Não estamos no mesmo barco estamos no mesmo mar

Ilona Szabó de Carvalho, colunista do jornal Folha de S. Paulo, que muito respeitamos, escreveu na sua coluna de 8 de abril de 2020, que “Somos todos vulneráveis ao vírus Sars-Cov-2”. O termo epidemiológico correto seria que “somos todos suscetíveis ao vírus Sars-Cov-2”, pois a vulnerabilidade é profundamente desigual entre as pessoas. Tenho certeza de que Ilona reconhece isso, pois seu artigo é justamente para dizer que “ninguém pode ficar para trás”.

Bruno Latour, influente filósofo francês, disse em uma entrevista ao jornal El País, em dezembro de 2019, que “O sentimento de perder o mundo, agora, é coletivo”, pois como disse Ilona em sua coluna, “Muitos finalmente perceberam que a humanidade é uma só e que somos interdependentes”. Latour se referia à saúde do planeta terra, entretanto, penso, que nós não perderemos o mundo, o mundo é que deixará de ter na sua superfície a raça humana se seguirmos na mesma toada os nossos modos de produção e consumo desiguais, injustos, supérfluos e excessivos.

O sentimento de perder o mundo pode ser coletivo e isso pressupõe o compartilhamento de um destino comum da humanidade, mas certamente, não estamos todos no mesmo barco singrando para o fim do mundo. Há transatlânticos, iates, lanchas, veleiros, escunas, caiaques, barcos a remo, jangadas, e até náufragos agarrados em troncos no meio da correnteza.

A famosa história do RMS Titanic que partiu de Southampton na Inglaterra, em 10 de abril de 1912, na direção de Nova York, nos Estados Unidos, e que na noite de 14 de abril em 1912 se chocou com um iceberg no Atlântico Norte resultando no seu naufrágio é a evidência maior de que o lugar que se ocupa na sociedade importa no seu risco de morrer.

Não estamos no mesmo barco estamos no mesmo mar
(Scott Umstattd/Unsplash)
Vulnerabilidades distintas

Todos a bordo sofreram as consequências do naufrágio (mesma suscetibilidade), mas as vulnerabilidades eram distintas: Sobreviveram 62% dos passageiros na primeira classe, 41% na segunda, e apenas 25% dos que estavam na terceira classe.

Esse debate nasce da necessidade imperiosa de que uma política social comprometida com a promoção da equidade não deveria borrar as diferenças entre classes sociais, gêneros, raças, etnias, territórios e países. Explicitar, desocultar, medir diferenças é o ponto de partida para a formulação de uma política pública justa. Abrir esse diálogo, também é fruto de inquietações a respeito da universalidade em saúde, reconhecendo que para legitimá-la é necessário comportar o direito à diferença, tendo em vista que não se trata mais de um padrão homogêneo, mas de um padrão equânime.

Nesse sentido, a Covid-19 nos coloca mais uma vez o desafio ético-político e, também, técnico-operacional muito bem pontuados por Teixeira e França Junior em recente artigo para Folha de São Paulo, de tratar de forma diferente os desiguais, pois como disseram eles “Precisamos ampliar a mobilização social para o auto confinamento, mitigando as consequências indesejáveis, prioritariamente para as populações mais vulneráveis que, de outra forma, não teriam condições de aderir ao distanciamento social”.

E esse é outro aspecto relevante do debate sobre diferenças que são os determinantes sociais do processo saúde-doença-cuidado. Se os fatores de risco explicam as causas das doenças, os determinantes tratam da distribuição das causas. E aqui a incômoda palavra diferença volta ao palco, pois em cada barco há um modo de produzir vida e os consequentes efeitos dessa produção no corpo, na mente, na alma, no território, na cidade e na natureza.

Em outras palavras, importa o lugar que vivo, que moro, que trabalho, que amo na determinação do processo-saúde-doença-cuidado.

Marco Akerman é professor titular do Departamento de Política, Gestão e Saúde da Faculdade de Saúde Pública da USP, . Woneska Rodrigues Pinheiro é professora adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri (URCA).

Muitas vezes ouvimos a expressão de que estamos no mesmo barco, especialmente em situações turbulentas.

Acredito, porém, que estamos no mesmo oceano enfrentando a mesma tormenta, lê-se crise econômica, pandemia, mas cada um pilotando o seu barco.

Alguns de nós estão em barcos maiores e resistentes, outros em canoas simples e frágeis.

Há os que atravessam em navios de cruzeiro, tendo ajuda de tripulação e se algo der errado, podendo contar com botes. Estar no transatlântico, por outro lado, não é sinal de que não irão afundar.

Outros atravessam a tempestade a nado. Nem em embarcação estão. E talvez sobrevivam, machucados, desidratados, tendo engolido água salgada, mas ainda assim sobreviventes.

Tem os que ficam à deriva.

Eventualmente algumas pessoas podem estar no mesmo barco, mas uns de colete salva vidas e outro sem.

Por que optei por trazer essa reflexão para uma rede social profissional? Pois inúmeras vezes esta frase é usada como um jargão do mundo corporativo “Estamos no mesmo barco”. Peço desculpas, mas não estamos.

Seguindo a metáfora, cada um de nós também segue em uma direção diferente. Portanto, a tempestade pode ser sentida em maior ou menor grau.

O que devemos, nas organizações, é colocar todos os barquinhos (cada um com o seu) na mesma direção, pois se não convergirmos ao mesmo ponto, com o mesmo foco e objetivo claros, a empresa não funcionará corretamente, a equipe ficará desmotivada e os clientes insatisfeitos. Mas isso é papo para outro momento. 😉