Quais as principais características da reforma Francisco Campos e Capanema na educação brasileira?

Quais as principais características da reforma Francisco Campos e Capanema na educação brasileira?

Gustavo Capanema e a educa��o brasileira: uma interpreta��o

Simon Schwartzman

Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedag�gicos, 66 (153), 165-72, maio/ago 1985

Resumo
Gustavo Capanema, Ministro da Educa��o de 1937 a 1945, foi respons�vel por uma s�rie de projetos importantes de reorganiza��o do ensino no pa�s, assim como pela organiza��o do Minist�rio da Educa��o em moldes semelhantes ao que ainda � hoje. O apoio dado por Capanema a grupos intelectuais e, mais especialmente, a arquitetos e artistas pl�sticos de orienta��o moderna, contribuiu para cercar sua gest�o de uma imagem de moderniza��o na esfera educacional que ainda n�o havia sido examinada em mais detalhe. Este artigo, baseado em evid�ncias constantes de livro recentemente publicado, mostra como a caracter�stica principal de sua gest�o, na �rea educacional, foi sua vincula��o com os setores mais conservadores da Igreja Cat�lica no Brasil. Em conseq��ncia desta vincula��o a Igreja cessou, durante o Estado Novo, seu ataque tradicional � interfer�ncia do Estado nas atividades educacionais, e o Estado, por sua vez, tratou de adotar os preceitos doutrin�rios e educacionais da Igreja no ensino publico que ora se implantava. O artigo examina esta alian�a e suas conseq��ncias.



A denomina��o �Edif�cio Gustavo Capanema� dada � antiga sede do Minist�rio da Educa��o no Rio de Janeiro, expressa bem a identidade que se estabeleceu, ao longo dos anos, entre o antigo Minist�rio da Educa��o e Sa�de do Estado Novo e o modernismo que a arquitetura daquele pr�dio pretende simbolizar. Esta associa��o, que corresponde a uma faceta significativa da longa passagem de Capanema pela Minist�rio, tem no entanto dificultado uma vis�o mais clara dos aspectos mais importantes de sua atua��o na �rea educacional. A documenta��o reunida pana a elabora��o de livro sobre a �poca, recentemente publicado (Schwartzman, Bomeny, e Costa 1984), permite que se tente uma interpreta��o preliminar deste per�odo, que � aqui sugerida.

A faceta talvez mais significativa da gest�o de Capanema no Minist�rio da Educa��o, hoje freq�entemente esquecida, foi sua intima associa��o com os setores mais militantes e conservadores da Igreja Cat�lica naqueles anos, representada por Alceu Amoroso Lima, Padre Leonel Franca e, como figura central, o Cardeal Leme, do Rio de Janeiro. N�o se tratava de mera afinidade filos�fica ou ideol�gica. Em 1934, quando Capanema chega ao Minist�rio da Educa��o, firmou-se o pacto pol�tico entre Get�lio Vargas, de origem castilhista e positivista, e a Igreja. Segundo este acordo, a Igreja daria ao governo apoio pol�tico e receberia em troca a aprova��o das chamadas �emendas religiosas� na Constituinte de 1934, que inclu�a, entre outras coisas, a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas p�blicas. Mais do que isto, o pacto levou a que o Minist�rio da Educa��o fosse entregue a pessoa de confian�a da Igreja. que trabalharia em consulta constante com Alceu Amoroso Lima.

A primeira conseq��ncia deste acordo pol�tico foi que a Igreja passou a aceitar uma presen�a muito mais ativa do Estado na educa��o do que normalmente o faria, O Brasil respirava, naqueles anos, o debate da educa��o p�blica vs. educa��o privada que, oriundo da Europa, marcava a oposi��o entre os defensores do ensino leigo, universal e p�blico e a Igreja, defensora do ensino privado e confessional. Na Europa, e na Fran�a mais particularmente, este debate se dava no contexto de uma separa��o estrita entre a Igreja e o Estado, que tamb�m prevaleceu no Brasil entre a Proclama��o da Rep�blica e o pacto de 1934. Com este pacto, a Igreja cessou seus ataques � interfer�ncia do Estado na Educa��o, passando a trabalhar para que esta educa��o tivesse a forma e os conte�dos que ela considerava adequados. Ela continuaria, sem d�vida a desenvolver sua rede de escolas religiosas de n�vel secund�rio e, no final da d�cada de 30, trataria de dar forma a seu projeto universit�rio independente. Mas a presen�a do Estado na Educa��o deixa de ser, entre n�s, o an�tema que era na Europa.��

