Quais elementos cênicos que representam símbolos de afirmação da identidade de um povo de uma comunidade ou de um grupo social?

DOSSIÊ

ESTUDOS DA PERFORMANCE

Cultura popular: práticas e representações

Sebastião Rios; com o auxílio luxuoso do Bule-Bule

Professor na Faculdade de Ciências Sociais e no Programa de Pós-Graduação em Performances Culturais da Universidade Federal de Goiás. <>

RESUMO

A partir de referências teóricas dos estudos de performances culturais, este artigo interpreta a letra de alguns cantos de Bule-Bule – repentista, cantador, violeiro, tocador de prato e faca, e poeta sambador do Recôncavo baiano –, focando algumas relações possíveis entre as práticas da cultura popular tradicional e sua representação por intelectuais, notadamente folcloristas, sociólogos e antropólogos.

Palavras-chave: performances culturais; cultura popular tradicional; Bule -Bule; Samba de Roda; poesia de improviso.

ABSTRACT

This essay discuss the meaning of some Bule-Bule's chants. Bule-Bule is an improvisator Poet from Reconcavo baiano who belongs also to the Samba de Roda tradition. Written under the perspective of the cultural performances, this essay elucidates some possible relations between traditional popular culture practice and its representation in academic works by folklorists, sociologists and anthropologists.

Keywords: cultural performances; traditional folk culture; Bule-Bule; Samba de Roda; extempore poetry.

Da gênese do texto e de sua relação com o campo dos estudos de performances culturais

Corria o primeiro semestre de 2009 e eu estava ministrando a disciplina cultura popular e sociedade na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás. Os estudantes, em sua maioria oriundos de famílias trabalhadoras urbanas, de modo geral desconheciam as manifestações da cultura popular. Um ou outro tinha uma pequena vivência ou relatos de Folia de Reis. Raros haviam ouvido falar em Congado. Passando para expressões de outros estados do país – Coco, Maracatu, Caboclinho, Pastorinhas, Bois, Cururu, Jongo, Calango etc. – ou de outros países, o desconhecimento era absoluto.

A disciplina precisava, então, tanto tematizar e discutir termos como "cultura popular tradicional", "folclore", "patrimônio imaterial", numa perspectiva teórica e histórica, como apresentar as expressões da cultura popular tradicional, por meio de filmes, CDs, de modo a garantir que os estudantes tivessem um mínimo de contato empírico com o tema tratado.

Imbuído da tarefa de realizar a ponte entre as práticas e as representações da cultura popular, acordei um dia com a concepção de uma aula sobre o tema, a partir da análise e interpretação de alguns cantos de Bule-Bule – repentista, cantador, violeiro, tocador de prato e faca, e poeta sambador do Recôncavo baiano1 1 . Antônio Ribeiro da Conceição, nome artístico Bule-Bule, nascido em 22 de outubro de 1947, na cidade de Antônio Cardoso, estado da Bahia. Músico, escritor, compositor, poeta, cordelista, repentista, ator e cantador. Ao longo dos seus mais de 38 anos de carreira, gravou seis CDs ( Cantadores da Terra do Sol, Série grandes repentistas do Nordeste, A fome e a vontade de comer, Só não deixei de sambar, Repente não tem fronteiras e Licutixo). Tem quatro livros editados ( Bule-Bule em quatro estações, Gotas de sentimento, Um punhado de cultura popular e Só não deixei de sambar), mais de oitenta cordéis escritos, participação em vários seminários como palestrante, várias peças teatrais e publicitárias agraciadas pelo Prêmio Colunista. Milhares de apresentações durante a sua carreira. Atualmente, ocupa o cargo de gerente de cultura da Prefeitura Municipal de Camaçari, de diretor da Associação Baiana de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia e da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel. Recentemente foi premiado com o Prêmio Hangar de Música no Rio Grande do Norte junto com Margaret Menezes e Ivete Sangalo < www.bulebule.com.br>. . Enquanto tomava o café da manhã, preparando-me para sair de casa para uma aula da referida disciplina, coloquei o CD Licutixo para tocar. Na medida em que ia escutando os cantos e colocando reparo nas letras, fui aos poucos confirmando o que havia intuído. O encadeamento das faixas do CD, selecionando as mais pertinentes para meu propósito, ofereceu-me a estrutura da aula, focada em relações possíveis entre as práticas da cultura popular tradicional e sua representação por intelectuais, notadamente folcloristas, sociólogos e antropólogos.

Particularmente intrigante era a complementaridade entre as letras das canções de Bule-Bule e as observações de Carlos Rodrigues Brandão, no livro O que é folclore? (2003); leitura indicada para a turma e que havia sido tema de discussão em uma aula anterior.

Cheguei à sala de aula com o toca CD e dois CDs de Bule-Bule e adiei uma discussão teórica de outro texto para o encontro seguinte. Ancorado numa tradição de estudos que confia também nas dimensões intuitiva, emocional, criativa/artística e espiritual/ritual do conhecimento, apresentei a aula/performance sobre práticas e representações da cultura popular tradicional segundo Bule-Bule.

Performances culturais se constituem pela identificação, registro e análise de determinado fenômeno em suas múltiplas configurações. Particularmente interessante é a possibilidade de abstrair de uma performance cultural específica – canções, danças, textos verbais, poemas orais, em íntima conexão com as expressões faciais, os gestos, a cena, as situações de conflito – uma estrutura genérica da cultura em que tal manifestação está inserida (Camargo, 2013).

Assim, além do conteúdo cultural da manifestação em questão, os estudos de performances culturais chamam a atenção para o meio específico em que tal manifestação é transportada, para as pessoas envolvidas em sua realização, focando igualmente nas formas como esse conteúdo é organizado e transmitido, em ocasiões e situações específicas. Pensadas metodologicamente como ser e devir, nas dimensões do passado, presente e futuro, interessa analisar cada fenômeno concreto em suas distintas manifestações, identificando os elementos de mudança ou adaptação em relação às tradições culturais e às organizações sociais.

Interdisciplinar por excelência, para se estudar uma determinada sociedade ou cultura por meio das performances culturais importa integrar diversos recortes: a análise textual e temática da literatura – escrita e oral –, de lendas, de canções, como proposto por folcloristas e linguistas; a descrição e o entendimento de rituais e festas de grupos sociais específicos, como é próprio do fazer dos antropólogos e etnólogos; o estudo do desenvolvimento de áreas específicas da arte como a dança, a pintura, a música, realizadas pelos historiadores; a investigação das relações dessas manifestações com as mídias – rádio, televisão, internet – levada a cabo pelos profissionais da comunicação. Esta proposta de integração está na base da constituição dos estudos de performances culturais proposto por Milton Singer (Camargo, 2013).

Ao historiar o desenvolvimento do campo – ao passo em que apresenta um balanço de seus limites e possibilidades –, Langdon (2007) apresenta cinco qualidades inter-relacionadas que permitem perceber um eixo nas várias vertentes e contribuições aos estudos de performances culturais.

A primeira qualidade é que os estudos de performance colocam a experiência em relevo. Trata-se de experiência ressaltada, pública, momentânea, cuja execução envolve o ator (performer), a forma artística, a plateia e o contexto para criar uma experiência emergente. Deste modo, certa espontaneidade no ato – ainda que exaustivamente ensaiado – lhe é inerente. E a expressão estética é vista como tão ou mais importante que o sentido literal.

A segunda qualidade é a participação dos expectadores. Trata-se da participação plena dos presentes no evento, interagindo na experiência para criar um sentido indissociavelmente ligado ao contexto. O contexto produz uma força retórica que transforma a experiência dos participantes, ainda que esta seja apenas momentânea.

A experiência multisensorial configura a terceira qualidade. Para além da análise semântica do ritual, a experiência de performance valoriza a sobreposição e a simultaneidade dos estímulos: luzes, cheiros, música, movimento corporal, cenário. Tudo concentrado numa experiência sinestésica unificada com elementos emotivos, expressivos, sensoriais (e também racionais/conceituais).

A quarta característica é o engajamento corporal, sensorial e emocional. O corpo e a corporificação são elementos levados em consideração nas análises de performances culturais. Tanto a possibilidade de transformação fenomenológica no nível mais profundo do corpo como a eficácia terapêutica de rituais são investigadas2 2 . Aqui, chama a atenção o fato de algumas plantas só apresentarem determinados efeitos medicinais quando ingeridas em um ritual específico. , rejeitando uma divisão cartesiana de experiência, que separa o racional do emocional e do corporal.

Por fim, a autora apresenta o significado emergente como a quinta qualidade. Ao pensar a cultura como processo social contínuo, novos significados e valores estão sempre emergindo de novas práticas e experiências, que trazem novos significantes e são veiculados por novos suportes. Assim o modo de expressão ganha posição central nesses estudos, valorizando a experiência imediata, emergente e estética. A emergência implica que a estrutura social pode, em certa medida, ser inferida pela e na interação. Isso envolve uma valorização da práxis, ligando evento, texto, contexto e pragmática e admite mesmo que aquela performance específica pode ter influência e provocar alterações na estrutura social.

Gestado no interior desse campo de estudo que é lugar de encontro e diálogo de várias disciplinas como antropologia, teatro, sociologia, história, folclore, etnomusicologia, este texto reivindica também a possibilidade e abertura do campo para a apresentação de resultados de pesquisa por meio de uma performance artístico-cultural. Sua forma é a transcrição escrita da terceira versão da referida aula/performance3 3 . Agradeço a Rannier Venâncio a transcrição da aula apresentada na disciplina Música e sociedade no Brasil e a Gabriela Peixoto e Talita Viana, sua primeira esquematização. A última colaborou também na seleção de passagens dos textos sobre cultura popular que dialogam com as letras de Bule-Bule. , com as devidas adaptações e revisão. Nestes termos, o que é aqui apresentado é um relato de uma aula em forma de performance cultural. Na impossibilidade de reproduzir a música4 4 . Num suporte multimídia, seria possível recuperar, em parte, os estímulos sensoriais sinestésicos, inserindo os áudios e as imagens das apresentações. Informações, fotografias, CDs e DVDs são acessíveis na página < www.bulebule.com.br>. , ele se concentra na interpretação das letras, na função referencial, na terminologia de Roman Jakobson (1974).

