Nas regiões industrializadas da Inglaterra, as populações de mariposas Biston

Alguns meses atrás foi feita a seguinte pergunta no formspring evolucionismo:

“A comprovação do evolucionismo pelas mariposas negras e marrons é um fato falso mesmo como vi num site de criacionismo?”

A pergunta se referia, claramente, às polêmicas suscitadas por críticas aos estudos com a mariposa Biston belularia e as mudanças de freqüência das formas melânicas e típicas, que ocorreram associadas a poluição, e sua reversão, após os controle e diminuição da mesma. Segue a minha resposta (com algumas pequenas mudanças) a questão e, logo depois, a tradução de um comentário do biólogo evolutivo Jerry Coyne sobre um novo artigo publicado na revista Science sobre a base genética do melanismo industrial em B. Betularia. Coyne, por acaso, é um dos autores que criticou  o caso do melanismo industrial e que, mais tarde teve suas críticas, co-optadas em propaganda anti-científica criacionista. [O que não o deixou nada feliz] Também tomei a liberdade de acrescentar links a minha resposta e ao post de Coyne (que já possuía alguns que foram mantidos), além de uma lista de referências ao final.

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Respost

Nas regiões industrializadas da Inglaterra, as populações de mariposas Biston
a:

Essa é uma longa história, mas a resposta mais simples é não. Primeiro por que não se duvida que as populações de mariposas mudaram, o que se contestou durante um certo tempo é se essas mudanças eram realmente exemplos de evolução adaptativa, ou seja, via seleção natural.

Hoje em dia a explicação para o melanismo industrial por seleção natural que envolve a predação diferencial dos tipos escuros e claros, dependendo do fundo disponível (líquens ou fuligem), é o que explica melhor o fenômeno, sendo o consenso entre os especialistas. É sim uma ótima ilustração do processo de seleção natural, mas também envolve questões como migração das populações.

O problema, principal, é que em 1998, um biólogo evolutivo bem conhecido Jerry Coyne (especializado em especiação), ao comentar sobre o livro do especialista em melanismo Michael Majerus, concluiu que as evidências ainda eram equívocas para a explicação do fenômeno por seleção natural mediada por predação de pássaros, já que os experimentos de soltura e captura de mariposas realizados nos anos 50 tinham algumas falhas e ainda existiam questões em aberto. Ainda que essa fosse a explicação mais plausível.

Porém, o próprio Majerus, e outros especialistas em melanismo e evolução de mariposas, discordaram [a,b,c] dessa interpretação e apontaram os mesmos tipos de dados e padrões observados na América e na Inglaterra, além da coerência com o modelos quantitativos. Nos anos posteriores observaram mais instâncias que confirmam a idéia original. Outras críticas existiam antes, mas a maioria delas foi refutada ou não negava o modelo original, apenas acrescentando mais detalhes e sugerindo a participação de outros fenômenos evolutivos. Alguns criacionistas se aproveitaram disso e passaram a espalhar mentiras e distorcer a situação. Isso ocorre até hoje, principalmente, por que alguns começaram a levantar teorias conspiratórias e acusaram Bernard Kettlewell, de fraude, simplesmente por que ele usou mariposas coladas para fazer um testes de reconhecimento de predadores em fundos com diferentes contrastes e esquecem de mencionar os outros estudos de soltura e captura, inclusive os mais recentes delineados por Michael Majerus.

O próprio Coyne, hoje, tem uma opinião diferente, o que ilustra como funciona o processo de investigação científica. Mas o mais importante é que mesmo ele não disse que a história era falsa, mas que não tinha evidências adequadas e que existiam evidências melhores de seleção em outros exemplos. O problema é que as ciências avançam e lacunas em nosso conhecimento são preenchidas e os próprios fenômenos estudados mudam. O processo de investigação científica é um contínuo processo de interrogação e crítica.

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Gene do melanismo encontrado em mariposas de Manchester:

Autor: Jerry Coyne

Fonte: whyevolutionistrue

Bem, o gene foi localizado, mas, na verdade, ainda não identificado. No entanto, em breve será.

