Por que o Theatro Municipal de São Paulo é importante para os artistas da Semana de 22?

O Theatro Municipal de São Paulo ainda era um espaço ‘novo’ quando a Semana de Arte Moderna foi realizada. Inaugurado em 1911, o prédio histórico desenhado pelo arquiteto Ramos de Azevedo foi o escolhido pelos idealizadores do festival para ser palco daquele evento que viria para ‘tremer’ as estruturas da cultura paulistana. E a opção não foi à toa, já que a mesma elite que o idealizou também custeou a reunião dos artistas no local naquele fevereiro de 1922.

Mas os tempos mudaram. Se antes era um espaço apenas para pessoas com poder aquisitivo frequentarem, ele foi se remodelando com o tempo. A exposição em cartaz no Salão Nobre – o mesmo que recebeu quadros de Anita Malfatti e outros artistas durante a Semana -, a Contramemória, mostra que a ‘maturidade’ ajudou a repensar o que, de fato, quer dizer, ‘arte brasileira’, sob todos os pontos de vista.

O coordenador de acervo do teatro e historiador Rafael Domingos conta na entrevista a seguir as mudanças que o espaço cultural passou, tanto do ponto de vista físico quanto cultural, e a importância que Mário de Andrade tem para tudo que se desenvolve ainda hoje no famigerado prédio. Confira, a seguir, a entrevista completa. 

Embora o teatro não tenha sido vertente artística abordada na Semana de Arte Moderna, o Municipal foi palco do evento. De que maneira esse espaço tão importante de São Paulo mudou nos últimos 100 anos, tanto física como culturalmente?

O Theatro Municipal de São Paulo, quando inaugurado, em 1911, foi fruto de um anseio da elite paulistana de ter, de fato, uma casa de ópera à altura das grandes casas europeias. Ele corresponde muito ao modelo de arte europeu, do que estava acontecendo de produção artística lá. De lá para cá muita coisa mudou. O teatro é uma instituição muito dinâmica, que passou por muitas alterações, inclusive físicas – foram três reformas grandes, foi tombado por três órgãos de patrimônio em três esferas. É uma casa bem diferente do que era há 100 anos. E também do ponto de vista da programação. É difícil dizer que ele teve uma agenda única ao longo desses anos. Um teatro que tem seis corpos artísticos do Estado – vou listar só para vocês terem uma ideia: Balé da Cidade, Orquestra Sinfônica Municipal, Orquestra Experimental de Repertório, Coro Lírico, Coral Paulistano, Quarteto de Cordas da Cidade. Estamos falando de seis corpos artísticos que produziram e produzem ao longo desse tempo uma variedade muito grande de programação. Óperas, espetáculos de dança, concertos, concertos de câmara, é difícil definir uma coisa só. Que vai desde os clássicos conhecidos, universais, até os nossos clássicos, brasileiros. E um teatro que embora tenha surgido pelo interesse da elite, de gestar um símbolo da cultura de elite, desde o início da história foi colocada à prova a questão do seu acesso, da democratização, da ampliação de público, são questões constantes na história do teatro. 

Hoje, passados mais de 100 anos, o teatro contempla as demais vertentes da sociedade?

Acredito que sim. O Theatro Municipal tem cada vez mais dialogado com públicos amplos e diversos. Isso corresponde a um momento histórico, quer dizer, essa instituição não poderia estar a par, distante, do que está acontecendo em termos de produção cultural no Brasil, no mundo, e da ampliação de acessos. O grande tema hoje é quem e como acessa. E o teatro tem, sem dúvida, participado ativamente desse processo. Mas também é preciso lembrar que esse espaço sempre foi, de alguma forma, tensionado por públicos que não só a elite. É de fato um processo mais recente, mas quando a gente vai mexer e avaliar o acervo, a documentação do teatro, percebemos vários momentos, passagens, da história, de artistas indígenas, negros, mulheres, ocupando o espaço de muitas formas. E hoje, sem dúvida, isso acontece de forma maior, ampliada. Ter o teatro como espaço expositivo, que foi uma coisa que aconteceu em 1922 e algumas outras vezes ao longo dos 100 anos. Agora mais uma vez exposição na parte externa, convidando as pessoas a entrarem, tudo isso faz parte desse processo de ampliação. E as ações também. O teatro tem hoje uma supervisão de articulação e extensão que tem por objetivo levar a programação para outras regiões de São Paulo, trazer o público para cá, criar pontes, diálogos, conversas com outros territórios para além do centro e outros públicos para além daquele que no nosso imaginário acaba sendo o que frequenta o teatro. 

O próprio Mário de Andrade, quando esteve à frente do Departamento de Cultura da cidade, também fez esse trabalho. Soube que levou operários para o teatro, até sofreu críticas por isso. Como foi esse trabalho dele?