Reconheço, entretanto, que, nas pesquisas com e sobre canções, ademais da parte textual, a música e a performance têm a mesma importância. E o fato de, neste ensaio, centrar minha análise nos textos não implica abraçar o primado da linguagem que, ocupando lugar privilegiado na tradição ocidental do discurso acadêmico, serviu também para estabelecer uma escala de valores entre civilizações, subordinando, no caso específico do Brasil, povos indígenas e africanos escravizados.

Nessa perspectiva, uma canção – ou um poema oral –, revela-se em sua inteireza numa sobreposição de aspectos e momentos que são atualizados e experienciados na prática, no tempo real da performance: a ativação da música, do texto, do canto e também do envolvimento somático, da dança, da cor, de objetos materiais reunidos por agentes cocriadores em um evento imediato (Finnegan, 2008). Ao reforçar a relevância do ritmo, da entonação, dos timbres e das pausas, enfim, do que diz respeito ao ato de cantar, à voz que soa, Ruth Finnegan lembra ainda que a letra da canção pode ter pouca coerência ou substância, ou pode ser mínima, sem que isso prejudique sua eficácia na performance, uma vez que essas poucas palavras repetidas muitas vezes podem criar – junto com a música – uma intensidade de louvor, luto, celebração5 5 . Num lamento do Moçambique do capitão Julinho louvando os ancestrais escravizados, o coro, cantando em dueto com intervalo de terças, repetia duas vezes a palavra "doeu", em frases de cinco notas longas. Na primeira, partindo do 5º grau, na sílaba "do", a voz de cima subia uma terça maior, até o 7º grau maior, e descia repetindo o "e" no 6º e 5º grau, para prolongar a vogal fechada "u" no 4º grau. Na segunda frase, partindo do 4º grau, a voz de cima repetia o mesmo movimento, prolongando o "u" no 3º grau. Assim, criava-se o sentido do lamento pela sinergia do texto e da música. .

Por outro lado, convém não olvidar que os conteúdos prévios trazidos pelos participantes para uma performance também moldam seu significado. Assim, a performance não se esgota no evento isolado, naquela explosão pontual de som e movimento "no presente". Sem prejuízo da atmosfera mágica do momento experiencial, ela tanto está enraizada nas memórias como reverbera nos participantes para além do momento imediato. O foco na performance pode, portanto, ser equilibrado com o interesse no texto e na textualidade. Performances da palavra cantada podem ser atravessadas por experiências prévias com formas escritas – o que vale também para as culturas ditas orais, que o mais das vezes guardaram algum tipo de contato com a escrita. Outras performances podem ser matizadas por suas apresentações em vídeo ou eletrônicas. Do mesmo modo, versões escritas podem estar impregnadas de ecos de performances (Finnegan, 2008).

Por ter visto e ouvido Bule-Bule ao vivo, em apresentações de palco, e também em DVD e CD, ao trabalhar a significação de suas letras, inevitavelmente imagino a versão cantada e ouço e vejo algo além das linhas impressas. As recordações dessas apresentações e a imagem delas que reconstruo fluem para meu texto. Resta o leitor escutar Bule-Bule para entrar no fluxo.

Para finalizar esta apresentação, resta esclarecer que há aqui um encontro de sujeitos. Está em operação a fusão do horizonte de conhecimento do pesquisador com o horizonte de conhecimento da obra de Bule-Bule (Gadamer, 1986), cujo primeiro contato, aliás, foi numa performance artística imediata, ao vivo e a cores. Para reconhecer na obra de Bule-Bule elementos centrais da cultura popular tradicional, era imprescindível conhecê-los. Trata-se, assim, de um diálogo, de uma interação entre sujeitos e conhecimentos que possibilita a emergência de novos conhecimentos.

A representação da cultura popular nas letras de bule-bule

Cultura popular tradicional e a intermediação com o plano do sagrado

A cultura popular tradicional é constituída por bens simbólicos criados por trabalhadores, homens e mulheres do povo, normalmente com baixo poder aquisitivo e baixo nível de instrução formal, e que têm ligações diretas com as condições concretas de uma batalha dura pela sobrevivência. Ao referir-se especificamente ao Congado, Edimilson Pereira observa, na abertura do CD Congado mineiro, que

os cantos fazem a trilha sonora para a performance de pessoas que transcendem a precariedade da vida material para tecerem, através de narrativas míticas, um outro sentido para o discurso da história.

Isto pode, em grande medida, ser generalizado para as relações estéticas, culturais e políticas que a cultura popular estabelece com a cultura erudita e com a cultura de massa.

A tradição popular pode ser definida, de um modo geral, pela antiguidade, pela persistência das manifestações, pelo anonimato dos criadores, cuja referência vai se perdendo com o passar do tempo, e por fortes traços da oralidade, que, muitas vezes, extravasa para a fixação escrita, quando há (Cascudo, 1952). Convém lembrar, contudo, que a cultura e o saber do povo são heterogêneos e se desenvolveram a partir de processos que são históricos e complexos. A produção artística e cultural do povo pode integrar elementos de escrita ao lado dos de oralidade, assim como pode lidar com o sagrado e com o profano. Próxima da esfera do trabalho, ela não exclui necessariamente elementos de lazer. Seu traço cultural coletivo não impede a autoria individual; implica, antes, a conexão estreita do talento individual, da criatividade do artista com saberes, fazeres e valores do povo. Frequentemente associada à vida comunitária, a cultura popular também é encontrável em uma situação de heterogeneidade social e contato com as novidades eruditas ou veiculadas pela mídia (Cavalcanti, 2001).

Alfredo Bosi (1992) usa o termo materialismo animista para caracterizar a situação das pessoas inseridas na cultura popular tradicional. O termo designa, por um lado, as atividades cotidianas de trabalho do homem pobre, rústico, oficial mecânico ou lavrador, que, por força de suas obrigações diárias lidando com a matéria, age com senso agudo de seus limites e de suas possibilidades; seu conhecimento prático e realista converge para uma sabedoria empírica arraigada. Por outro lado, entretanto, na concepção da sabedoria popular, o mundo da necessidade está longe de ser desencantado.

Neste contexto, destaca-se a produção artística dos mestres da cultura popular, cuja arte, ao mesmo tempo em que guarda utilidade para as necessidades da vida, revela-se misteriosa ao lidar com uma força transcendental. O povo os reconhece como homens e mulheres dotados de força íntima, detentores de antiga sabedoria e capazes de agir como intermediários entre o semelhante e o mundo dos santos e da divindade, dos ancestrais e dos espíritos da natureza (Bosi, 2002).

Esta força de intermediação com o plano do sagrado – poder dito sobrenatural na cultura acadêmica ocidental – é tematizada na canção Pau puro (Samba chula em desafio – CD Licutixo):

Cavei barro duro, cortei baraúna / tronco de aroeira, itapicuru

Corri dentro de macambira / Subi em mandacaru

Botei cascavel no bolso / Já mamei em canguçu

Parei radicho com o dedo / Então eu não tenho medo

De cantar chula mais tu

Apago fogo com gás / Pra nunca mais acender

Chupo limão e não faço / Careta pra ninguém ver

Como brasa de angico / Faço a saliva ferver

Então não é sambador / Que vai me fazer tremer

Os sambadores daqui eu já medi / São todos do meu tamanho

Se for grande, míngua / Se for grosso, murcha

Se for duro, enverga / Já viu, colega,

Se for mole eu ganho.

A letra enumera uma série de feitos que um homem normal não realiza. O repentista se apresenta como alguém capaz de ir além do natural; de lidar com a dimensão do sobrenatural, do fantástico. Baraúna, aroeira e itapicuru são todas madeiras muito duras, resistentes, incorruptíveis. A macambira é uma planta da caatinga, baixa, com espinhos curvos. O mandacaru é um tipo de cacto, igualmente espinhoso. Assim "correr dentro de macambira", "subir em mandacaru" são tarefas difíceis/impossíveis. Canguçu é a onça pintada. Radicho é o relâmpago. A brasa do angico tem a propriedade de ser muito quente e queimar durante muito tempo.

E que relação poderia haver entre esta listagem de tarefas que exigem uma capacidade para além do comum dos mortais com a cultura popular? Não obstante ser comum no repente a autoafirmação do cantador jactar-se da qualidade de seus versos – que, em suas licenças poéticas, às vezes, afirma ser capaz de ir à lua ou atravessar o oceano a nado, anunciando a surra que dará em seu oponente – aqui é tematizada uma capacidade "sobre-humana" de ir além do que seria comum e normal, de realizar o que seria impossível dentro dos limites da natureza, da física, para lembrar o etimólogo grego, physis, que implica também a vontade de conhecer a natureza.

A cultura ocidental erudita, caracterizada por um pensamento dualista, separa rigidamente a matéria do espírito – o barro do sopro divino, na interpretação do Gênesis – a essência da existência, o fenômeno do conceito. Separa fenômenos físicos visíveis e mensuráveis, ditos naturais, de outros, invisíveis, não mensuráveis e, portanto, ditos sobrenaturais. A tradição da cultura popular, ao contrário, vem em grande parte de uma matriz não europeia e não separa tão rigidamente essas esferas.

Quando alguns missionários portugueses e italianos tiveram contato com a região do Congo e de Angola, na virada do século XV para o XVI, muito rapidamente os congoleses, a partir da conversão do rei do Congo ao cristianismo, adotaram a cruz como símbolo religioso. Esses missionários acreditaram, então, numa conversão congolesa ao cristianismo. E essa conversão efetivamente aconteceu; mas com a manutenção de grande parte de suas crenças anteriores. A cruz rapidamente adotada pelos congoleses já preexistia em suas crenças, representando a intersecção entre dois mundos, ou melhor, dois planos do mundo. O plano horizontal é o da vida cotidiana, da produção, do trabalho. Da intervenção na natureza para garantir o alimento, a vestimenta, a moradia, enfim, a sobrevivência. Mas o trabalho e a vida cotidiana só funcionam bem, na cosmologia congolesa, se estiverem amparados nas forças espirituais, nas forças da natureza, dos ancestrais, concebido como um plano vertical.

A cruz representa, assim, a importância do mundo espiritual, dos ancestrais e das entidades da natureza na harmonia e bom funcionamento do mundo físico. E isso permanece em grande medida nos ritos da cultura popular. Por que muitas vezes uma oferenda para uma entidade é feita na encruzilhada? Porque a encruzilhada é um símbolo do cruzamento do plano vertical com o plano horizontal. A água é transportadora desses seres, dessas entidades, e a ponte cruza o curso da água. Então além de a água ter essa função de transporte dessas entidades, a ponte também perfaz uma cruz sobre o curso d'água.

