Quais continentes registram índices elevados de condições de trabalho analógico a escravidão?

Há 133 anos, era assinada a Lei Áurea: 13 de maio de 1888, quando a Princesa Isabel decretava a “abolição” da escravidão no Brasil. Um texto curto, simples e direto, que libertava cerca de 700 mil escravos. Em 2021, no entanto, não há motivos para comemoração. O trabalho análogo à escravidão ainda é uma realidade com a qual o Humanista se deparou ao levantar dados em alusão à passagem da data histórica. No ano passado, em meio à pandemia de Covid-19, quase mil pessoas foram resgatadas dessa condição.

A promulgação da Lei Áurea ocorreu diante da ascensão do movimento abolicionista e o declínio do Brasil Império. Na época, apesar dos escravos terem sido libertos de forma imediata, não houve preocupação em reintegrá-los à sociedade. Ou seja, não foi garantido nenhum direito a eles como cidadãos brasileiros, tornando-os um grupo marginalizado.

Os retratos da abolição tardia e da falta de amparo aos ex-escravos logo após sua libertação são sentidos até hoje. E engana-se quem acredita que não há mais trabalhadores em condições análogas à escravidão no Século 21. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) para cada mil pessoas no mundo, existem 5,4 vítimas de escravidão moderna. Trata-se do trabalho escravo contemporâneo, cujo panorama a reportagem procurou traçar, aventando formas de contribuir para a sua erradicação.


Abolição?

Até hoje ouvimos: o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão. Mas será que houve mesmo uma abolição? A forma como entendemos a escravidão nas escolas não é a mesma praticada nos dias atuais, porém a assinatura da Lei Áurea não deu fim à ela. Pelo contrário, iniciou-se um novo ciclo de exploração trabalhista.

Em 1995, o governo brasileiro assumiu a ocorrência do trabalho escravo contemporâneo no país perante a OIT (Organização Internacional do Trabalho), tornando-se uma das primeiras nações a reconhecer o problema. Segundo a SIT (Secretaria de Inspeção do Trabalho), desde sua oficialização até o ano passado, já foram registrados 55.712 casos de trabalhadores em condições análogas à escravidão no país. Destes, 942 casos foram registrados em 2020.

De acordo com o Artigo 149 do Código Penal, quatro situações podem indicar a escravidão moderna: o trabalho forçado (quando o trabalhador é submetido à exploração, sem possibilidade de deixar o local de trabalho, seja por dívidas ou violências física e psicológica), jornada exaustiva (vai além de horas extras não pagas, se caracteriza por um expediente que coloca em risco a saúde e a integridade física), servidão por dívidas (dívidas ilegais por gastos com transporte, alimentação, aluguel e ferramentas de trabalho) e condições degradantes (alojamento precário, péssima alimentação, maus tratos, ausência de saneamento básico e falta de assistência médica). 

Sonilde Lazzarin, professora de Direito do Trabalho na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), lembra que precisamos desmistificar o conceito de escravidão, pois há diferentes formas de considerarmos a prática exploratória. “Não é apenas a ausência de liberdade que faz um trabalhador escravo, mas a violação dos direitos fundamentais, quando o trabalhador é transformado em mero instrumento de trabalho, excluído de condições mínimas de dignidade humana”.


Quais continentes registram índices elevados de condições de trabalho analógico a escravidão?


A busca por melhores condições de vida é uma das principais causas do trabalho escravo contemporâneo, pois a maioria dessas pessoas encontra-se em vulnerabilidade socioeconômica e acabam por aceitar qualquer proposta que lhes “encha os olhos”.


Quem são os escravos e quem escraviza

Quais continentes registram índices elevados de condições de trabalho analógico a escravidão?
Condições de sobrevivência são precárias. Foto: Sérgio Carvalho/Fiscal do Trabalho

O perfil do escravo contemporâneo se caracteriza, principalmente, por homens na faixa dos 18 aos 44 anos, devido à sua força física exigida na maioria das atividades do campo, sendo a maioria migrantes internos vindos da região nordeste, que deixam suas casas em busca de sustento para suas famílias.