Esta acomoda��o entre a Igreja e o Estado fez com que perdesse muito de sua nitidez o confronto entre a Igreja e os defensores do ensino p�blico e leigo, que ficaram conhecidos como os �pioneiros da educa��o nova�. Ao forte conflito ideol�gico que contrapunha, por exemplo, An�sio Teixeira a Alceu Amoroso Lima, n�o correspondia oposi��o total, j� que ambos defendiam, ainda que por caminhos distintos, um papel crescente do Estado no estimulo e controle da educa��o nacional. As diverg�ncias se colocavam freq�entemente em termos filos�ficos e pedag�gicos, mas, ainda a�, faltava a ambos os lados concep��es pedag�gicas mais elaboradas que caracterizassem suas respectivas posi��es. Isto explica porque outras pessoas tamb�m identificadas com o escolanovismo, mas menos marcadas ideologicamente, passaram a se definir essencialmente como �t�cnicos em educa��o� e, desta forma, conseguiram ocupar lugares importantes do Minist�rio. O exemplo mais marcante talvez tenha sido o de Louren�o Filho, respons�vel pela organiza��o do INEP.���

O papel crescente do governo federal na educa��o teve tamb�m como conseq��ncia o arrefecimento dos esfor�os educacionais dos estados, que haviam come�ado a se esbo�ar com maior vigor em v�rias regi�es do pais ao longo da d�cada de 20 e inicio dos� anos 30. Este n�o foi, evidentemente, um efeito exclusivo da pol�tica do Minist�rio da� Educa��o, mas parte de um processo muito mais amplo de concentra��o do poder no� Rio de Janeiro e esvaziamento dos estados. Como o ensino prim�rio continuou sendo� atribui��o dos governos estaduais e o Minist�rio se preocupava basicamente com o n�vel secund�rio e superior. o ensino prim�rio ficou cada vez mais relegado a segundo� plano, e o pais jamais conseguiu organizar um sistema nacional realmente abrangente de� educa��o b�sica, apesar dos avan�os havidos principalmente em S�o Paulo e no Distrito Federal. A principal atua��o do Estado Novo na �rea do ensino prim�rio foi, na realidade, repressiva, ao tratar de impedir que os filhos de imigrantes japoneses. italianos e� alem�es fossem alfabetizados em suas l�nguas maternas. E s� nos �ltimos anos do governo Vargas, com o processo de democratiza��o do pais j� iniciado, que as iniciativas� educacionais a n�vel estadual come�am a ser retornadas.��

Um dos principais resultados da colabora��o entre a Igreja e o Minist�rio da Educa��o foi a grande �nfase dada ao ensino humanista na escola secund�ria. em detrimento da forma��o cient�fica e t�cnica. O latim ocupava lugar central, e at� o grego chegou a�� ser cogitado como mat�ria regular, enquanto que a atemm�tica. a biologia e a f�sica� ficavam em segundo plano. Esta prefer�ncia pelas humanidades correspondia a uma concep��o segundo a qual seriam estas as disciplinas verdadeiramente formativas, restando �s mat�rias de cunho t�cnico e emp�rico import�ncia meramente instrumental. Era uma concep��o que coincidia, infelizmente, com a pr�pria realidade do pa�s, com muito mais condi��es de formar professores de l�nguas, hist�ria, geografia e filosofia tomista do que de f�sica, qu�mica e biologia, pela pr�pria inexist�ncia de uma universidade moderna. Assim, a op��o governamental refor�ou as defici�ncias existentes.

A �nfase no ensino cl�ssico e humanista para o n�vel secund�rio se explica pela id�ia, ent�o existente, de que caberia � escola secund�ria a forma��o das elites condutoras do pa�s, enquanto que as grandes massas seriam atendidas pelo ensino prim�rio ou por escolas profissionais menos prestigiadas - comercial, agr�cola, industrial, etc. O ensino superior permanecia muito restrito e seu acesso, por muito tempo, esteve limitado aos alunos que passassem pelas escolas secund�rias. O ensino secund�rio adquiriu, desta forma, um prest�gio especial entre as fam�lias que podiam proporcionar educa��o a seus filhos, que s� eram destinados a outras modalidades de ensino m�dio se n�o tivessem alternativa Aqui, novamente, houve coincid�ncia e refor�o m�tuo entre a prioridade dada pelo Minist�rio da Educa��o ao ensino secund�rio e a tend�ncia da pr�pria sociedade em desvalorizar a educa��o profissional e t�cnica, como destinada a cidad�os de segunda classe. Desta forma, o ensino m�dio profissional nunca chegou a ter os recursos, a aten��o e o envolvimento de pessoas motivadas e qualificadas para dar-lhe um m�nimo de qualidade, apesar das honrosas exce��es de sempre.