A interpretação da letra da canção Pau puro, essa mesma capacidade de atuação para além do normal e do comum é percebida, pelas pessoas inseridas na cultura popular, no embaixador da Folia de Reis, no capitão de Moçambique. Eles normalmente são vistos pelas pessoas do grupo como capazes de estabelecer a comunicação com o plano do sagrado, de Deus e dos santos, das entidades, dos ancestrais e, assim, atrair espíritos benéficos e esconjurar espíritos maléficos.

Boa parte da simbologia do Congado reside aí, remetendo a um sistema cultural no qual os reis acumulavam funções que eram tipicamente do feiticeiro. E, por isso, as insígnias da realeza são tão louvadas no Congado. Levar uma coroa, levar um cetro, representa o poder de origem religiosa de restabelecer a ordem no mundo político, social e econômico, gerando abundância e harmonia.

Então, o que Bule-Bule está afirmando como coisas sobrenaturais, como atividades sobrenaturais, também se vincula com essa capacidade dos mestres da cultura popular de fazer esse diálogo do plano horizontal, da materialidade e do físico, com o plano espiritual. Chamar isso de algo "sobrenatural" já implica uma percepção limitada do natural, daquilo que conseguimos explicar cartesianamente, numa relação de causalidade, normalmente física. Essa percepção tem como pressuposto aquela concepção dualista, de uma matéria de barro e de um sopro divino como duas coisas essencialmente diferentes; uma pensada e expressa como natural e outra, sobrenatural. Boa parte dos grupos autóctones da América, assim como dos africanos que vieram para cá, não tinha esse pensamento dualista. Em suas concepções de mundo, não se trata de algo sobrenatural, porque suas concepções de natureza e de natural são mais amplas, envolvendo as duas esferas, horizontal e vertical, física e espiritual. A cultura ocidental científica separa médico de padre, ou de pastor. A cultura popular, ao contrário, integra essas esferas. Nela, geralmente um mal físico é percebido em relação com um mal espiritual ou emocional.

A organização da vida social pelo calendário cósmico-religios

A canção Chuva fina (canção campeira – CD Licutixo) trata de outros aspectos igualmente centrais na visão do mundo presente na cultura popular. O primeiro deles é a relação milenar do homem com a terra no ciclo natural, marcado pelo calendário litúrgico; ciclo que foi profundamente alterado com a utilização maciça de tecnologia no campo.

Chuva fina de manhã, deixa a campina orvalhada,

Faz o mourão da cancela mudar o som da pancada.

O vaqueiro se levanta para cuidar da boiada.

Sai espantando a saudade, cantando uma vaquejada.

Dizendo que a chuva, que a nuvem derrama,

Transforma em lama a poeira da estrada.

Quem trabalha no roçado pega a fazer plantação.

Mata galinha e cevado, faz um grande mutirão.

Planta batata e arroz, fava, mamona e feijão.

Se plantar no São José, tem milho no São João.

E o sertanejo, feliz, agradece.

Diz: Deus não esquece do nosso sertão

A catingueira enverdece, a juremeira floresce

É como dissesse, Jesus não se esquece / do nosso sertão.

A canção faz referência a um calendário que marca as datas de um ciclo natural, cósmico, mas que tem uma forma de organização que não é ligada apenas à produção material pela agricultura. É antes organizado pela sobreposição dos momentos do ciclo natural com concepções religiosas. Se plantar o milho no dia de São José, 19 de março, colhe no dia de São João, 24 de junho. Essas datas valem para boa parte do Nordeste. São condizentes com o regime de chuva do sertão, do agreste e do litoral, sendo que a primeira está mais no início do período chuvoso e a segunda mais no final. O período engloba os 90 dias para a colheita do milho verde; não por acaso, o principal ingrediente das festas juninas (Santo Antônio, 13, São João, 24 e São Pedro, 29 de junho).

A culinária de milho nas festas juninas no Centro-Oeste e Sudeste era diferente. Sua base era o fubá de milho (bolo) ou o milho seco (canjica). Milho verde cozido ou pamonha – cujo preparo constituía em si uma festa bem marcada no calendário6 6 . Ver Alves & Alcântara, 2012. –, só em dezembro e janeiro, 90 dias após a entrada regular das chuvas, no final de setembro. A irrigação altera isso. Com a interferência da tecnologia no ciclo natural, é possível comer pamonha e milho verde o ano todo. Se o sabor é o mesmo e/ou se faz falta a reunião para o preparo é outro assunto...

O ciclo é natural, cósmico. Tem relação com a inclinação do eixo da Terra em relação ao sol durante o período de um ano, em que o planeta Terra perfaz o movimento de translação. Mas o calendário é organizado tendo em vista uma série de datas religiosas relacionadas à vida de Cristo. Essas datas, entretanto, são anteriores ao calendário cristão. Foram incorporadas pelo cristianismo a partir de religiões anteriores, que celebravam datas e divindades diretamente relacionadas ao calendário cósmico. Jesus Cristo efetivamente nasceu no dia 25 de dezembro? Por que justo o dia 25 de dezembro? Não há relato bíblico ou exegético que indique esta data. Se quisermos modificar a pergunta, talvez nos aproximemos da resposta. O que é, no calendário cósmico, o dia 25 de dezembro? Solstício de inverno no hemisfério norte; é o dia mais curto e um dos mais frios do ano.

Nós, que moramos no hemisfério sul, temos um calendário importado do outro hemisfério, trazido nas caravelas portuguesas. Importamos as festas do frio na Europa e as realizamos na época do calor. Um natal na Alemanha – para ficar com a canção natalina mais famosa no planeta – é uma época de recolhimento. Fora, está frio. A natureza esta recolhida e o pinheiro é a única planta verde. Ao sul do equador, ao contrário, a vida está em efervescência.

Jesus é, evidentemente, a principal figura do calendário cristão. João Batista é outra figura central. Filho de Zacarias e Isabel – prima de Maria – prepara a vinda do Messias. O dia em que o calendário cristão comemora o nascimento de São João é diametralmente oposto ao de Jesus: 24 de junho, solstício de verão no hemisfério norte. O dia mais longo e normalmente dos mais quentes do ano, comemorado com fogueiras. O calendário estabelece, então, como datas de nascimento das figuras mais centrais do cristianismo, datas celebradas em um calendário pré-cristão.

São José, pai de Jesus, segue o mesmo esquema. O dia 19 de março antecipa em poucos dias o equinócio de primavera. A sexta-feira da paixão é celebrada na data mais próxima da primeira lua cheia que se segue ao equinócio. A Anunciação de Maria pelo Anjo Gabriel, em 25 de março, também beira o equinócio de primavera, 21 de março, quando termina o hibernus no hemisfério norte e a vida volta a frutificar. Então, quando uma Folia de Reis canta que Maria foi concebida em 25 de março, ela está cantando a fecundação; da terra e das mulheres.

A imbricação do ciclo natural cósmico planetário, com os ciclos da mulher, comparece ainda nos 40 dias de resguardo e purificação após o parto do menino Jesus: 2 de fevereiro, dia de Nossa Senhora da Luz (ou da Candeia), dia em que, na Bahia, também é comemorado o dia de Iemanjá; um bom exemplo da construção social do tempo.

Um calendário montado pela sobreposição de datas cristãs aos momentos e movimentos astronômicos, planetários e nos ciclos da lua – que coincide com o da mulher e o das marés. Quem mora na cidade grande, nessa profusão de luz e de barulho, não olha mais para o céu. Se olhar, só enxerga o topo do edifício. O homem moderno, urbano, da época industrial desaprendeu a viver no ciclo da natureza. Se estiver com frio, liga o aquecedor. Se for calor, o ar condicionado do carro ou do escritório. E assim nos distanciamos do ciclo astronômico sobreposto pelo calendário cristão.

As festas da cultura popular tradicional, ao contrário, seguem este calendário, ainda que algumas não consigam mais cumprir seus ritos dentro do período estabelecido. É, por exemplo, o caso da Folia de Reis de Inhumas-GO. Há muito tempo, as folias na região não giram apenas entre os dias 24 de dezembro e 6 de janeiro. O número de foliões diminuiu, enquanto que o de pessoas que querem receber a folia aumentou. Para dar conta do recado, só saindo com folias em outras datas, em outros meses do ano, mas respeitando o período de interdição da quaresma; época de grande renovação na natureza. As galinhas mudam de pena e quase não botam na quaresma. Quem é da roça sabe disso.

Outro aspecto a destacar na canção Chuva fina é a referência ao mutirão. Na concepção do mundo predominante na cultura popular, o indivíduo está profundamente ligado à sua comunidade, aos ancestrais fundadores – reais ou míticos – do grupo e às divindades. O grupo social e a cultura na qual está inserido são linhas de força que influenciam diretamente o sujeito. Sua história individual é suporte da memória coletiva ancestral. Suas atividades rotineiras de trabalho estão imbricadas com a expressão artística, geralmente vinculadas com o plano do sagrado, o mundo das forças sobrenaturais e dos ancestrais que constituem fonte da sabedoria e da harmonia no mundo dos vivos.

Além do círculo comunitário, para as pessoas inseridas no modelo da cultura popular o mundo e o sujeito são concebidos como totalidade. A ruptura dessa totalidade instaura a desordem contra a qual é preciso reagir pela busca do auxílio das forças sobrenaturais (santos, espíritos dos ancestrais, anjos, objetos sacralizados). A noção de ruptura da unidade do cosmo ou do indivíduo fundamenta o conceito de doença na cultura popular. A seca ou a enchente, assim como o braço destroncado ou a dor de cabeça, são indícios físicos, externos, de uma ruptura que atinge o cosmo e o indivíduo respectivamente (Pereira & Gomes, 2002: 141).

Os mutirões constituem, na sociedade caipira, a manifestação mais importante do trabalho coletivo. Por seu meio, os vizinhos, convocados por um deles, ajudam a realizar os mais variados trabalhos da roça – plantar, limpar um terreno, colher – ou da indústria caseira – fiar, tecer. Este trabalho não é pago com dinheiro. É uma forma de solucionar o problema de mão de obra em uma situação que, tradicionalmente, a maioria dos bens consumidos é produzida pela família ou pelo grupo e poucos produtos são colocados no mercado ou ali adquiridos, ou seja, trocados por moeda. A forma de retribuição comparece com a alimentação dos participantes em uma festa no encerramento do trabalho, que entra pela noite com toques de viola, batuques e folias (Candido, 1988).