Números mais recentes da SIT, coletados entre 2016 e 2018, mostram que 82% dos resgatados neste perído eram negros. Além disso, dados do Programa Seguro-Desemprego, registrados entre 2003 e 2018, indicam que 70% deles são analfabetos ou não concluíram nem o 5º ano do Ensino Fundamental. Já as mulheres, que representam apenas 5%, geralmente são resgatadas nas cidades, sendo a indústria têxtil uma das principais responsáveis pela prática. 


Quais continentes registram índices elevados de condições de trabalho analógico a escravidão?


Entre os trabalhadores libertos nos últimos 25 anos, a maioria foi resgatado no campo, em setores como pecuária, lavouras e carvão vegetal. Já nos centros urbanos destacam-se a construção civil e a indústria têxtil.

Um dos maiores casos já registrados no país ocorreu em março de 2000 na cidade de Sapucaia, no interior do Pará. Esta operação, que ficou conhecida como Fazenda Brasil Verde, resgatou 126 trabalhadores que eram mantidos em condições análogas a escravidão e recebiam apenas 70 centavos por dia trabalhado. Com este caso, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana a pagar uma indenização de 5 milhões de dólares aos trabalhadores por negligenciar e não tomar medidas de prevenção ao problema.    


No Rio Grande do Sul

De acordo com os dados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, foram resgatadas 345 pessoas em condições análogas à escravidão no Rio Grande do Sul de 1995 até 2020. Dentre os municípios com o maior número de casos estão Bom Jesus (65) e Cacequi (57).

Em março deste ano, uma operação conjunta entre a Polícia Federal e os órgãos fiscalizadores do trabalho do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina resgatou 18 pessoas (16 homens e uma mulher) em condições análogas à escravidão em Campestre da Serra. Segundo o auditor fiscal do trabalho Magno Riga, os trabalhadores vinham sendo vítimas de exploração desde outubro do ano passado.


Centros urbanos

Apesar dos dados consolidados apontarem para uma maior quantidade de casos nos meios rurais, há também diversos trabalhadores em condições análogas à escravidão em grandes cidades. Como foi o caso da marca Zara, denunciada por envolvimento com trabalho escravo em 2011 e responsabilizada pelo crime em 2017.



Multinacionais são acusadas de compactuar com essa exploração de mão de obra, como a Apple, a Coca-Cola e a Nike. Em virtude desses novos casos, o Ministério do Trabalho juntamente com a Secretária de Inspeção do Trabalho desenvolveram a chamada lista suja, a qual informa por meio de uma listagem o nome de empregadores e estabelecimentos que descumpriram alguma norma em relação à condição de seus empregados.

Além do nome incluso na lista por dois anos, o empregador fica sujeito à pena de dois a oito anos de reclusão e deve efetuar o pagamento dos salários atrasados e dos direitos trabalhistas aos resgatados. Sonilde, doutora em Direito Trabalhista, ainda reitera que o MPT (Ministério Público do Trabalho) também pode mover uma ação civil pública contra o empregador solicitando uma indenização por dano moral coletivo. Lucas Fernandes, procurador do trabalho e coordenador regional da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo) na PRT-4 ( Procuradoria Regional do Trabalho da 4ª Região), explica o motivo dessa indenização coletiva. “É inadmissível um empregador quebrar os valores coletivos da sociedade, como os direitos humanos, por isso ele precisa retribuir esse dano coletivo por meio de uma indenização que é revertida para projetos sociais e associações”. 


O combate ao trabalho escravo

Para quebrarmos o novo ciclo do trabalho escravo é preciso alinhar três pilares: fiscalização, prevenção e assistência às vítimas. A fiscalização é realizada por um conjunto de órgãos públicos, como auditores fiscais do trabalho, procuradores do trabalho, policiais federais, defensores públicos da União e procuradores da república. De acordo com Lucas, procurador do trabalho, após a chegada da denúncia por meio de algum um dos órgãos é necessário uma apuração das informações para verificar se há veracidade. Por isso, ele reforça a importância de uma denúncia clara e robusta. “Se tiver fotos, bilhetes, endereço do local em que está ocorrendo a exploração e algum telefone para contato da pessoa que realizou a denúncia, podemos agir de forma mais rápida”.

