Crie uma hipótese sobre quem poderia substituir a mão de obra escravizada nas lavouras de café

Quando se trata da transição da mão de obra escrava para a livre e assalariada no Brasil, pensa-se de pronto nas colônias de parceria implementadas pelo Senador Nicolau de Campos Vergueiro e na imigração italiana para a cafeicultura paulista. Essa associação entre a grande imigração e as fazendas de café de São Paulo está, há tempos, consagrada na historiografia. Já, a imigração portuguesa, em geral, e a açoriana, em particular, não costuma ser inserida na historiografia sobre a transição da escravidão para o trabalho livre no país. Associado a um fluxo migratório anterior à Independência do Brasil, o imigrante português é usualmente recordado como aquele que viajava independente dos planos de colonização elaborados pelo Estado ou por empresas particulares, inserido em redes familiares e de compadrio para trabalhar em casas comerciais até amealhar uma quantia suficiente para regressar à pátria.

Além da transição do trabalho escravo para o assalariado estar associada à imigração para a cafeicultura paulista, sua cronologia se inicia em 1847 – quando Vergueiro organizou o sistema de parceria –, ou mesmo em 1850. Esse ano é decisivo para o processo transitório, visto que nele coincidem a publicação da Lei Eusébio de Queirós e a aprovação da Lei de Terras. A supressão do tráfico selava o fim da escravidão, já que eram os portos africanos que asseguravam a continuidade desse regime de trabalho no país, razão pela qual urgia encontrar alternativas. A Lei de Terras determinava o destino dos imigrantes e do trabalhador nacional: trabalhar na lavoura de outrem antes de adquirir seu próprio torrão.

Sem questionar a relevância desse grande modelo interpretativo, importa notar que ele deixa de fora uma série de experiências anteriores. Se a necessidade de substituir escravizados por trabalhadores livres só preocupou a elite econômica do país em finais da década de 1840, o que explica a aprovação de duas leis que regulamentavam os contratos de trabalho na década de 1830? Se a primeira experiência com europeus trazidos ao país para trabalhar para outrem teve lugar em São Paulo pouco antes da supressão definitiva do tráfico, como explicar as denúncias de ‘escravatura branca’ feitas pelos deputados portugueses na década de 1830?

Assim, parte-se aqui da hipótese de que a busca por alternativas à mão de obra escravizada se iniciou antes mesmo da publicação da Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831. Como a lei não era apenas ‘para inglês ver’, era esperado que o ingresso massivo de escravizados verificado entre a assinatura do tratado com a Inglaterra, em 1826, e a proibição do tráfico, em 1831, seria insuficiente no futuro. Por isso, na década de 1830, figuras proeminentes do Império organizaram a Companhia Colonizadora da Bahia e a Sociedade

Promotora da Colonização do Rio de Janeiro, responsáveis por angariar imigrantes despossuídos a serem contratados por proprietários das respectivas províncias. Essas tentativas efêmeras de formar um mercado de trabalho livre no Brasil compuseram o campo de experiência sobre o qual outros experimentos foram ensaiados no país.

Com este artigo, almeja-se contribuir para a compreensão do processo de transição do trabalho escravo para o livre. Para tanto, ele está dividido em três partes. Na primeira, a historiografia sobre imigração e transição do trabalho escravo para o livre no Brasil é recapitulada; a seguir, analisa-se o modelo de imigração desenhado na década de 1830 e os preparativos feitos no país para receber imigrantes e, por fim, é abordada a participação de imigrantes portugueses provenientes dos Açores nesse processo, fenômeno que, em Portugal, ficou conhecido como ‘escravatura branca’.

I. Historiografia e imigrações

A obra História Econômica do Brasil, de Caio Prado Júnior, de 1945, ilumina o tratamento dado às migrações e à transição da escravidão ao trabalho livre no Brasil. Nela, o fim do tráfico de escravizados, a adoção do trabalho de imigrantes assalariados e a abolição marcariam o ingresso do país no mundo burguês capitalista. Caio Prado aborda a pressão britânica e os compromissos assumidos pelo Brasil para encerrar o comércio de cativos, mas não atribui maior importância à lei de 7 de novembro de 1831, pois, “não representava mais que uma satisfação de forma a compromissos internacionalmente assumidos” (PRADO JÚNIOR, 1976, 149). A seu ver, “será somente com a iminência de sua extinção [do tráfico africano] (lá por volta de 1840 e tantos), e sua efetiva interrupção [...], que a questão da imigração europeia e da colonização volta a ocupar um primeiro plano das cogitações brasileiras” (PRADO JÚNIOR, 1976, 186).