Igualmente importante, neste contexto, é a obrigação moral em que fica o beneficiário do mutirão de responder aos chamados eventuais dos que o auxiliaram. Nestes termos, o ato de convocar e de ser convocado para trabalhos de ajuda mútua é, quiçá, o elemento mais importante para definir o pertencimento a uma dada comunidade. A sociabilidade do grupo, a consciência de sua unidade e a garantia de seu funcionamento repousam em grande medida nesta obrigação. Nele há, além disso, uma forte imbricação entre trabalho e religião, tanto em função da existência de uma capela que reúne os vizinhos, como pela percepção de que a obrigação é, em primeiro lugar, para com Deus, por amor de quem se serve o próximo. Por isso mesmo, a Folia de Reis, o Jongo, o Samba de Roda, as Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e/ou de São Benedito, Santa Ifigênia são forças centrípetas nas organizações comunitárias.

O caráter festivo do mutirão é um ponto central da cultura popular, preservado nas localidades que mantiveram um modo de vida rústica ou caipira. Em algumas regiões de Minas Gerais, o canto de entrega de um serviço na roça ganha o nome específico de derrubada. Após a capina de uma roça de milho – apesar de o nome sugerir a limpa do terreno para o plantio – os participantes retornam para a casa do dono da roça, com suas enxadas no ombro e trazendo cada qual um pé de milho enfeitado com flores que serão trocados por pães de queijo espetados em um galho de laranjeira. Esta troca simbólica prenuncia um jantar oferecido pelo dono da casa que será animado pelos batuques, toques de viola, curraleira, lundu.

Quando o trabalho é realizado espontaneamente, sem que haja uma convocação pelo beneficiário – por exemplo, quando os vizinhos percebem que uma roça em tempo de colheita está ameaçada pela chuva próxima e seu dono não terá condições de realizá-la a tempo – costuma ser chamado de traição, já que o dono é pego de surpresa e sequer tem tempo – algumas vezes, nem condição – de preparar a festa, que será, então, improvisada ao final do serviço.

Ancestrais como esteio da família e do grupo

A referência na canção Chuva fina ao mourão da porteira, o esteio que a sustenta, pode servir de metáfora para introduzir o próximo tema: os ancestrais como coluna de casa, como sustentação e proteção dos descendentes e de toda a família. Isso é particularmente evidente na canção Sambador falava baixo (Samba chula, CD Licutixo).

Sambador falava baixo, onde Papai chegava.

Se Papai fizesse um risco, cobra nenhuma pulava.

Aranha cortava volta, escorpião recuava.

Peneira que estava alto, na mesma hora baixava

Depois que chegava embaixo, via Papai, se assustava

Tentava subir de novo, porém Papai não deixava

Peneirava devagar, mas peneirava.

Essa canção faz referência ao poder associado à ancestralidade. Lida com um elemento bastante presente na cultura popular tradicional e especialmente evidente na concepção triádica banto do indivíduo, que o liga imediatamente à sua linhagem e coletividade. Importante lembrar que, na região de mineração de Minas Gerais e Goiás, os bantos – originários da região dos atuais Congo, Angola e Moçambique – corresponderam a algo em torno de 65% dos escravos importados.

Quando o capitão Julinho canta em seu terno de Moçambique7 7 . DVD Ce me dá licença (2008). "coluna de casa aguenta todo peso", refere-se àquelas pessoas escolhidas, que têm o dom de fazer a mediação com o mundo das causas invisíveis e que podem beneficiar – eventualmente, prejudicar – a vida das pessoas no plano das causas visíveis.

Essa mesma ideia de mestre da cultura popular comparece na apresentação que Bule-Bule faz de seu pai. Os animais citados – cobra, escorpião, gavião peneira – são animais venenosos, ou que têm um potencial ofensivo. E vale ressaltar que essa ameaça ofensiva não se encontra apenas na esfera do imaginário, é real. Nosso imaginário vai construindo coisas e projetando a maldade humana nesses bichos. Contudo, são, naturalmente, animais que, para sobreviver, matam sua presa com veneno. Em condições de equilíbrio ecológico, raramente atacariam o homem. O fazem quando se sentem acuados ou estão com fome. E o gavião peneira, embora não ataque o homem, faz um estrago em seu galinheiro.

E o que Bule-Bule está afirmando sobre o pai nesta canção? O pai faz um risco no chão e afasta com isso o que tem potencial ofensivo: cobra não pula para dentro, aranha corta volta – evita, desvia seu curso –, escorpião recua. O pai é apresentado como capaz de manipular as forças naturais e sobrenaturais, de modo a proteger do mal. Exatamente o que faz um benzedor. A força do sambador também é uma força ligada com a capacidade de proteção contra o mal; como é a do embaixador da Folia de Reis, que, ao sair com a folia ou ao começar seu cantorio, entoa o seguinte verso: "deixa eu me benzer primeiro para livrar do mal que vem".

Boa parte dessa força está ligada à ancestralidade. Por isso, a referência ao pai. E são indivíduos que cultivam e vivem a memória do grupo. A sociedade urbana industrial ocidental, no geral, a terceiriza, deixa num museu e raramente a visita; assim como terceiriza a morte, mandando as pessoas para uma UTI, onde a gente não vê, não participa e não assiste (transitivo direto e indireto) a morte. O mesmo vale para o nascimento e seu processo de medicalização e internação hospitalar.

Os grupos inseridos na cultura popular, de modo distinto, ainda são em grande medida sociedades de memória. E precisam dessa memória porque, se não estiverem em paz com os seus ancestrais, o plano material não funciona adequadamente. A cultura moderna, urbana e industrial, por sua vez, aprecia o novo, está sempre inventando uma novidade. Se for mercadoria cara, bonita ou envolta em propaganda para parecer bonita e desejável, melhor ainda. De preferência descartável para, em breve, dar lugar a outra mais nova ainda.

O mesmo respeito e veneração com relação ao pai comparecem também na figura da mãe. E aqui passamos para o poema matuto A parteira (CD Licutixo), que Bule-Bule fez para a mãe.

Mamãe é véia parteira / Tem mais de cem afiado

Menino pra dá recado / Lá em casa é o que não falta

Uns traz noticia pra ela / Mãe panha um ovo e entrega

Pai vai beber nas budega / Eles ficam no terreiro

Mãe acende o candeeiro / E prosa inté a noite alta

Mãe é daquelas parteira / Sem curso, do interior

Mas dá lição em doutor / Sabe mais que enfermeira

Zela bem do inocente / Cuida da parturiente

Não quer nem que diga oi / E só quer por recompensa

Que um passe e diga bença /Pra dizer: Deus te abençoe

Mãe só não tá satisfeita / É com muito governo ingrato

Mostrando que não respeita / O eleitor lá do mato

Cobra os imposto comprido / Deixando os pobre detido

Votando sem ter direito / Candidato a ser defunto

Por esse e outros assunto / Mãe comenta desse jeito

Se a gente mandar doutor / Trabalhar nestas ladeira

Eu dou meu pescoço à forca / Como num tem um que queira

Deixam nas maternidades / Nas casas de caridade

Inamps, Inps / E quem vota e paga imposto

Eles passa e vira o rosto / Vê, mais faz que nem conhece

Cada uma como eu / Já salvou mais de cem vida

Em troca não recebeu / Nem um prato de comida

Alguma coisa que vem / Para os pobre que não tem

Lá na cidade se some / Imposto é a recompensa

Parece que o governo pensa / Que gente pobre não come

Eu a semana passada / Terça a noite me acordei

Embaixo de trovoada / Mesmo assim me alevantei

Era compadre Jacinto / Molhado que nem um pinto

Batendo os queixo de frio / Disse, comadre, se aprume

Pega as coisa e se arrume / Pro mode pegar meu filho

Os galo já miudava / A noite tava cerrada

E pra onde ele morava / Era uma légua puxada

Peguei um taco de fumo / Da grossura de um prumo

Que tem quilo e meio de peso / Dei até mais ao meu marido

E fui ver o recém-nascido / Na região do desprezo

O escuro era uma grade / Que a nossa visão prendia

Nem eu via meu compadre / Nem meu compadre me via

Comecemo viajar / Ele pegou conversar

Comadre, por gentileza / Me diga se lhe agrada

Levantar de madrugada / Pra pegar fio da pobreza

A velha lavou o peito, dizendo:

Compadre, isso é o meu carma / Não me incomoda em nada

Parturiente me chama / Porque está precisada

Em noite clara ou escura / Qualquer uma criatura

Sabe que conta comigo / O que me agrada é ver

Uma criança dizer / Bença, minha mãe de umbigo

Morre muito mais menino / Nascido em maternidade

Do que os pescoço fino / Da nossa localidade

E a mãe não faz pré natal / Nunca vai a um hospital

Passa inté dia em jejum/ Se é descuido eu não sei

Mas, dos cem que eu já peguei / Inda não morreu nenhum.

Aqui temos tematizada a cultura popular como cultura do oprimido. "Folclore é a vida e a expressão de vida do colonizado. É a parte popular onde povo é sujeito subalterno" (Brandão, 2003: 105). O poema apresenta a parteira como alguém que cuida das dimensões do passado, do presente e do futuro. Novamente está em operação a ancestralidade; o conhecimento ancestral de ervas e raízes, de orações e rezas. E tudo envolto nos laços comunitários: basta a relação de compadrio; não entra dinheiro na transação. Por pagamento a parteira quer apenas que o menino lhe tome a benção, para responder: Deus te abençoe.

Além disso, ela vai aonde e na hora em que for preciso, em contraste com as relações capitalizadas da medicina acadêmica nos grandes centros urbanos. A forma de aprendizado do ofício também é diametralmente distinta. É um conhecimento que se reproduz oralmente, por imitação e por meio de relações interpessoais. As pessoas que têm o dom, uma aptidão para o ofício, aprendem convivendo com os mais antigos. Aprendem fazendo; às vezes na hora e no susto. Sem agências formais e especializadas de transmissão de saber, como a universidade. E não raro por intermédio de sonhos premonitórios ou outros tipos de "avisos" ou chamado.