A Igreja tamb�m colaborou na tentativa de dar � sociedade brasileira uma organiza��o corporativa, que teve reflexos importantes na �rea educacional. � men��o do termo �corporativismo� surge logo a imagem da organiza��o sim�trica dos sindicatos patronais e de empregados sob supervis�o ministerial, implantada pelo Estado Novo e praticamente inalterada at� os dias de hoje. Na �rea educacional, o ideal corporativo levou � tentativa de estabelecer uma estrita correspond�ncia entre o sistema de ensino e o mercado de trabalho, segundo a qual as profiss�es seriam definidas por lei, organizadas por guildas ou associa��es profissionais, a cada profiss�o correspondendo um curso e vice-versa. Isto fez com que a educa��o geral ficasse limitada � escola secund�ria, enquanto que as universidades se organizavam para a forma��o de profissionais liberais que deveriam passar por curr�culos m�nimos id�nticos e fixados por lei, que dariam direito a diplomas para o exerc�cio profissional, Esta vincula��o for�ada entre os cursos superiores e o mercado de trabalho fez com que, na pr�tica, as universidades brasileiras jamais chegassem a ter real autonomia did�tica, situa��o que at� hoje perdura.��

Esta maneira de entender a rela��o entre educa��o e trabalho sup�e, naturalmente, que o mercado de trabalho seja organizado em profiss�es perfeitamente delimitadas e fixas e que seja poss�vel proporcionar, atrav�s do ensino formal, as qualifica��es requeridas pelas diversas profiss�es, sejam elas de n�vel m�dio, sejam elas ditas �liberais�, de n�vel superior. Ambas suposi��es s�o altamente duvidosas, pois hoje � sabido que a educa��o formal funciona, em grande parte, como mecanismo de controle de acesso e credenciamento para o exerc�cio privilegiado de certas profiss�es que s�o monopolizadas pelos detentores destas credenciais. A uniformiza��o dos curr�culos, a desvaloriza��o da educa��o geral e cient�fica nas universidades, o formalismo e o conseq�ente esvaziamento do conte�do de muito de nosso sistema educacional podem ser explicados por esta situa��o, Seria, no entanto, injusto dizer que o credencialismo e seus problemas resultam somente do corporativismo de inspira��o cat�lica conservadora. Aqui, como em outros casos, ela simplesmente refor�ou uma tend�ncia preexistente em nosso sistema educacional, que nem � exclusiva da experi�ncia brasileira.

A Igreja contribuiu, finalmente, para a sele��o ideol�gica de funcion�rios ministeriais e professores, particularmente os da Universidade do Brasil (hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). Al�m da profus�o de vetos e indica��es de nomes que aparecem na correspond�ncia entre Alceu Amoroso Lima e Capanema (e de muitos mais, seguramente, que n�o aparecem), houve uma influ�ncia direta da Igreja no fechamento da Universidade do Distrito Federal, criada por An�sio Teixeira e entregue mais tarde, por um breve per�odo, � dire��o de Amoroso Lima. A Faculdade Nacional de Filosofia, organizada a seguir, tamb�m estava destinada a Amoroso Lima, que acaba, no entanto, n�o assumindo o posto, deixando-o para San Tiago Dantas, figura proeminente do movimento integralista dos anos 30. A sele��o ideol�gica dos professores da Faculdade Nacional de Filosofia se fez principalmente para as disciplinas de conte�do social e filos�fico, mas esteve presente inclusive na escolha dos professores franceses convidados para o Rio, nos moldes da experi�ncia paulista de 1934, A Universidade de S�o Paulo, no entanto, n�o esteve sujeita a um controle ideol�gico deste tipo, sendo talvez esta uma das raz�es pela qual tenha conseguido. na m�dia, um corpo de professores de melhor qualidade e uma presen�a muito mais significativa na vida cultural do pa�s.