Após essa análise preliminar, os órgãos se direcionam até o local e realizam a inspeção. Se houver a confirmação de trabalhadores em condições análogas à escravidão inicia o processo de resgate dessas vítimas e a regularização do empregador por meio do pagamento de multas e salários atrasados e direitos dos trabalhadores, além da assinatura do termo de ajuste de conduta. “É muito difícil termos apreensão no local no dia da inspeção, pois a prioridade é retirar as pessoas dessa situação degradante e dar todo o suporte necessário, como abrigo e encaminhar o seguro desemprego”, afirma Lucas Fernandes.

Para a prevenção é necessário a promoção da informação, de debates e da educação por meio de políticas públicas que também contemplem a assistência às vítimas. Pois, só será possível combater a escravidão contemporânea, quando os trabalhadores compreenderam sua situação e conseguirem se desvincular da exploração. Porém, os cidadãos não podem se isentar diante do problema.

“A sociedade pode auxiliar de várias formas, e a primeira, é não adquirir produtos de empresas que utilizam esta prática”, afirma Sonilde. Para Lucas, precisamos também discutir o tema, recordando da abolição tardia e da falta de políticas públicas após a assinatura da Lei Áurea. “As pessoas que se encontram em condições análogas a escravidão estão a mercê da sociedade, elas tem consciência da exploração, mas não sabem como sair dessa situação por falta de instrução”.

Em contrapartida, existem diversos projetos e associações nacionais e internacionais que visam combater o trabalho escravo e, principalmente, acolher as vítimas. Entre eles, o CDVDH (Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán) é uma ONG voltada aos Direitos Humanos, fundada em 1996 em Açailândia no Maranhão.

A entidade atua há 25 anos acompanhando casos de trabalhadores rurais libertados da escravidão. Mariana Goméz, secretária executiva da ONG, explica que a assistência se dá, principalmente, por meio de atendimentos sócio-jurídicos gratuitos para as vítimas. “Os atendimentos vão desde orientações e encaminhamento a políticas públicas disponíveis até casos de alta complexidade que precisam de acompanhamento e representação jurídica a longo prazo”. Segundo Mariana, o projeto realiza uma média de 300 atendimentos por ano de trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão.

Quais continentes registram índices elevados de condições de trabalho analógico a escravidão?
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán. Foto: divulgação

O centro também trabalha com ações integradas que contribuem na diminuição da vulnerabilidade social, que é um ponto chave para o combate da escravização contemporânea. Além disso, eles possuem participação ativa em espaços de discussão, construção e controle de políticas públicas envolvendo o tema.


Como denunciar

Há diversas formas de denunciar casos de exploração do trabalho. É possível realizar a queixa através dos canais do Ministério Público do Trabalho, como no site e também no aplicativo, “Pardal MPT”. Também há outras páginas como a Sala de Atendimento ao Cidadão do MPF (Ministério Público Federal) e o portal do Governo Federal disponibilizadas para registro de denúncias trabalhistas.

Além dos meios digitais, é possível formalizar uma denúncia por telefone no Disque 100, que recebe queixas para qualquer violação aos direitos humanos. Em caso de condições de trabalho análogas à escravidão, denuncie! Não é admissível esse tipo de prática frente ao que determinam a Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Quais os continentes apresentam os maiores índices de trabalho análogo à escravidão?

A África e a Ásia, de acordo com o documento, são os continentes com a maior incidência e prevalência de pessoas nessa condição. Somadas, a Índia, China, o Paquistão, a Nigéria, Etiópia, Rússia, Tailândia, o Congo, Myanmar e Bangladesh têm 76% do total mundial, cerca de 22,6 milhões de pessoas.

Por que alguns países são mais propensos a registrar com dições de trabalho análogo à escravidão?

Resposta. Resposta: São mais propensos a registrar esses números também por falta da liberdade de expressão.

O que é trabalho em condições análogas à de escravo?

Considera-se trabalho realizado em condição análoga à de escravo a que resulte das seguintes situações, quer em conjunto, quer isoladamente: a submissão de trabalhador a trabalhos forçados; a submissão de trabalhador a jornada exaustiva; a sujeição de trabalhador a condições degradantes de trabalho; a restrição da ...

Quais são as principais funções dos escravos no continente africano?

O desenvolvimento da economia colonial era garantido pela mão de obra escrava, que era empregada em diversas áreas: pecuária, lavoura, coleta, pesca e transporte de produtos. Os escravizados também realizavam uma diversidade de atividades desde o plantio (diversas culturas) até a preparação e o processamento do açúcar.