A divisão social do trabalho advinda da revolução industrial separou antes de tudo o trabalho manual do trabalho intelectual, o fazer do saber fazer. Nesta sociedade estratificada em classe, com atividades altamente especializadas, o conhecimento – e o gosto – legítimo e socialmente aceito parte das universidades e academias. Daí são difundidos para as várias camadas como os mais corretos, adequados, plausíveis. A ciência legitima a supremacia de um tipo específico de saber (diferente de fazer), levando à diferença de prestígio entre engenheiro e eletricista, arquiteto e pedreiro. E não se deve olvidar que o fazer dissociado do saber é um dos fatores de manutenção da distância social, justificando que uns tenham poder sobre o labor dos outros.

O poema foca nessas diferenças de conhecimento: o conhecimento tradicional da parteira e o conhecimento acadêmico do médico. Evidentemente, o poema está voltado para valorizar a mãe parteira, assim como a canção Sambador falava baixo valoriza o pai sambador. Faz pouco caso do doutor, especialmente dos que se interessam mais pelo dinheiro e não querem se meter nos grotões e menos ainda lidar com a pobreza. Como estratégia de valorização do conhecimento tradicional, é legítimo. Mas, abstraindo pontualmente da obra de Bule-Bule, essa escolha não precisa ser feita. Podemos ter um e outro conhecimento, mas sem relação de hierarquia e submissão. Isso exige, entretanto, um comportamento e uma percepção diferentes por parte da universidade, templo da cultura erudita, que tem sérias desconfianças do conhecimento tradicional e popular.

O conhecimento, porém, é algo maior que ciência. A ciência é mais limitada. É, sem dúvida, um conhecimento poderoso e funciona em várias áreas. Mas isso não diminui a pretensão de verdade de outras formas de conhecimento: arte, intuição, espiritualidade. A associação do conhecimento popular com a ancestralidade – a mãe parteira – é bastante comum em situações tradicionais. Muitas vezes a parteira – ou o capitão de Moçambique, o embaixador de Folia de Reis – é também benzedeira, raizeira, rezadeira. Para caracterizar este universo cultural, Edimilson Pereira e Núbia Gomes (2002) apresentam uma série de características gerais: preocupação de sustentar valores do passado numa atitude de autopreservação que se manifesta na recusa às propostas modernas (conservadorismo); a percepção da ordem social com base numa lógica de antecessores e sucessores (hierarquização); que interagem com a natureza e o mundo sobrenatural (totalização); a organização dos eventos, mesmo dos mais distantes, a partir de um espaço social conhecido (contextualização da vida); a manutenção da ideia de que o mundo é fruto da criação divina, sendo por isso instância de relacionamento entre vivos e mortos, homens e santos (religiosidade); e a valorização do indivíduo com base em seus vínculos com a família e os antepassados (pessoalização).

Memória e técnica na cultura popular

Ainda em relação à questão da ancestralidade, há o fato de que muitos mestres da cultura popular demonstram ter mais tempo na função do que idade. E não me refiro apenas aos nove meses na barriga da mãe. Essas pessoas nascem com uma memória ancestral, são portadoras de uma memória ancestral. E esse fenômeno é particularmente perceptível quando encontramos mestres muito jovens que demonstram um conhecimento da função ou do folguedo incompatível com sua idade. As pesquisas sobre memória celular, memória muscular têm lançado algumas luzes sobre o fenômeno e a antiga questão da hereditariedade de caracteres adquiridos ao longo de várias gerações, que parecia definitivamente refutada, volta a intrigar e interessar alguns pesquisadores da biologia. Particularmente interessante e intrigante é a concepção de que comportamentos e condutas – culturalmente condicionados – podem ativar a carga genética, contribuindo para diferenciações culturais.

O nascimento dentro de uma tradição cultural e com possíveis heranças de gerações anteriores é insinuado na canção Nasceu no Samba Romeu (Samba licutixo – CD Licutixo),quando o poeta refere-se ao fato de o sambador Romeu ter menos idade, mas igual conhecimento, sendo justamente filho do mestre de samba com quem aprenderam.

Nasceu no Samba, Romeu,

Eu mostro a quem não conhece / este é o sambador Romeu

Não tem nem a minha idade / é mais moço do que eu

Filho do mestre de Samba / com quem a gente aprendeu

Tinha uma batucada / na casa do Aristeu

A velha estava na roda / quando o pandeiro gemeu

Ela fez uma piega / que a barriga estremeceu

Quando deu a umbigada / o menino remexeu

Ela correu para o terreiro / mas a vista escureceu

Quando chegou na porteira / sentiu que a bolsa rompeu

Se encostou no mourão / e este sambador nasceu

Nasceu no Samba, Romeu.

As indagações sobre a memória ancestral ainda devem passar por muitas investigações e estudos da parte dos pesquisadores mais afinados com a transdisciplinaridade. Os cartesianos, provavelmente a rejeitam peremptoriamente e consideram mesmo perda de tempo ou "viagem" qualquer reflexão a respeito. Um fato, entretanto, está fora de discussão: um mestre da cultura popular numa situação de tradição familiar, quando chega aos seus 45 para 50 anos de idade, geralmente já passou por várias – não raro todas – funções dentro de um folguedo ou de uma festa religiosa. Por acompanhar a atividade desde a barriga da mãe e começando a atuar por volta dos cinco ou seis anos de idade, aos 45 ou 50 detém uma técnica consistente. E realiza passos e movimentos de dança complexos com um mínimo de esforço e energia, pois os passos estão memorizados e não precisa pensar para executá-los. O mesmo vale para a execução de instrumentos musicais (Barroso, 2004).

Não é difícil encontrar a percepção de pessoas ligadas à cultura erudita sobre a cultura popular, de que essa se aprende por imitação, reservando a técnica e suas formas de transmissão para as formas de ensino institucionalizadas, por excelência conservatórios, escolas de dança e balé, universidades.

Sobre o conhecimento técnico e suas formas de ensino na cultura popular, apresento dois exemplos diretamente vivenciados. Embora conhecedor da manifestação desde a infância, do tempo em que passava as férias escolares na fazenda dos avós maternos no sul de Minas Gerais, aproximei-me da Folia de Reis na condição de pesquisador. Já tocava violão e logo depois comecei a aprender também viola caipira e frequentar um curso de canto, respectivamente, com Roberto Corrêa, nos cursos de verão da Escola de Música de Brasília, e com Mábia Felipe, professora formada na Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás. Assim, comecei a me interessar pelo cantorio da Folia de Reis e tentar participar.

A professora Mábia avaliou meu repertório e, entre outros problemas identificados, concluiu que eu cantava num registro muito grave, em que não conseguia dar cor nem brilho à voz. Tampouco projeção. E passamos a trabalhar exercícios de respiração e de técnica vocal para alcançar um registro mais agudo. Nesse ínterim, fui participar do giro de uma Folia em Inhumas-GO. O embaixador, seu Lourenço8 8 . Lourenço Francisco Ferreira. , construtor de cisternas e poços artesianos, ouviu-me cantando a segunda voz – a mais grave da resposta – e logo deu o mesmo diagnóstico:

— Não! Sua voz aí está errada. Vem cá.

Quando a folia chegou à casa seguinte, chamou outro folião, João Guará9 9 . João Bosco dos Santos. , e fomos para a calçada oposta. Ao ouvir o cantorio, íamos reproduzindo a resposta. Eu na segunda voz, João Guará na primeira e seu Lourenço na terceira. A minha tarefa era prestar atenção e pegar a primeira voz, que tem um intervalo de terça acima da mais grave.

Fui tentando fazer a primeira voz. João Guará havia passado para a segunda. Na casa seguinte:

— Agora vamos cantar lá, pertinho do pessoal.

Umas três estrofes pra frente:

— Agora nós vamos cantar, mas vamos jogar nossa voz por cima da deles, pra escutar mais a nossa voz que a deles.

E finalmente, uma casa pra frente:

— Agora vamos, que eu vou embaixar e você vai cantar essa voz aqui comigo.

O que fez seu Lourenço? Identificou o problema e estabeleceu, na hora, um programa de ensino em algumas etapas para superá-lo. Pura técnica: de performance (no sentido de execução) e de ensino.

E aqui importa pouco ou nada que ele não expresse essa técnica nos mesmos termos da professora, cantora lírica formada na Escola de Música. É encaixe de voz dentro de uma sequência de acordes na tonalidade de fá maior. Isso ele sabe. A primeira voz na resposta tem uma altura intermediária entre a segunda e a terceira. E são técnicas difíceis. A afinação é precisa. Qualquer das seis vozes que desafinar, desanda o conjunto.

O mesmo vale para uma dança como o cavalo marinho, ou um passo de frevo. E peço licença para um segundo relato por mim vivenciado em uma oficina de frevo, com Mestre Nascimento do Passo10 10 . Francisco do Nascimento Filho, nasceu em 28 de dezembro de 1936, em Benjamin Constant -AM e faleceu em 2 de setembro de 2009, em Recife-PE. Referência do frevo, criou sua primeira escola. Entre outras atividades, deu aulas para o Balé Popular do Recife (1976) e ensinou ao artista multidisciplinar Antônio Carlos Nóbrega (1978). . Lidava com o frevo em Brasília, havia uns quatro ou cinco anos, quando por lá provia uma oficina com o mestre. Como havia começado a dançar já perto dos 40 anos de idade, imaginava que a dificuldade em realizar determinados passos no solo era devido a não ter mais a explosão muscular dos 20 anos. Mestre Nascimento, na época beirando os 70 anos, repara no movimento e ordena no ato:

— Não, cadê seu braço? Bota o braço. Eu quero ver o braço.

Minha primeira reação foi de incredulidade. Por que o braço, se a dificuldade está na força da perna? Mas ordem de um mestre a gente obedece e não questiona. Fiz o movimento ascendente com o braço conforme ele, na minha frente, mostrava. E resolvi, na hora, o problema de um passo que há muito esforçava por fazer. Um passo efetivamente complicado e difícil. Mas a dificuldade maior não estava na força da perna; estava na ausência de impulso do braço. O braço estirado, fazendo o movimento ascendente na frente do tronco, impulsiona o corpo para cima, facilitando a força e aliviando a tração dos músculos da perna. Pura técnica de dança, aprendida e/ou desenvolvida na rua, nos carnavais de Recife.