Esta história é sobre aquilo que muitos evolucionistas consideram o nosso melhor exemplo documentado da seleção natural em tempo real: a evolução do “melanismo industrial” (cor escura, em resposta à poluição ambiental) nas mariposas de Manchester, Biston betularia. O aspecto normal da mariposa é esbranquiçado, com pintas pretas (o que explica seu nome, é também chamado de forma “typica“):

No início do século XIX, algumas variantes completamente escuras deste tipo (chamadas de “carbonaria”) haviam sido encontradas por colecionadores britânicos (a primeira foi descrita em 1848), mas eles existiam em freqüência muito baixas: apenas alguns centésimos de um por cento. (Os ingleses são lepidopterologistas amadores diligentes, e assim os registros são muito bons). Mais tarde, os testes genéticos mostraram que as diferenças entre carbonaria e typica eram devidas a um único gene, e a cor escura era dominante.

Em 1898, a freqüência da forma escura alcançou as alturas, atingindo 98% nas florestas perto de Manchester. Aumentou também em outras partes da Inglaterra, especialmente nas regiões industrializadas. Nas áreas rurais a freqüência da variante escura era menor. Este aumento em concerto em um período tão curto, certamente indica a ação da seleção natural. Embora houvessem várias teorias sobre como isso ocorria, a mais provável parecia que era baseado em camuflagem: a industrialização escureceu os troncos com fuligem, mantando os líquenes, a forma typica não era mais críptica nas árvores antes de coloração clara (em especial as bétulas), e agora a forma escura camuflava-se em seu lugar. Aqui estão algumas fotos mostrando como a forma escura é pouco visível em troncos escurecidos e como a forma clara é em árvores normais não escurecidas:

Nas regiões industrializadas da Inglaterra, as populações de mariposas Biston
Note que existem duas mariposas em cada imagem.

Quando a Grã-Bretanha aprovou o Clean Air Act, na década de 1950, a poluição começou a diminuir e as árvores tornaram-se menos escuras: a fuligem lavada, e líquenes começaram a retornar. Com certeza suficiente, a mudança de cor se inverteu: as mariposas de cor clara, começaram a aumentar em freqüência, de modo que agora a forma typica está presente em freqüências de 90% em áreas, como Manchester, onde elas já haviam quase desaparecido. Aqui está como os dois tipos de coloração das formas assemelham-se em uma floresta contemporânea não poluída:

Nas regiões industrializadas da Inglaterra, as populações de mariposas Biston
Como eu disse, a ascensão em concerto e a queda dos genes associadas a coloração em toda a Grã-Bretanha indicava a ação da seleção natural, uma hipótese apoiada por mudanças similares na subespécie americana de B. betularia, particularmente em áreas poluídas em Michigan e na Pensilvânia.

A hipótese de que a seleção sobre a cor era baseada em predação, especialmente por predadores, como pássaros, que adoram comer mariposas – foi testada pelos biólogos britânicos, em especial Bernard Kettlewell em Oxford. Ele soltou misturas de mariposas claras e escuras em tanto bosques poluídos e não poluídos. Como esperado, em cada tipo de bosque ele recapturou mais das mariposas que combinava com as árvores, sugerindo que as mariposas conspícuas tinham sido comidas em maior freqüência. Sua estimativa da seleção contra mariposas conspícuas era muito forte: elas pareciam ter tido apenas metade do sucesso reprodutivo das mariposas camufladas.

Eu fui, por um tempo, um crítico severo dos experimentos de Kettlewell, que foram citados em todos os manuais escolares como uma prova de seleção natural em tempo real. Seu delineamento experimental tinha várias falhas fatais. Mas trabalhos mais recentes têm mostrado que as mariposas mortas de diferentes cores presas às árvores de diferentes cores mostram as diferenças esperadas no ataque de pássaros, e que em ambiente selvagem, de fato, as mariposas pousam sobre os troncos e base dos galhos. Ainda mais recentemente, Michael Majerus da Universidade de Cambridge repetiu os experimentos de Kettlewell de soltura, mas o fez corretamente. Claro o suficiente, ele encontrou nas recapturas o diferencial esperado das formas claras e escuras. Infelizmente, Majerus morreu por causa de mesotelioma antes de que seus dados pudessem ser publicados, e assim os resultados do teste de seleção mais robusto com este sistema ainda residem, tanto quanto sei, em websites ao invés das páginas de revistas científicas.