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Dentro do esp�rito do Estado Novo, o Minist�rio Capanema tratou de centralizar, tanto quando poss�vel, a educa��o nacional (� de justi�a assinalar que o centralismo n�o se originou com Capanema, estando tamb�m presente na legisla��o promulgada por Francisco Campos, em 1931, com ra�zes muito anteriores). Esta centraliza��o foi, sobretudo, normativa. O Estado se sentia na necessidade de fixar, em lei, todos os detalhes da atividade educacional, dos conte�dos dos curr�culos aos hor�rios de aula, passando pelas taxas cobradas aos alunos. O ideal, uma vez expresso, era repetir no Brasil o orgulho que diziam ter sido de Napole�o, ou seja, o de poder, em seu gabinete, saber a cada momento o que estava ensinando cada professor em qualquer parte do territ�rio nacional. A id�ia de que as universidades, pelo menos, pudessem ter autonomia, era aceita em princ�pio desde a legisla��o promulgada em 1931 por Francisco Campos, mas desde ent�o tamb�m cerceada pela no��o, hoje t�o conhecida, de que elas �ainda n�o estavam preparadas� para isto. O conte�do do ensino deveria ser fixado por lei e sua manifesta��o concreta fixada em institu��es-modelo - o Col�gio Pedro II e a Universidade do Brasil - que todos deveriam copiar. As institui��es de ensino n�o poderiam crescer aos poucos e ir definindo seus objetivos ao longo do tempo. Mais inaceit�vel ainda seria a id�ia de que elas pudessem evoluir segundo formatos, modelos e conte�dos distintos, N�o havia lugar para incrementalismo e muito menos para pluralismo.�

Os corol�rios inevit�veis da centraliza��o foram a burocratiza��o, o controle pr�vio e a inefici�ncia. O Conselho Nacional de Educa��o, antecessor do atual Conselho Federal, assumiu uma s�rie de fun��es n�o s� normativas, mas tamb�m processuais e decis�rias, que at� hoje marcam seu funcionamento, e o pr�prio Minist�rio constituiu um corpo de inspetores para supervisionar a estrita observ�ncia de suas normas e diretrizes. O controle pr�vio sup�e que os estabelecimentos de ensino devam demonstrar, por antecipa��o, que est�o aptos a cumprir com as exig�ncias e normas do governo federal, que n�o eram poucas. Id�ia aparentemente inatac�vel, mas que na pr�tica impedia a iniciativa e a criatividade, submetendo todo o sistema educacional a rituais formalistas, cujo sentido freq�entemente se perdia no longo caminho entre a inten��o do legislador e sua interpreta��o quotidiana. A inefici�ncia aumentava porque toda esta arquitetura que se tentou monta para a educa��o brasileira supunha uma defini��o pr�via, clama e minuciosa de objetivos, prioridades e procedimentos a serem seguidos em todo o pa�s. O Minist�rio da Educa��o despendia muito tempo e energia no processamento de centenas de propostas detalhadas sobre todos os assuntos, secretadas por um grande n�mero de comiss�es, das quais deveria surgir a legisla��o educacional do pa�s. E, ao mesmo tempo, tinha que disputar constantemente sua �rea de poder e influ�ncia com outros setores do governo. A conseq��ncia era que freq�entemente as decis�es eram paralisadas, � espera de defini��es que n�o vinham, e estas paralisa��es, pela falta de autonomia, afetavam a todos.

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A luta por espa�o, desenvolvida por Capanema ao longo de seus onze anos de Minist�rio. deve ser entendida no contexto das vicissitudes do pacto entre a Igreja e o Estado naqueles anos. Um dos formuladores mais ativos deste pacto havia sido Francisco Campos, primeiro Ministro da Educa��o, que ambicionava transformar a Igreja em grande instrumento de mobiliza��o popular para a sustenta��o de um regime autorit�rio. Campos termina marginalizado no processo de concilia��o pol�tica que resultou na Constituinte de 1934 e tem o desprazer de ver seu antigo disc�pulo, Capanema, ocupando o posto e o lugar que havia preparado para si. Nos anos seguintes, Campos se articula com os setores mais militantes da direita cat�lica e do integralismo e volta a ter atua��o importante nos anos que se seguem � insurrei��o comunista de 1935, quando participa da conspira��o que leva ao golpe de estado de 1937. O Estado Novo, cuja Carta Constitucional redige e do qual seria Ministro da Justi�a, deveria ter em Pl�nio Salgado seu Ministro da Educa��o, e o pr�prio Campos no comando de uma ambiciosa Organiza��o Nacional da Juventude, de cunho paramilitar, Com estes elementos, o projeto de mobiliza��o fascista planejado pana o inicio da d�cada chegaria, finalmente, � frui��o.

