GC Show Gláucia Chaves - Especial para o Correio postado em 16/07/2017 08:00 No século 16, Luís de Camões definia o amor como ;um fogo que arde sem se ver;, ;uma ferida que dói e não se sente;. Para Santo Agostinho, a medida do amor é amar sem medida. Amar com cada célula do corpo, além de todas as circunstâncias, custe o que custar. Embora muito romantizada na literatura, no cinema e na música, a ideia do sentimento desmesurado e sem limites pode se transformar em uma mazela quando levada ao pé da letra. Considerado tão nocivo quanto outros vícios, como o alcoolismo ou a adição em jogos de azar, o chamado amor patológico causa sofrimento, angústia e desespero para o doente e para o objeto de desejo. Tal qual dependentes químicos, os viciados em amar são obcecados. Carmita Abdo, psiquiatra, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade da USP e presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), explica que a situação se desenvolve como uma dependência, em que uma pessoa nutre um sentimento tão absorvente por outra que acaba causando mais sofrimento que prazer. ;É um sentimento intenso que, correspondido ou não, traz sofrimento na medida em que foge do que seria considerado possível ou habitual;, define a especialista. Os acometidos pela febre do amor enfermo são incapazes de levar o cotidiano de maneira tranquila. Estão sempre preocupados com a pessoa que é objeto de amor, mas a sesnação de posse supera o próprio ciúme. ;Não é uma compulsão sexual, não é uma necessidade física. É a necessidade de ter aquela pessoa de uma forma muito mais intensa e absorvente, de modo que fica impossível a convivência;, completa Carmita. ;O relacionamento se torna extremamente angustiante para ambas as partes, pois há sempre uma falta que nunca se satisfaz.; Perceber-se como um amante patológico não é tarefa simples. Afinal, como não considerar real um sentimento tão intenso? O sinal vermelho de que o amor talvez não esteja saudável deve acender quando a vida parece estagnada, de acordo com Andrea Lorena da Costa, psicóloga e neuropsicóloga da USP. ;De tão fixado(a) no parceiro(a), a qualidade de vida decai, assim como a vida profissional;, exemplifica a especialista. ;Outras vezes, familiares costumam reclamar da postura da pessoa diante do relacionamento.; Características de uma mulher que ama demais
Coração adoentadoNinguém sabe como nasce um amor, muito menos um doentio. Algumas teorias da psicologia, contudo, tentam desvendar quando e como um dos sentimentos mais nobres do mundo torna-se sombrio. Uma delas é a hipótese fundamentada na psicodinâmica. Quem a explica é Andrea Lorena da Costa, psicóloga e neuropsicóloga do Programa de Transtornos do Impulso do Instituto de Psiquiatria (IPq), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP: ;A origem pode ser a vinculação com a mãe ou com o(a) cuidador(a) na primeira infância. Por volta dos quatro anos, a criança está altamente ligada à mãe e vice-versa, e o comportamento materno nesse vínculo, percebido pela criança como inconstante, pode deixar cicatrizes para o relacionamento amoroso.; Sinais de um amor enfermo
Teste:Sou uma Mulher que Ama Demais? Em busca da curaNatalia* é uma das conselheiras e integrantes do grupo Mulheres que Amam Demais (Mada). O programa, baseado nos 12 Passos e 12 Tradições de Mada, é uma adaptação do programa usado pelos Alcoólicos Anônimos (AA). Por meio de reuniões, as integrantes conversam sobre amor, dependência, resiliência e superação. O grupo não se apoia em psicólogos, psiquiatras ou terapeutas, mas na empatia. ;Acreditamos que a mulher que ama demais veio de uma família disfuncional, o que poderia ser um dos motivos para o problema surgir;, explica. No Mada, apenas a mulher pode se definir como alguém que ama demais. Há, no entanto, formas de se descobrir e de se ajudar (veja quadro e faça o teste). De acordo com a filosofia do grupo, a mulher é, também, livre para escolher se procura tratamento especializado ou não, além do programa de recuperação do Mada. ;O nosso tratamento se baseia em espelhos, não em conselhos. Ao participar das reuniões do nosso grupo, a pessoa poderá partilhar seu problema e ouvir outras partilhas. Assim, o tratamento acontece;, detalha. ;Sugerimos a participação em pelo menos seis reuniões, como se fosse a primeira vez, para que a pessoa se identifique e decida se é uma mulher que ama demais e se o programa tem algo a lhe oferecer.; As reuniões são gratuitas e não é necessário confirmar presença, fazer inscrição ou pagar taxas. É claro que amar em demasia não é o melhor cenário, mas também não é um beco sem saída. O importante, de acordo com a psiquiatra Carmita Abdo, é entender o quadro em sua essência. ;Não dá para abrir mão de uma psicoterapia, para a pessoa entender o que está fugindo do controle, trabalhar o apego exagerado e melhorar a autoestima, além de aprender a ter maior domínio sobre suas emoções;, argumenta. Muitas vezes, especialmente no início do tratamento, os pacientes precisam de medicamentos para limitar seus excessos. Por sua atuação em sintomas repetitivos, Carmita Abdo diz que os antidepressivos são, geralmente, a primeira escolha dos médicos. ;São medicamentos úteis para controlar sintomas exagerados, quando a pessoa não tem controle dos próprios atos e emoções. Servem para ela ter melhor domínio sobre seus impulsos.; Além da medicina tradicional, há quem encontre ajuda na medicina holística. Márcio Ferrari, terapeuta holístico que acompanha um grupo Mada, baseia seu tratamento em aspectos que vão além do viés psicológico. A construção da personalidade, as crenças limitantes dos antepassados (como mãe, pai, avós) e toda a herança psíquica do indivíduo são levadas em consideração no caminho para a cura. ;O holístico considera os problemas como sendo oportunidades de crescimento espiritual;, define. ;Tudo começa no autoconhecimento.; Para Márcio Ferrari, viemos ao mundo não para amar, necessariamente, mas para aprender a fazê-lo. Segundo ele, observar a repetição de padrões é a chave para se entender. ;É muito comum atrairmos pessoas do mesmo padrão. Acredito em um universo autoconsciente, em que a lei da atração faz com que nos aproximemos do que a gente precisa. O padrão vai se repetir até que a pessoa possa fazer uma mudança vibracional.; Nessa lógica, a dependência seria, então, uma oportunidade para olhar para dentro de si mesmo. ;Mudar não é fácil porque temos uma tendência a nos acostumarmos, inclusive, com a dor, com o sofrimento e com a tristeza;, completa. O amor de dentro para fora ; em que situações negativas são vistas como chances de crescimento e o amor-próprio é considerado prioridade ; seria, para Ferrari, o começo de uma jornada livre das relações patológicas. ;A maioria das pessoas têm problemas de relacionamento com elas mesmas. É preciso ter uma percepção de mundo diferente, olhando tudo com mais abrangência e profundidade, pensando: ;Por que eu atraí essa pessoa? O que o universo quer me dizer com isso?; Quando a gente se propõe a olhar o amor-próprio, o amor ao próximo acontece.; Tags |