O historiador enxerga dois sistemas distintos de atração de imigrantes: a concessão de lotes de terra (adotado na primeira metade do século XIX, sem conexão com o problema da transição) e o pagamento de salários a europeus que trabalhavam na lavoura. Entre esses dois sistemas, encontra um outro, intermediário: a parceria, que combinava o trabalho na cafeicultura com a concessão de lotes de terra. O ponto de virada estaria no fim definitivo do tráfico e no avanço do questionamento da escravidão na década de 1860. Paralelamente, haveria uma corrente tradicional de portugueses que, desde a colonização, imigrava de forma espontânea para as cidades brasileiras.

Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado e Emília Viotti da Costa endossam a interpretação esboçada por Prado. No livro Formação econômica do Brasil, de 1979, Furtado afirma que a iniciativa governamental de “instalação de colônias de imigrantes europeus” (FURTADO, 2007, 181) não tinha fundamento econômico. Num país organizado no sistema de grandes plantações, essas colônias não conseguiam se inserir no mercado e regrediam a um sistema de subsistência. Foi apenas na década de 1850 que a classe dirigente da cafeicultura percebeu que “a política de colonização do governo imperial em nada contribuía para solucionar o problema da mão de obra” (FURTADO, 2007, 181) e passou a ocupar-se diretamente dele. Ainda segundo Furtado, Vergueiro deu início a um sistema pelo qual “o imigrante vendia seu trabalho futuro”, o qual rapidamente se degenerou “numa forma de servidão temporária” (FURTADO, 2007, 185). Perante as reações, a parceria evoluiu para um “sistema misto”, em que o colono recebia um salário anual complementado “por outro, variável, pago no momento da colheita em função do volume desta” (FURTADO, 2007: 186). Ainda assim, mantinha-se o problema do pagamento dos custos da viagem, questão solucionada quando o governo passou a subsidiar o transporte dos imigrantes.

A obra História Geral da Civilização Brasileira, dirigida por Sérgio Buarque de Holanda, apresenta a mesma sequência de eventos e entende, também, que a colonização com base na pequena propriedade foi o modelo predominante de imigração até o fim definitivo do tráfico. No entanto, o autor confere maior relevância ao sistema, afirmando que possibilitou “o entrelaçamento da antiga economia colonial pastoril e latifundiária com a economia diversificada do pequeno agricultor” (HOLANDA, 1969, 244). Uma vez mais, a parceria aparece como uma transição resultante de uma iniciativa particular para garantir o abastecimento de braços para a lavoura. Para Holanda, o sistema resultou da perspectiva da falta de mão de obra para a cafeicultura em expansão e permitiu à agricultura paulista passar ao trabalho livre sem enfrentar as crises verificadas em outras regiões do país. O fracasso da parceria levou à adoção do trabalho assalariado de imigrantes europeus – ainda que o autor, discordando de Prado, considere que o termo “assalariado” não é totalmente correto, pois parte da renda dependia da quantidade de café colhido.

Emília Viotti da Costa, na obra Da Monarquia à República, observa que a concessão de terras a estrangeiros desagradava a elite agrária brasileira, preocupada com a substituição do braço escravo pelo livre. Muito embora a política dos núcleos coloniais não tenha sido abandonada, iniciou-se um novo tipo de colonização para fixar os colonos nas fazendas: a parceria. Segundo a autora, o sistema, apesar da animação inicial, não se provou eficaz, uma vez que eram muitos os inconvenientes para os colonos. Por isso, aos poucos, a parceria foi substituída pelo “sistema de salários” (COSTA, 1977, 172).

Para todos esses autores, a transição da escravidão para o trabalho livre aparece como uma necessidade inexorável associada à passagem do capitalismo mercantil para o industrial – ainda que em alguns isso seja mais evidente do que em outros. Nesse sentido, a obra História da Civilização Brasileira é bastante explícita. Ela destaca a contradição entre o trabalhador escravizado e o capitalismo e considera que “a transformação do trabalhador escravo em trabalhador livre é uma necessidade” (HOLANDA, 1969, 298). Enquanto essa contradição não atingia o clímax, galvanizaram-se acontecimentos importantes que marcaram a crise provocada pela necessidade de transformação do trabalho escravo em livre, como as colônias de parceria3.