O acesso ao conhecimento prescindindo de um aturado esforço, cumprindo um programa estabelecido é algo bem conhecido. E talvez até mais frequente na cultura erudita do que na popular. De certo modo, é esse processo que caracteriza o gênio. Wolfgang Amadeus Mozart executava com seis anos de idade peças que seu pai, Leopold, preparara para um programa de aprendizado de violino que um aluno normal, extraordinariamente bom, executaria aos 17, 18 anos de idade (Elias, 1995).

O escritor Autran Dourado disse uma vez, em palestra no Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, na década de 2000, que num dos livros que escreveu, só teve o trabalho de datilografar. O livro chama Uma vida em segredo, e é um pelo qual tinha mais carinho e dos que mais gostava em sua extensa obra. E é experiência única nos mais de 20 livros que publicou. Todos os demais precisaram de muito empenho e trabalho na escritura, no que ele mesmo chamava de "carpintaria". Esse não. Apareceu, brotou na frente dele com todas as palavras, pontos e vírgulas; e na ordem. Autran Dourado escreveu Uma vida em segredo quando já tinha uma carreira consolidada e grande reconhecimento no meio literário. Também a aula que está na origem deste texto apareceu-me de repente, pronta, num vislumbre, como se tivesse sido projetada na minha frente. Uma intuição fermentada por anos de estudo e pesquisa do tema? O termo alemão "Einfall" pode ser apropriado para tentar entender o fenômeno. Significando "ideia", sua tradução literal seria "que cai dentro", também invasão, incursão. Essa aula caiu dentro da minha cabeça. E a ideia de queda, movimento descendente, do alto, também liga com as dimensões intuitivas e espirituais do conhecimento.

Quando me deparo, entretanto, com um capitão de Moçambique ou um embaixador de Folia de Reis muito novo, que nos seus 15, 16 anos, não tem idade, experiência ou maturidade para ter aprendido "normalmente", em uma encarnação, o que ele sabe, a pergunta é inevitável: como ele pode acessar esse conhecimento? Como se daria tal acesso? Como entender / explicar esse fenômeno? Muitas perguntas. Se o(a) amável leitor(a) tiver alguma resposta, agradeço a gentileza do esclarecimento.

Voltemos à canção de Bule-Bule, esse sujeito, Romeu, que é filho do mestre de samba, cuja mãe grávida de nove meses sambava, não nasceu e depois virou sambador. Não! Esse sambador já nasceu sambador. Importa, sobretudo, o fato de que ele já era sambador antes de nascer. Quem, vindo de outro meio, tendo frequentado as instâncias da educação formal, tentou aproximar-se e estudar a cultura popular sabe que isso faz toda diferença. Pode-se aprender muito, conhecer coisas novas, mas existe uma vivência da história ancestral, do pertencimento, que não se aprende. Para além da memória do cérebro, é a memória das células do corpo, dos músculos, do sangue, dos ossos que é ativada e permite que sambadores, foliões, congadeiros façam movimentos complexos com uma simplicidade e leveza que os estudiosos raramente dão conta.

Cultura popular e conservadorismo

As manifestações do folclore e da cultura popular são muitas vezes relacionadas a forças político-sociais e econômicas tradicionais, arcaicas, conservadoras e retrógradas. Essa relação pode se dar, efetivamente, em alguns casos, mas não necessariamente. Na obra de Bule-Bule, temos tanto o exemplo da resignação como o da contestação. "Biluzinho" é uma peça que apresenta uma percepção mais crítica da organização social. Não me levem pro mar, por sua vez, apresenta o inverso, uma grande acomodação à situação precária e um grande conformismo.

Biluzinho (Toada – CD Licutixo)

De onde vem, Biluzinho? / Senta aí nesta gamela

Que vou mandar Gabriela / Juntar uns pés de marcela

Para você se banhar

Me diga por onde andou / O que você encontrou

E por que resolveu voltar

Não é caçoada, não, eu sofri

Iludido com as notícias / Que vi na televisão

Deixei o meu pé de serra / Vendi meu taco de chão

Cheguei na cidade grande / Sem ter qualificação

Fui trabalhar de servente / Empurrar carro de mão

Ganhando salário mínimo / E morando em invasão

Não é caçoada, não, eu sofri

Suportei um ano e meio / Não aguentei mais pressão

Piada de todo jeito / Tanta discriminação

Esquentei minha cabeça / Pedi a conta ao patrão

Perdi 40 por cento / Da minha indenização

O temporal derrubou / Meu barraco na invasão

Não é caçoada, não, eu sofri

Dividir cama com rato / Eu acho que não convém

Quando o dia começa / A exploração também

Sofre pra ir pro trabalho / Se padece quando vem

O dos outros tem valor / Porém, o que é seu não tem

Filho chora e a mãe não vê / Lá, ninguém é de ninguém

Não é caçoada, não, eu sofri

Ao chegar na minha terra / Foi grande a decepção

Tinham plantado capim / Onde eu plantava feijão

Onde eu passava montado / No meu cavalo alazão

Tinham construído estrada / Para passar caminhão

O progresso desgraçou / A vida do meu sertão

Não é caçoada, não, eu sofri

Meu boi de carro / Chamado de azulão

Mataram para comer / No dia da eleição

E o meu carro de boi / Eles fizeram carvão

Para assar meu boi de carro / Nesta mesma ocasião

Um comido outro queimado / Morreu minha ilusão

Não é caçoada, não, eu sofri

Biluzinho, fique comigo / Aqui você não padece

A marca do sofrimento / Com o tempo desaparece

Bem fez eu que não saí / O que tinha permanece

Baixe os quartos / Apague o facho

Veja se não se esquece / Quem caça o que não guardou

Viu, Biluzinho / Quando acha, não conhece.

A canção aponta para o típico processo da imigração do campo para a cidade. O fato de Biluzinho sair iludido com as coisas que viu na televisão, marca a distinção entre uma situação comunitária tradicional e a inserção perversa na modernidade: situação do trabalhador sem qualificação nos serviços urbanos que sai do seu meio e termina trabalhando como servente de pedreiro na cidade grande. E que é o mesmo processo estudado por Marx e que continua com o avanço do capitalismo para os países periféricos.

A nova ordem industrial promove uma separação dos trabalhadores de suas fontes de existência. A produção e a troca deixam de se inscrever num modo de vida indivisível, mais geral e inclusivo, e se criam condições para que o trabalho, bem como a terra, seja considerado como mercadoria e tratado como tal. Liberam-se os movimentos da força de trabalho e de seus portadores e os tornam passíveis de serem sujeitos a outros usos mais úteis ou lucrativos. Assim, a separação das atividades produtivas do resto dos objetivos da vida permitiu que o "esforço físico e mental" se condensasse em um fenômeno em si mesmo, ou seja, uma coisa a ser tratada como todas as coisas, isto é, a ser manipulada, movida, reunida a outras "coisas" ou feita em pedaços (Bauman, 2001: 163).

O trabalho é, então, separado da totalidade a qual ele pertencia e condensado num objeto autocontido. A terra era uma totalidade desse tipo, constituindo um todo integrado com quem a cultivava e arava. A destruição do campesinato põe em xeque essas relações totalizantes rompendo a ligação e o equilíbrio natural entre a terra, o trabalho humano e a riqueza. A terra se transforma em propriedade a ser explorada visando lucro.

Ao contrário da canção Biluzinho, que denuncia a situação do trabalhador da roça, que vai parar como servente de pedreiro na construção civil – a principal empregadora de mão de obra desqualificada na cidade – a canção Não me leve pro mar (CD A fome e a vontade de comer) apresenta uma situação mais conformista.

Seu doutor meu lugar é na caatinga / Região que o governo mais despreza

Onde o pai de família muito reza / E a mãe de família menos xinga

Onde um copo de água de moringa / Vale muito dinheiro no verão

Sei pilar macunã pra fazer pão / E de batata e umbu fazer cocada

Minha roupa de couro alaranjada / Lhe dá provas que venho do sertão

Não me leve pro mar

Não me leve pro mar / não me leve pro mar

Não me leve pro mar que eu não vou / Porque eu não sei nadar

Seu tapete eu garanto não sujar / Uma ponga em seu carro eu nunca peço

Brevemente eu estarei de regresso / No momento eu só quero é escapar

Se o senhor permitir eu vou ficar / Por aqui arranjando o meu pirão

Fico até de vigia no portão / Para sua mansão não sofrer nada

Minha roupa de couro alaranjada / Lhe dá provas que venho do sertão

Não me leve pro mar

A piscina que uso é um barreiro / O transporte que tenho é um cavalo

O relógio que tenho é a voz do galo / Quando canta de noite no terreiro

Meu herói predileto é um vaqueiro / O meu ídolo imortal é Lampião

O meu mito é Padre Cícero Romão / Entre as festas prefiro vaquejada

Minha roupa de couro alaranjada / Lhe dá provas que venho do sertão

Não me leve pro mar...

A partir do binômio litoral / civilização x sertão / forma de vida rústica, a canção apresenta a resignação do retirante que quer apenas passar algum tempo na cidade, vigiando a mansão de alguém de posse até poder retornar para o sertão. No sertão está a festa da vaquejada e a devoção ao Padre Cícero Romão; festas que conservam os laços comunitários.

Essas festas tradicionais da cultura popular costumavam acontecer naquele tipo de comunidade – um tanto idealizada – apresentada por Bauman (2001): pequena, limitada, onde as pessoas se conhecem e com uma circulação mais restrita de ideias e de mercadorias. Na modernidade, as raízes passam a ser empecilhos:

Fixar-se muito fortemente, sobrecarregando os laços com compromissos mutuamente vinculantes, pode ser positivamente prejudicial, dada as novas oportunidades que surgem em outros lugares (Bauman, 2001: 21).

Assim, redes densas de relações sociais – principalmente as territorialmente enraizadas – são obstáculos a serem eliminados.

A desarticulação das comunidades pelo capitalismo e a migração para a cidade não impede, entretanto, que algumas se rearticulem na beira dessa sociedade, em bairros periféricos. Assim, aparece uma Folia de Reis no Morro da Mangueira (Bitter, 2010), no Rio de Janeiro, um Bumba meu Boi encravado em São Paulo ou em Sobradinho, cidade satélite de Brasília. Essas ilhas de cultura popular, com sua rede de proteção comunitária, situam-se marginalmente à cultura de massa hegemônica da moderna sociedade capitalista ocidental. Praticamente invisíveis, mas persistentes.