O Mário de Andrade foi uma figura fundamental e é muito importante no complexo do Theatro Municipal. Nos anos 1930 ele fundou o Coral Paulistano e o Quarteto de Cordas, dois dos corpos artísticos que até hoje compõem o complexo. Mário inclusive levou muitas vezes o coral para cantar em outros espaços. Se apresentaram, por exemplo, no Juqueri, um famoso hospício brasileiro muito conhecido inclusive na história pela violência que os internos eram tratados. E ele criou esse projeto de extensão, de levar para outros territórios. Também criou o Departamento de Cultura da cidade de São Paulo, uma das primeiras secretarias de cultura do mundo, quer dizer, há uma compreensão do Mário da importância da cultura para formação, democratização, ampliação e, principalmente no caso dele, a importância para que o brasileiro encontre a sua alma, a alma brasileira. O que é ser brasileiro afinal de contas? Isso tudo marca substancialmente a história do Theatro Municipal, da Praça das Artes, que faz parte do complexo, e o Mário é essa figura que ainda nos orienta nesse sentido, a pensar outros públicos, a extravasar o teatro para além da sala de espetáculo. 

Vocês estão com uma exposição que faz uma referência ao evento centenário. É a segunda grande exposição no espaço. O que ela conta?

Contramemória é uma exposição com curadoria da Lilia Schwarcz, Pedro Meira e Jaime Lauriano, e parte de uma provocação que os curadores nos convida a repensar o que foi a Semana de Arte Moderna em 1922 e o que ela pode significar hoje. Qual a memória foi construída em torno dela. Quem eram os artistas e os temas retratados durante a programação da Semana. Quem eram os sujeitos que estavam lá e os que não estavam. Qual a memória construída ao longo desse centenário a respeito do que é o povo brasileiro, do que é arte, a cultura. É uma exposição que não nega a importância da Semana, mas busca conduzir uma contramemória, ou seja, a ampliação dessa memória. O que faltou na elaboração dela. Sujeitos e temas que precisam ser visualizados, evidenciados. Quais protagonismos não puderam estar lá e estão aqui hoje. Ocupou o Salão Nobre e o Bar do Foyer, espaços nobres, que propõem o público a conhecer esse espaço, relembrando o evento tão importante como foi a Semana, mas de uma forma mais crítica, ampliada. 

A Semana sempre foi amada ou criticada ao longo de décadas. Acha que são justas todas as críticas que ela sofreu?

Sou historiador e na história a gente sempre brinca que não podemos ser juízes do passado. Seria difícil dar um veredito sobre isso. Mas acho que sim, elas (críticas) são legítimas. Porque o Brasil, por exemplo, é o país com a maior população negra fora do continente africano. Somente muito tardiamente essa população teve oportunidade de ocupar espaço de visibilidade e poder. A Semana de Arte Moderna, sem dúvida, foi um evento que inaugura ou propõe, provoca uma nova forma de olhar a nossa formação social cultural e política. Mas ainda assim, naquela altura, essa forma diferente de olhar foi proposta por um grupo majoritariamente de elite e branco. Sem dúvida, com muitas boas intenções, alguns mais, outros menos, mas de fato uma composição do grupo que reproduzia de alguma forma a própria lógica de poder do país naquele momento. Com exceção do próprio Mário de Andrade, não havia nenhuma outra pessoa negra naquele grupo, por exemplo. Acho que as críticas são legítimas na medida em que repõem o problema estrutural do Brasil, como é o caso do racismo, e a questão da representação. Quem representa, quem é auto representado, como se representa, quem é o outro. Tudo isso são assuntos que passam quando a gente pensa na Semana de Arte moderna, o próprio modernismo. Portanto, olhar de forma crítica é sempre algo legítimo. 

Como seria a Semana de Arte Moderna hoje?

Ela seria um pouco o que estamos fazendo no Theatro, pensar os novos modernistas, e seria um evento que não duraria apenas uma semana, teria uma duração mais longa, e com muita gente. Muitos artistas, linguagens, diferentes lugares, idades, vindos de diferentes experiências e é um pouco isso que o teatro tem promovido neste último ano, nestes últimos meses, que é pluralizar as leituras, criar histórias plurais da Semana de Arte Moderna.

(Miriam Gimenes/Agenda Tarsila)

Publicada em 18 de maio de 2022

Por que o Teatro Municipal de São Paulo é importante para os artistas da Semana 22?

Para sediar a Semana de Arte Moderna de 1922, foi escolhido como palco o Theatro Municipal de São Paulo. A mensagem que o grupo de intelectuais queria passar era nítida: criticar os valores estéticos importados da Europa em prol de uma valorização da cultura nacional.

Qual é a importância do Teatro Municipal de São Paulo?

Além de sua importância arquitetônica, o teatro também possui notabilidade histórica, pois foi palco da Semana de Arte Moderna, o marco inicial do Modernismo no Brasil. É considerado um dos palcos de maior respeito do Brasil e apresenta uma das maiores e melhores produções líricas do país.

Por que a Semana de Arte Moderna aconteceu no Teatro Municipal?

Em 1922, entre os dias 13 e 17 de fevereiro, no famoso Teatro Municipal de São Paulo, intelectuais e artistas ligados a elite cafeicultora paulista se reuniram para apresentar uma arte que tinha como objetivo romper com os padrões artísticos vigentes até então – o evento ficou conhecido como “Semana de Arte Moderna“.

Qual foi o evento artístico muito importante que ocorreu no espaço do Theatro Municipal em 1922?

Marco oficial do Modernismo brasileiro, a Semana de Arte Moderna aconteceu em São Paulo (SP) e reuniu artistas das mais diversas áreas no Theatro Municipal de São Paulo ao longo dos dias 13 e 18 de fevereiro de 1922.