O governo Vargas, no entanto, uma vez consolidado, come�a a reduzir o poder do integralismo, chegando finalmente � confronta��o direta com seus antigos aliados. Pl�nio Salgado vai para o ex�lio, Capanema permanece no Minist�rio e a Organiza��o Nacional da Juventude, vetada por Eurico Dutra, termina como uma inofensiva Juventude Brasileira, no �mbito do Minist�rio da Educa��o. O pacto com a Igreja tamb�m perde import�ncia para o regime. Campos, membro do Minist�rio, hostiliza quanto pode o Minist�rio da Educa��o, mas seu poder tamb�m � reduzido. E assim que lhe escapa, finalmente, o Departamento de Imprensa e Propaganda, cuja semente havia lan�ado no Minist�rio da Educa��o no inicio da d�cada e que deveria fazer uso dos novos elementos de comunica��o de massas, como o r�dio e o cinema, que ent�o se firmavam e dos quais tanto se esperava. Vinculado diretamente a Get�lio Vargas e dirigido por pessoa de sua confian�a, Lourival Fontes, o DIP se toma muito mais do que um simples instrumento de censura. � ele que estabelece v�nculos diretos com intelectuais, publica revistas de cultura e disputa, com o Minist�rio da Educa��o, o controle dos meios de comunica��o. O Minist�rio da Educa��o consegue preservar algumas faixas de atua��o, como por exemplo a do r�dio e cinema educativos, mas n�o h� d�vida de que � o DIP que se transforma no grande celeiro de id�ias e ideologias para o novo regime.

O enfraquecimento do Minist�rio tem outros reflexos. O Ministro n�o tem autonomia financeira sequer para convidar um professor do estrangeiro e Vargas nem sempre lhe concede os recursos que solicita. O Minist�rio do Trabalho, Ind�stria e Com�rcio disputa com Capanema o controle do ensino t�cnico-industrial e termina prevalecendo com a cria��o de um sistema pr�prio que se desenvolve independentemente (e com maior compet�ncia) do que o iniciado pelo Minist�rio da Educa��o. O Ex�rcito faz tamb�m freq�entes incurs�es na �rea educacional, marcando sua presen�a na institui��o do ensino pr�-militar, na educa��o moral e c�vica e na educa��o f�sica. Projetos ambiciosos e ideologicamente carregados. como o do Estatuto da Fam�lia, s�o barrados pela assessoria presidencial e adquirem muitas vezes conota��o oposta � desejada. O Ministro perde at� mesmo o controle das nomea��es dos professores da Universidade, exatamente um dos fatores que leva Alceu Amoroso Lima a desistir da dire��o da Faculdade Nacional de Filosofia.��

Capanema faz o que pode para manter seu espa�o. Procura se aproximar ao m�ximo de Vargas, pela demonstra��o continua de fidelidade e pela escrita de textos laudat�rios � figura do Chefe, no estilo e linguajar daqueles anos. Projeta um livro ambicioso que se transformaria em grande monumento �s realiza��es do Estado� Novo (Schwartzman 1982) . Busca se cercar da melhor assessoria poss�vel, dentro e fora do pa�s, para refor�ar sua imagem de homem de cultura. Trata de manter seus v�nculos pessoais com a Igreja. No entanto, as diferen�as de estilo, de temperamento e de valores entre o cat�lico mineiro e o castilhista ga�cho eram demasiadas e ele nunca chega a desfrutar da simpatia do Presidente. Na medida em que passam os anos e os projetos de Capanema amadurecem, tamb�m cresce, aparentemente, seu isolamento.