De qualquer maneira, a história da Biston betularia se mantem de pé, ao lado do trabalho dos Grant* nos tentilhões de Galápagos, como um dos casos mais bem compreendidos de seleção ocorrendo em “tempo real”. (“Melanismo industrial” não está limitado a Biston betularia, e jeito nenhum: cerca de 70 espécies de lepidópteros também mostraram mudanças semelhantes.) Apenas um pedaço da história faltava: A base genética das diferenças entre as formas claras e escuras. Era sabido, como eu disse, ser um resultado de um único gene, com o “alelo” escuro sendo dominante, mas a natureza desse gene não era conhecida.

Esta semana, no entanto, um artigo na revista Science escrito por Arjen van’t Hoff et al. deu um grande passo para a identificação do gene do “melanismo”. Os autores mapearam este único fator genético em uma pequena região cromossômica ao cruzarem mariposas claras e escuras que diferiam em muitos marcadores genéticos, e percebendo quias marcadores genéticos estavam associadas com a cor das asas em gerações subseqüentes. O “gene da cor” reside em uma pequena parte do cromossomo homólogo ao cromossomo 17 de Bombyx mori, o bicho-da-seda, cujo genoma já foi mapeado. Os autores ainda não reduziram esta pequena região a um gene específico, por que isso é muito difícil de fazer, e não existem “genes candidatos” óbvios naquela região que afetariam a cor.

O que é mais interessante, entretanto, é que a análise genética de diversas formas coloridas recolhidas em todo o Reino Unido deu informação sobre a origem evolutiva da forma escura. Ela poderia ter se originado de duas maneiras: ou uma única mutação escura, em uma única mariposa carbonaria, poderia ter se espalhado por toda a Grã-Bretanha, ou poderia ter havido múltiplas origens da mutação (cada uma, talvez, mantida em freqüência baixa através seleção natural contra a cor escura), que começou a surgir em concerto, quando o ambiente mudou.

Os estudos genéticos mostraram que a primeira hipótese era a mais provável. Todos os indivíduos carbonaria carregavam uma assinatura genética e única em torno do (não no) “gene da cor escura”, sugerindo que essa assinatura fosse o DNA único de um só indivíduo mutante que, porque este DNA estava fisicamente próximo ao “gene da cor escura” sofrendo seleção, “pegando carona” até a alta freqüência, juntamente com o alelo da cor escura em si. (Lembre-se que os genes vizinhos residem nas proximidades de um único trecho de DNA, então, se uma parte do DNA aumenta em freqüência devido à seleção, ela também carrega consigo regiões próximas. Regiões mais distantes, no entanto, perdem essa associação por causa da recombinação genética entre as fitas de DNA.) Se a coloração escura em mariposas britânicas tivesse se originado a partir de várias ou “mutações escuras” muitos diferentes, todas com uma freqüência inicial baixa, você não esperaria que a região “escura” possuísse uma assinatura genética única compartilhada por todos os indivíduos atualmente escuros.

Portanto, isso resolve um aspecto da história do melanismo. O resto da história se seguirá em breve: a identificação do gene exato distinguindo as formas claras e escuras, e o seqüenciamento do gene para determinar se a diferença de cor é devida a uma diferença “estrutural” que residem em uma proteína, ou a uma diferença “regulatória” que afeta se ou como uma proteína é expressa. Mas este trabalho de genética molecular é apenas a cereja no bolo, por que independentemente da base genética exata da diferença de coloração, as linhas gerais da história – e validade da B. betularia como um caso de seleção natural em “tempo real” – são claras.

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A.E. van’t Hof, N. Edmonds, M. Dalíková, F. Marec, and I. J Saccheri.  2011. Industrial melanism in British peppered moths has a singular and recent mutational origin,” Science 332:958-960.

