógica.

Um ponto interessante do livro, igualmente, é quando ele começa a discutir o significado de raça e política racial dentro do pensamento nazista e, especialmente, as inúmeras adaptações que a doutrina racial teve que se submeter para se tornar minimamente prática na organização do novo Império.

Assim, no afã de colonizar as partes ocidentais da Polônia, substituindo os poloneses por alemães, eles encontraram um problema demográfico insuperável. Não apenas os poloneses eram numerosos, como não havia germânicos em número suficiente para substituí-los. A solução, em boa medida, passou pela germanização forçada de muitos poloneses que tinham as características adequadas para serem assimilados, numa louca tentativa de encontrar alemães para os objetivos colonialistas do regime.

Duas questões de interesse emergem, a meu ver, dessa sua observação. A primeira é que o nacionalismo etno-linguístico do século XIX e a visão mais racialista do nazismo não eram completamente incompatíveis. As discussões sobre raças, na Europa do XIX, giravam sempre em torno de questões de língua e cultura, com a possibilidade de aculturação e assimilação do “outro” sempre presente. Mas havia também um tom racial, que identificava uma determinada cultura com determinada raça e nem sempre se aceitava que a assimilação desta ou daquela raça era aceitável e/ou desejável.

A Alemanha nazista inverteu esse padrão, absorvendo os ideais do racismo científico e levando a raça ao posto de divisor central entre povos e pessoas. Mas um tom etno-cultural também existia. Assim, havia eslavos mais próximos da cultura alemã, como parte dos tchecos, que poderiam ser assimilados, enquanto os poloneses, dado a histórica rivalidade entre os dois povos, só o seriam em mínima parte. O nazismo levou o racismo biológico ao seu máximo desenvolvimento, mas as idéias de assimilação cultural e lingüística também estavam presentes, sendo judeus e ciganos, provavelmente, os únicos aos quais essa possibilidade foi cem por cento negada.

O segundo ponto que me chama a atenção é a facilidade com a qual Estados quase totalitários, como a Alemanha de Hitler, planejaram e executaram projetos de engenharia populacional de uma magnitude inacreditável. Discutia-se a morte ou o deslocamento de dezenas de milhões de pessoas e a reorganização espacial de todo um continente com uma facilidade impressionante. Em um momento, chegou-se a imaginar até o envio de milhões de eslavos ao Brasil, o qual, em troca, devolveria a população de origem germânica ali emigrada (p. 209). Um total absurdo, mas que indica a facilidade com que estes projetos de reorganização espacial e populacional eram pensados e como, no caso nazista, eles foram colocados em prática ao menos em parte.

A ironia maior indicada pelo livro, contudo, é a de que o próprio estilo de administração alemã da Europa ocupada colaborou para o seu fim. Ao pilhar toda a economia européia (ao invés de permitir o seu desenvolvimento), desperdiçar a sua força de trabalho em massacres inúteis e não oferecer nenhuma opção aos povos dominados que não a dominação, o nazismo não conseguiu extrair, do continente, tudo o que poderia em termos de força militar, o que facilitou a sua derrota pelos Aliados. Na sua brutalidade, na sua violência gratuita, estava a semente da sua destruição. Uma conclusão não inédita, mas que ele consegue detalhar e explicitar em detalhes.

O livro de Mazower, assim, é uma leitura que vale a pena. Ele não explora fontes primárias e se baseia, em essência, na imensa bibliografia acumulada sobre o tema nas últimas décadas. Em alguns momentos, o esforço para absorver e reorganizar toda a massa de informação recolhida se transmuta em repetições e numa prolixidade que cansa o leitor. Mesmo assim, é um estimulante relato a respeito dessa história de idéias, adaptações, morte e construção imperial que merece ser lido não apenas pelos especialistas em nazismo ou em políticas imperiais, mas por todos os interessados em estudar o processo pelo qual idéias e (pré) conceitos se adaptam a realidade e, ao mesmo tempo, fazem a realidade se adaptar a eles.

João Fábio Bertonha – Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá/PR e Pesquisador do CNPq. E-mail: [email protected]

Quais interesses motivaram a Primeira Guerra Mundial?

Resumo sobre a Primeira Guerra Mundial Foi resultado de inúmeros fatores, como a rivalidade econômica, ressentimentos por acontecimentos passados e questões nacionalistas. Teve como estopim o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa, Sofia, em Sarajevo, na Bósnia, em junho de 1914.

Porque a entrada dos Estados Unidos na guerra em 1917 alterou o equilíbrio de forças em favor?

A entrada dos Estados Unidos de maneira direta na Primeira Guerra Mundial, em 1917, alterou o equilíbrio de poderes pois adicionou mais uma grande potência industrial ao lado da Tríplice Entente, e uma potência que contava com equipamentos mais modernos (desenvolvidos ao longo da guerra) e soldados mais descansados.

Qual foi o motivo que provocou a entrada dos Estados Unidos na guerra?

O ataque à base naval de Pearl Harbor, realizado pelo Japão em 1941, levou à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. O ataque japonês contra a base naval de Pearl Harbor, localizada no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, levou à entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

Como foi a participação dos Estados Unidos no início da Primeira Guerra Mundial?

No dia 6 de abril de 1917, os Estados Unidos declararam guerra contra os alemães e seus aliados. Um grande volume de soldados, tanques, navios e aviões de guerra foram utilizados para que a vitória da Entente fosse assegurada. Em pouco tempo, as tropas alemãs e austríacas foram derrotadas.