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A express�o �moderniza��o conservadora�, muitas vezes utilizada para caracterizar o regime Vargas, aplica-se com toda a propriedade a seu Ministro da Educa��o. A moderniza��o se manifestava em seu desejo de criar um sistema educacional forte e abrangente e na preocupa��o constante com a atividade cultural e art�stica. O lado conservador se manifestava de muitas formas distintas: pela concentra��o do poder, que n�o permitia a organiza��o de institui��es educacionais e culturais livres e aut�nomas fora da tutela ministerial; pela concep��o basicamente estetizante. quando n�o utilit�ria, da cultura e das artes. A musica, a poesia, a pintura. o patrim�nio cultural do pais, tudo isto era, na medida do poss�vel, apoiado e estimulado, mas basicamente como cultura ornamental, ou, alternativamente, como arte monumental capaz de mobilizar os grandes sentimentos c�vicos. Este monumentalismo est� presente nos grandes projetos arquitet�nicos, no muralismo de Portinari, assim como nos grandes corais c�vicos de Villa-Lobos. Pecadilhos ideol�gicos eram permitidos e tolerados entre poetas e artistas pl�sticos, desde que n�o se manifestassem com muita intensidade em suas obras. O Ministro atua, assim, como mecenas das artes, e � retribu�do com gratid�o, Na �rea do ensino, no entanto, o controle era mais estrito. * * *
Com o fim do Estado Novo o lado modernista e �culto� da atua��o de Capanema vai se tornando cada vez mais destacado para os observadores, enquanto que o lado conservador vai sendo encoberto pelas brumas que passaram a envolver todo o autoritarismo estadonovista, de t�o inc�moda lembran�a. O pr�prio Capanema adquire uma vis�o pol�tica mais liberal, e n�o h� raz�es para acreditar que n�o tenha sido uma aut�ntica mudan�a de perspectivas. No Congresso, Capanema desempenha papel importante na sustenta��o pol�tica dos governos pessedistas, chegando a l�der do governo Get�lio Vargas na dif�cil conjuntura de 1954.

Desfeito o pacto entre a Igreja e o Estado, a velha querela entre o ensino p�blico e o privado � retomada pela Igreja e pelo lobby dos col�gios privados nos debates sobre a Lei de Diretrizes e Bases, que se arrastam ao longo dos anos. Como sabemos, a lei termina sendo finalmente aprovada, j� no inicio dos anos 60, com um texto que atendia em boa parte aos desejos da Igreja. ou seja, afirmando a prioridade da fam�lia e o papel secund�rio do Estado na educa��o (ainda que a educa��o p�blica permanecesse como benefici�ria principal das verbas do Estado). J� era, no entanto, tarde demais. A Igreja n�o conseguiria desfazer o sistema centralizado e estatal que ajudara a montar, assim como os governos n�o conseguiriam formular um projeto educacional de alcance realmente nacional, livre dos supostos e limita��es constru�dos nos anos anteriores. Nos anos 50 e 60, a defesa da escola p�blica, universal e gratuita, retomada por muitos dos remanescentes do escolanovismo, surgiu basicamente como uma defesa do ensino p�blico ante os ataques da Igreja, ou seja, exatamente como a defesa das institui��es que a Igreja havia ajudado a criar no per�odo anterior.�

Talvez seja por isto que a campanha da escola p�blica daqueles anos n�o tenha tido maior impacto, apesar da mobiliza��o intensa de alguns setores intelectuais mais ligados �s institui��es escolares. Talvez n�o fosse totalmente equivocado sugerir que o debate educacional brasileiro. nos anos posteriores a 1945, regrediu ao per�odo anterior a 1934. Ocupando no Congresso posi��o privilegiada. como representante dos governos pedessistas para todas as quest�es educacionais, Capanema contribuiu, seguramente, para que o sistema educacional amb�guo e contradit�rio que criara fosse preservado e para que o debate educacional n�o prosperasse.

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� prov�vel que esta interpreta��o n�o seja correta em todos seus detalhes e que, em sua brevidade, n�o fa�a plena justi�a a contribui��es importantes feitas naqueles anos por Capanema e muitos de seus auxiliares de reconhecida compet�ncia e honestidade pessoal. No entanto, a hist�ria n�o pode ser feita somente pelo relato de a��es e m�ritos isolados, que perdem sentido quando fora de seu contexto mais amplo, que � o que tratamos de retratar aqui. A historiografia brasileira sobre a d�cada de 30 se desenvolveu muito nos �ltimos anos e isto j� proporciona uma vis�o muito mais rica e complexa daquele per�odo do que a mem�ria nacional, naturalmente seletiva, at� agora admitia. Na medida em que esta historiografia avance, interpreta��es mais aprofundadas ir�o surgindo, tornando-nos, assim, mais capazes de construir nosso futuro.

Refer�ncias:

Schwartzman, Simon, ed. 1982. Estado Novo, um auto-retrato (Arquivo Gustavo Capanema). Bras�lia: Editora Universidade de Bras�lia.

Schwartzman, Simon, Helena Maria Bousquet Bomeny, e Vanda Maria Ribeiro Costa. 1984. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro, S�o Paulo: Paz e Terra; Editora da Universidade de S�o Paulo. <

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