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* Aqui ele se refere a Peter e Rosemary Grant e não a Bruce S. Grant que aparece nas referências.

Referências e links de interesse:

Coyne, J.A. (1998). Not black and white. Review of Melanism: Evolution in Action by Michael E.N. Majerus. Nature 396:35-36.

Coyne, J.A. (2002). Evolution under pressure (review of Of Moths and Men) Nature 418, 19-20 (4 July 2002) doi:10.1038/418019a

Gewandsznajder, F. A polêmica das mariposas. Ciência Hoje, vol. 35, n. 209, outubro de 2004. [O artigo já este disponível online, mas seu link não funciona mais. Espero entrar em contato com o professor Gewandsznajder e obter outro que funcione já que é o único artigo sobre o tema em Português, publicado em um grande periódico de divulgação.]

Gishlick, Alan (November 23, 2006). “Icon 6 — Peppered Moths”. National Center for Science Education. http://ncse.com/creationism/analysis/icon-6-peppered-moths. Acessado em 23 de maio de 2011.

Grant, Bruce S. 1999. Fine tuning the peppered moth paradigm. Evolution 53: 980-984. 

Grant, B. S. and L. L. Wiseman. 2002. Recent history of melanism in American peppered moths. Journal of Heredity 93:86-90. [Mais material pode ser achada na página pessoal de Grant]

Grant, B. S. 2004. Allelic melanism in American and British peppered moths. Journal of Heredity 95:97-102.

Majerus, Michael Industrial Melanism in the Peppered Moth, Biston betularia: An Excellent Teaching Example of Darwinian Evolution in Action Evolution: Education and Outreach, 2, 63-74 (2009) –http://www.springerlink.com/content/h7n4r6h026q1u6hk/fulltext.pdf

Majerus, Michael The Peppered Moth : Decline of a Darwinian Disciple [palestra ministrada na British Humanist Association, at the London School of Economics, on Darwin Day, 12th February 2004] Text of the talk and Powerpoint presentation ambos disponíveis em arquivos PDF [em inglês]

Majerus, Michael The Peppered Moth: The Proof of Darwinian Evolution [ palestra ministrada na ESEB2007; 11th Congress of the European Society for Evolutionary Biology, 20-25 August 2007, Uppsala, Sweden] Text of the talk and Powerpoint presentation ambos disponíveis em arquivos PDF [em inglês]

Mallet, Jim 2004 The peppered moth: a black and white story after all Genetics Society News 50:34-38, January 2004.

Noor, M.A.F., R.S. Parnell, and B.S. Grant. 2008. A Reversible Color Polyphenism in American Peppered Moth (Biston betularia cognataria) Caterpillars. PLoS ONE 3(9):e3142 doi:10.1371/journal.pone.0003142.

Qual foi o impacto provocado pela Revolução Industrial na composição das mariposas Biston?

Durante a revolução industrial, a versão escura das mariposas se misturava com a casca das árvores cheias de fuligem. Com a 'camuflagem', elas se reproduziram mais e, na década de 1950, 90% de todas as mariposas na região próxima de Manchester estavam escuras, e não brancas.

Qual o processo que causou o desaparecimento das mariposas de cor clara?

Observou-se entre essas mariposas o aumento da frequência de sua forma escura (denominada carbonaria) em substituição a sua forma clara (typica), por ocasião da poluição causada pela Revolução Industrial do século 19 em Manchester (Inglaterra) e outras cidades industrializadas.

Por que as mariposas escuras passaram a dominar?

Isso ocorreu em razão do fato de que a poluição deixou os troncos das árvores mais escuros e as mariposas mais negras conseguiam se camuflar nessas árvores. Isso facilitou sua sobrevivência e esses genes foram passados para a próxima geração.

Como a seleção natural está associada ao sucesso das mariposas escuras e na extinção das mariposas brancas?

As mariposas escuras foram selecionadas no ambiente porque sofriam menos predação quando comparadas às brancas. Isso ocorreu em razão do escurecimento do tronco das árvores e muros, que deixava as mariposas claras mais visíveis e, consequentemente, elas eram mais predadas que as escuras, que estavam camufladas.