Tradição e modernidade

A simultaneidade do moderno e do arcaico, de distintas temporalidades num mesmo espaço, é tematizada na canção A máquina de lavar roupa (CD A fome e a vontade de comer), com veemente defesa da tecnologia rústica.

A máquina de lavar roupa / Eu troquei numa gamela

Deixe quem quiser falar / Mamãe se dá bem com ela

Troquei a geladeira numa talha / Minha blusa de nylon num gibão

O meu filtro chinês por um porrão / Meu chapéu de baeta num de palha

Minha moto num burro de cangalha / O revolver numa baleadeira

O tapete importado numa esteira / Uma jarra vidrada por moringa

Meu whisky escocês eu dei por pinga / E a guitarra em viola de madeira

A lasanha gostosa do almoço / Eu consegui coragem pra trocar

Por buchada e carne pra assar / Vou comendo com bem menor esforço

Troquei kibe por carne de pescoço / Cocaína branquinha por rapé

O sapato caríssimo do meu pé / Troquei numa alpercata de rabicho

Faço isso com garra e com capricho / Ser feliz eu espero e tenho fé.

A canção questiona a ilusão de homogeneidade, que é própria da sociedade moderna. Por meio da indústria cultural e de políticas culturais e educacionais oficiais, há uma imposição de padrões cognitivos, estéticos, éticos, gastronômicos, produzidos por especialistas. A partir do interesse das classes dominantes, esses valores são difundidos por toda a sociedade. A sociedade de classes, entretanto, possui uma heterogeneidade real que é resistente a esses mecanismos: os sujeitos interpretam diferentemente um mesmo conjunto de símbolos; recriam formas de sociabilidade, modos de organização e expressam interesses que podem contrapor aos padrões e interesses dominantes. São resíduos de um tempo passado que, como uma semente preservada, conservam sua capacidade de germinação, apontando a perspectiva de um futuro diferente.

Dispersão11 11 . No sentido de saída, encerramento do desfile de uma escola de samba. , mais do que conclusão

Se a leitora ou o leitor deste ensaio não conhece Bule-Bule e sua obra, reitero minha recomendação enfática. É dos grandes artistas populares do país e mais um entre os que não tem o reconhecimento e divulgação à altura de sua qualidade e importância12 12 . Na página < www.bulebule.com.br>, além de informações sobre o artista e sua obra, há o contato para shows. . Este ensaio – bem como a aula que o originou – foi escrito com a ressonância da emoção da performance de Bule-Bule; emoção em parte recuperada, nas aulas e palestras, pela audição dos cantos gravados nos CDs. Ainda que focado na função referencial das letras dos cantos, o texto tenta mostrar aspectos importantes trazidos ao debate da cultura popular (bem como sobre literatura oral, folclore, patrimônio imaterial) a partir de uma perspectiva das performances culturais.

Inicialmente, há de se destacar a ênfase na práxis. A percepção do ator como a parte dinâmica da cultura implica uma diferença com relação à percepção dos estudos de folclore predominantes até a década de 1970, que tinham um olhar mais para o passado. No mesmo sentido, a noção de emergência abre a possibilidade de flagrar na interação estabelecida entre o ator e a plateia, durante o evento, elementos da estrutura social em que ele ocorre e mesmo elementos que alteram essa estrutura. Isso implica uma percepção da vida social como fundamentalmente indeterminada, levando à percepção da estrutura social como algo mutável, embora relativamente estável. Daí aquilo que é marginal, subalterno em relação à cultura dominante, presente como resíduo do passado, poder ser recuperado num projeto de futuro, de mais respeito, harmonia e solidariedade.

Outro aspecto proporcionado pelo estudo da obra de Bule-Bule pelas lentes das performances culturais é a percepção de que suas letras, ao mesmo tempo em que estão inseridas numa tradição cultural, também realizam uma interpretação cultural. Uma performance específica fornece um enquadramento que estabelece e define uma forma de comunicação – entre outras possíveis –, numa dada comunidade. Assim, uma apresentação de Bule-Bule, num Samba de Roda no Recôncavo baiano ou numa cantoria no Nordeste, configura um espaço de experiência comum entre ator e plateia, com símbolos compartilhados. A interpretação das letras para um público acadêmico, de fora daquele círculo, recupera algo daquela experiência específica e o projeta para fora de seu círculo original, ampliando seu alcance, não obstante a ausência do contexto, da ambiência, e da execução musical ao vivo. Execução musical, por sua vez, apenas em parte substituída pela audição dos CDs.

Por fim, cabe salientar que a noção de literatura oral desenvolvida por Richard Bauman (1975) como arte da fala, da performance como um modo de falar, marca um dos momentos de superação da perspectiva de estudos de folclore, incorporando elementos da antropologia, da linguística e da crítica literária. Acrescentaria à lista os estudos de etnomusicologia, história cultural, sociologia da cultura, comunicação como áreas igualmente importantes para os estudos interdisciplinares da cultura popular tradicional.

No Brasil, o universo da cultura popular é formado pela herança de concepções do mundo de negros cativos, índios, caboclos, por um lado, mas envolve também uma cultura ibérica arcaica. Neste universo, predomina a crença na proximidade que os espíritos dos mortos mantêm com os vivos; as almas dos antepassados habitando nosso mesmo universo físico e psíquico e com ele entretendo relações, fastas ou nefastas. Não por acaso, o objetivo de muitos ritos mágicos presentes na cultura popular é conjurar as almas benignas e esconjurar as malignas. E quando os gestos ritualísticos visam induzir as almas a interferirem em proveito do devoto e dos seus ou em desfavor dos inimigos, encontramo-nos num espaço de convivência do mágico com o religioso instituído, não raro, com predominância do primeiro (Bosi, 1992; 2002).

Ao lidar com este universo da cultura popular, marcado pela contiguidade de magia e religião, busco evitar qualquer juízo de valor de tipo evolucionista, pelo qual a magia degradaria a religião, fazendo-a regredir ao estado mágico, animista, arcaico. O fato de recusar esta percepção elitista e olhar com interesse e respeito as manifestações da cultura popular não implica, contudo, abraçar o extremo oposto: a vertente romântico-nacionalista – no limite, populista – que toma por eternamente válidos os valores transmitidos pelo folclore, ignorando ou recusando suas vinculações com a cultura de massa e a cultura erudita. Aqui o risco seria de cair em um particularismo excessivo, identificando expressões grupais com um mítico espírito do povo, ou, mais ideologicamente, com a nação13 13 . Alfredo Bosi (1992; 2002) chama atenção para esses riscos. .

Percebida às vezes como estática, a vida arcaico-popular tem um dinamismo lento, mas seguro. Em contato, mas à margem da cultura erudita, da educação formal institucionalizada e dos meios de comunicação de massa, ela se reproduz no espaço da vida familiar e comunitária, viabilizada pela rede formada por parentes, vizinhos e adeptos de uma mesma religião – sem prejuízo do fato de alguns membros serem adeptos de mais de uma. As manifestações da cultura popular têm, assim, forte traço grupal, desempenhando a tradição papel de coesão social e moral nas comunidades. Usos e costumes, lendas e narrativas, cantos e rezas são formas de explicação do mundo fundadas em um valor cognitivo consensualmente estabelecido. Elas estabelecem modelos de comportamento, preservam crenças e valores. Não se trata, entretanto, de reprodução compulsiva do passado. Ao lidar com o aqui e agora das necessidades do povo, essas tradições – em grande parte orais – reapresentam-se e reelaboram-se continuamente, como resposta às carências das comunidades. Assim, os bens da cultura não devem ser vistos como formas literárias cristalizadas ou comportamentos concretos, mas como significados permanentemente atribuídos pelos homens ao mundo e, portanto, passíveis de mutações e ressignificações.

Com toda a antiguidade e persistência das manifestações, ela conserva espaço para a criação individual e desenvolve-se em contato com as novidades eruditas ou veiculadas pela mídia. Filtra, entretanto, as novidades e rejeita o que considera impertinente, reduzindo ao seu contexto o que é assimilável. Faz isso, traduzindo os significantes no seu sistema de significados e adaptando sensivelmente o que será incorporado (Bosi, 2002).

Além disso, o fato de boa parte das festas da cultura popular ocorrerem atualmente no espaço urbano, em uma economia monetária e integrada ao mercado, com tendência para a heterogeneidade social e maior contato com objetos veiculados pela mídia, não elimina um dos elementos mais marcantes da cultura popular: sua ligação com um modo de vida rústico.

Nessa situação, no Samba de Roda do Recôncavo baiano, na Folia de Reis, no Congado etc. é comum a simultaneidade de versos e toadas cuja autoria é identificável ao lado de outros carreados pela tradição. E é aí que se insere um artista como Bule-Bule. Sua produção é bem próxima da cultura popular e ele mantém um vínculo forte com a tradição do Samba de Roda, do Repente, da Vaquejada, do melhor do Forró, mas sem prescindir de sua condição de artista, autor criador que assina suas peças. Um artista antenado, que está atento ao mundo em que vive e não recusa o diálogo com a sociedade circundante. Nem os vê como separados. Se tiver dúvida, é só acessar sua página na internet, que é uma mostra de tradição sustentada pela modernidade, sem que uma coisa prejudique a outra. Como ele mesmo expressou:

Somos um país feliz. Um povo feliz. Ainda é tempo de recuperar valores, equilíbrio, pessoas, tradições. Estou no mundo sem precisar sair do meu mundo! As formas contemporâneas de cultura de nosso país são enraizadas como em lugar nenhum no mundo.

E não é coincidência que um estudioso da cultura popular, ao entrar em contato com essa obra, possa perceber nela a riqueza do tratamento desses temas em suas canções. É justamente esse diálogo de saberes que entendemos como fusão do horizonte de conhecimento da obra e do intérprete/pesquisador. Na obra de Bule-Bule, temos claramente um processo de fazer e criar, mas também de refletir, ou seja, teorizar. E isso sem que Bule-Bule esteja imbuído de qualquer sentido de resgate das concepções apresentadas. Ao contrário, ele as expressa como sua verdade de artista e criador, e por isso lhes dá expressão.

Assim, o que Bule-Bule apresenta não deve ser visto como reminiscência de tempos antigos, cujo sentido se perdeu no processo histórico. Tampouco como objeto cristalizado, desvinculado do dinamismo do presente, enfim, como evento folclórico. Em função desta conotação restritiva às vezes associada ao termo folclore, ele foi evitado neste ensaio. Além disso, para alguns brincantes, foliões, congadeiros, sambadores o termo não é bem visto, pois implica atitude minimizadora ou equivocada frente à sua prática, mormente quando religiosa. Alguns chegam a usá-lo pejorativamente para demarcar suas diferenças com relação a aqueles que se distanciam dos fundamentos sagrados, aderindo a uma tendência de espetacularização na qual os rituais descontextualizados acabam contribuindo para descaracterizar suas funções básicas e desvirtuar seus objetivos. E, por fim, se o procedimento básico dos estudos de folclore, a descrição das manifestações da cultura popular, teve e tem importância para levantar dados e documentar tais manifestações, valorizando-as, ele, contudo, não tem contribuição de igual importância para a compreensão do contexto sociocultural de tais manifestações e da concepção do mundo de seus produtores.

Além disso, uma parte significativa dos estudos de folclore realizados no país até a década de 1970 – aliás, levados a efeito no mais das vezes por pesquisadores sérios, cultos, eruditos, sensíveis e profundos – seguem o paradigma modernista; o material coletado e documentado servindo, especialmente, para futura reelaboração por artistas eruditos que o elevariam à condição de arte de estatura universal. Em seus pressupostos vige a questão da identidade nacional, brasileira, e isso direciona seu foco para o "objeto folclórico", em detrimento de seus produtores e da diversidade sociocultural do país. Daí porque, neste ensaio, é dada preferência à noção de cultura popular, em sua vertente tradicional. Estudar a cultura popular implica estar atento para a proximidade entre a esfera material da existência e a esfera espiritual ou simbólica, para a indissociabilidade de necessidades orgânicas e necessidades morais, do corpo e da alma. Cultura popular implica modos de viver, e seu estudo requer atenção aos laços que atam os processos simbólicos às condições concretas de sociabilidade da vida popular.

Embora evite o termo folclore, este ensaio foi construído por meio de um diálogo estreito com as concepções expostas por Carlos Rodrigues Brandão em seu livro introdutório O que é folclore. Cumpre salientar, entretanto, que, embora faça uso do termo, Brandão apresentou então, no início da década de 1980, uma proposta de alargamento do campo de estudo do folclore em tudo compatível com as perspectivas aqui apresentadas. Segundo o autor,

é possível descrever fatos isolados do folclore sem enxergar o homem social que cria o folclore que se descreve. Mas é muito difícil compreender o sentido humano do folclore sem explicá-lo através do homem que o produz e de sua condição de vida.

E, ainda que mais complexa, a tarefa se mostra na mesma medida mais compensadora quando podemos incorporar as próprias explicações deste homem sobre suas condições de vida, sua visão do mundo, sua arte; explicações inseridas não teórica, mas artisticamente, em sua produção e em suas performances, como faz Bule-Bule.

Discografia

CDS

DVD

Recebido: 10.12.13

Aprovado: 14.05.14

  • 1

    . Antônio Ribeiro da Conceição, nome artístico Bule-Bule, nascido em 22 de outubro de 1947, na cidade de Antônio Cardoso, estado da Bahia. Músico, escritor, compositor, poeta, cordelista, repentista, ator e cantador. Ao longo dos seus mais de 38 anos de carreira, gravou seis CDs (

    Cantadores da Terra do Sol,

    Série grandes repentistas do Nordeste,

    A fome e a vontade de comer,

    Só não deixei de sambar,

    Repente não tem fronteiras e

    Licutixo). Tem quatro livros editados (

    Bule-Bule em quatro estações,

    Gotas de sentimento,

    Um punhado de cultura popular e

    Só não deixei de sambar), mais de oitenta cordéis escritos, participação em vários seminários como palestrante, várias peças teatrais e publicitárias agraciadas pelo Prêmio Colunista. Milhares de apresentações durante a sua carreira. Atualmente, ocupa o cargo de gerente de cultura da Prefeitura Municipal de Camaçari, de diretor da Associação Baiana de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia e da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel. Recentemente foi premiado com o Prêmio Hangar de Música no Rio Grande do Norte junto com Margaret Menezes e Ivete Sangalo <

  • 2

    . Aqui, chama a atenção o fato de algumas plantas só apresentarem determinados efeitos medicinais quando ingeridas em um ritual específico.

  • 3

    . Agradeço a Rannier Venâncio a transcrição da aula apresentada na disciplina Música e sociedade no Brasil e a Gabriela Peixoto e Talita Viana, sua primeira esquematização. A última colaborou também na seleção de passagens dos textos sobre cultura popular que dialogam com as letras de Bule-Bule.

  • 4

    . Num suporte multimídia, seria possível recuperar, em parte, os estímulos sensoriais sinestésicos, inserindo os áudios e as imagens das apresentações. Informações, fotografias, CDs e DVDs são acessíveis na página <

  • 5

    . Num lamento do Moçambique do capitão Julinho louvando os ancestrais escravizados, o coro, cantando em dueto com intervalo de terças, repetia duas vezes a palavra "doeu", em frases de cinco notas longas. Na primeira, partindo do 5º grau, na sílaba "do", a voz de cima subia uma terça maior, até o 7º grau maior, e descia repetindo o "e" no 6º e 5º grau, para prolongar a vogal fechada "u" no 4º grau. Na segunda frase, partindo do 4º grau, a voz de cima repetia o mesmo movimento, prolongando o "u" no 3º grau. Assim, criava-se o sentido do lamento pela sinergia do texto e da música.

  • 6

    . Ver Alves & Alcântara, 2012.

  • 7

    . DVD

    Ce me dá licença (2008).

  • 8

    . Lourenço Francisco Ferreira.

  • 9

    . João Bosco dos Santos.

  • 10

    . Francisco do Nascimento Filho, nasceu em 28 de dezembro de 1936, em Benjamin Constant -AM e faleceu em 2 de setembro de 2009, em Recife-PE. Referência do frevo, criou sua primeira escola. Entre outras atividades, deu aulas para o Balé Popular do Recife (1976) e ensinou ao artista multidisciplinar Antônio Carlos Nóbrega (1978).

  • 11

    . No sentido de saída, encerramento do desfile de uma escola de samba.

  • 12

    . Na página <

    www.bulebule.com.br>, além de informações sobre o artista e sua obra, há o contato para shows.

  • 13

    . Alfredo Bosi (1992; 2002) chama atenção para esses riscos.

  • 1 . Antônio Ribeiro da Conceição, nome artístico Bule-Bule, nascido em 22 de outubro de 1947, na cidade de Antônio Cardoso, estado da Bahia. Músico, escritor, compositor, poeta, cordelista, repentista, ator e cantador. Ao longo dos seus mais de 38 anos de carreira, gravou seis CDs ( Cantadores da Terra do Sol, Série grandes repentistas do Nordeste, A fome e a vontade de comer, Só não deixei de sambar, Repente não tem fronteiras e Licutixo). Tem quatro livros editados ( Bule-Bule em quatro estações, Gotas de sentimento, Um punhado de cultura popular e Só não deixei de sambar), mais de oitenta cordéis escritos, participação em vários seminários como palestrante, várias peças teatrais e publicitárias agraciadas pelo Prêmio Colunista. Milhares de apresentações durante a sua carreira. Atualmente, ocupa o cargo de gerente de cultura da Prefeitura Municipal de Camaçari, de diretor da Associação Baiana de Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia e da Ordem Brasileira dos Poetas da Literatura de Cordel. Recentemente foi premiado com o Prêmio Hangar de Música no Rio Grande do Norte junto com Margaret Menezes e Ivete Sangalo < www.bulebule.com.br>. 2 . Aqui, chama a atenção o fato de algumas plantas só apresentarem determinados efeitos medicinais quando ingeridas em um ritual específico. 3 . Agradeço a Rannier Venâncio a transcrição da aula apresentada na disciplina Música e sociedade no Brasil e a Gabriela Peixoto e Talita Viana, sua primeira esquematização. A última colaborou também na seleção de passagens dos textos sobre cultura popular que dialogam com as letras de Bule-Bule. 4 . Num suporte multimídia, seria possível recuperar, em parte, os estímulos sensoriais sinestésicos, inserindo os áudios e as imagens das apresentações. Informações, fotografias, CDs e DVDs são acessíveis na página < www.bulebule.com.br>. 5 . Num lamento do Moçambique do capitão Julinho louvando os ancestrais escravizados, o coro, cantando em dueto com intervalo de terças, repetia duas vezes a palavra "doeu", em frases de cinco notas longas. Na primeira, partindo do 5º grau, na sílaba "do", a voz de cima subia uma terça maior, até o 7º grau maior, e descia repetindo o "e" no 6º e 5º grau, para prolongar a vogal fechada "u" no 4º grau. Na segunda frase, partindo do 4º grau, a voz de cima repetia o mesmo movimento, prolongando o "u" no 3º grau. Assim, criava-se o sentido do lamento pela sinergia do texto e da música. 6 . Ver Alves & Alcântara, 2012. 7 . DVD Ce me dá licença (2008). 8 . Lourenço Francisco Ferreira. 9 . João Bosco dos Santos. 10 . Francisco do Nascimento Filho, nasceu em 28 de dezembro de 1936, em Benjamin Constant -AM e faleceu em 2 de setembro de 2009, em Recife-PE. Referência do frevo, criou sua primeira escola. Entre outras atividades, deu aulas para o Balé Popular do Recife (1976) e ensinou ao artista multidisciplinar Antônio Carlos Nóbrega (1978). 11 . No sentido de saída, encerramento do desfile de uma escola de samba. 12 . Na página < www.bulebule.com.br>, além de informações sobre o artista e sua obra, há o contato para shows. 13 . Alfredo Bosi (1992; 2002) chama atenção para esses riscos.

    Quais elementos cênicos que representam símbolos?

    Resposta. Resposta: O figurino, a música, a dança e o cenário.

    Quais são os elementos cênicos?

    Os elementos cênicos presentes no teatro são aqueles de fundamental importância para que o espetáculo se realize. Dentre eles, podemos destacar: cenografia, figurino, maquiagem, sonoplastia, iluminação e objeto cênico, que caracterizam a peça e as personagens.