Outros autores que mantiveram as linhas gerais da interpretação e a cronologia já citadas são Luiz Aranha Corrêa do Lago e Verena Stolcke e Michael Hall. Esses últimos questionaram a aplicação de “macromodelos aos sistemas de trabalho agrícolas” (STOLCKE e HALL, 1984, 116) implementados no Brasil do XIX e se dedicaram a entender as soluções escolhidas pelos fazendeiros. Procurando observar as condições de introdução do trabalho livre, notaram que o problema do mercado de trabalho livre não se limitava a uma questão demográfica, sendo insuficiente estimular a imigração e pagar salários aos imigrantes. Era necessário garantir formas efetivas de controle dos trabalhadores.

Para os autores, os fazendeiros acreditaram que a parceria correspondia a essa necessidade pois tinha um elemento de incentivo capaz de substituir a coerção: o interesse dos colonos na maior produtividade dos cafezais, pois seus rendimentos provinham da venda do produto. O sistema se mostrou falho e os grandes proprietários perceberam que não tinham como forçar os colonos a trabalhar além do que desejavam nas plantações de café. Uma série de mudanças foi introduzida, como o pagamento de salários e o sistema de remuneração por tarefa e por peça. No entanto, a criação de um mercado de trabalho capitalista só se completou quando o Estado passou a subvencionar a imigração, liberando os colonos das dívidas.

Corrêa do Lago4 traçou um panorama geral da transição em todo o Brasil e, a seguir, dividiu a obra por região (Sul / Sudeste) e, dentro de cada uma delas, por estado, de modo a avaliar os diferentes impactos do fim do uso da mão de obra escrava. Há aqui, portanto, a tentativa de evitar a generalização dos resultados observados em São Paulo para o restante do Brasil, muito embora as demais regiões do país apareçam como coadjuvantes do processo de transição. Para Lago, as experiências imigratórias anteriores a 1850 foram irrelevantes. A seu ver, nas primeiras décadas do XIX, observou-se apenas “a entrada de alguns milhares de portugueses [...], mas logo após a Independência, em 1822, não se seguiram entradas importantes no país” (LAGO, 2014, 65). Em 1830, “o apoio financeiro do governo central à imigração foi suspenso [...] e a chegada de estrangeiros ao Brasil, que já era pequena, diminuiu significativamente” (LAGO, 2014, 66). Foi apenas a partir de 1840 que a imigração retomou e que o processo de transição pôde avançar.

Em 1998, Luiz Felipe de Alencastro publicou o artigo “Proletários e escravos: imigrantes portugueses e cativos africanos no Rio de Janeiro (1850-1872)”, cuja cronologia não rompe com a periodização seguida pelos autores já citados. No entanto, o texto aponta para um fluxo migratório de tipo novo, composto por açorianos angariados que começaram a chegar ao Brasil no início da década de 1830. Esses imigrantes se encontravam em situação similar aos “indentured servants que desembarcavam na América do Norte e nas Antilhas” (ALENCASTRO, 1998, 36) e teriam sido transportados para o Rio de Janeiro e Bahia por uma “Sociedade de Colonização” fundada no período. Segundo o autor, esse tipo de transação contou com a participação de traficantes de escravizados que utilizaram a “vasta frota negreira montada antes de 1850 para transportar engajados portugueses, sobretudo açorianos” (ALENCASTRO, 1998, 37).

Alencastro chama a atenção, ainda, para a demanda por mão de obra no Brasil, em cuja capital, imigrantes empobrecidos e escravizados ladinos competiam por certos trabalhos. Sem avaliar o empenho das elites do Império na preparação do país para receber trabalhadores europeus ainda na década de 1830, Alencastro nota a participação de portugueses no processo de transição da escravidão para o trabalho livre e a existência de companhias de colonização responsáveis por introduzir braços livres no Brasil, assunto estudado por José Juan Pérez Meléndez.

Meléndez, ao dedicar-se às iniciativas de atração de imigrantes por companhias privadas durante a Regência, questiona a cronologia tradicional da imigração para o Brasil. Para o historiador, “a colonização, exaltada como uma panaceia para todos os problemas nacionais, tornou-se incrivelmente popular entre legisladores e ministros durante a Regência” (MELÉNDEZ, 2014, 38). Discordando de Lago, Meléndez considera incorreta a afirmação de que na década de 1830 “os esforços de colonização foram oficialmente suspensos” (MELÉNDEZ, 2014, 43). Segundo o autor, “as despesas orçamentárias destinadas para atividades relacionadas à colonização [...] eram bastante diversificadas nos seis primeiros anos da Regência” (MELÉNDEZ, 2014, 65)5. O historiador reconhece, contudo, que, num dado momento, o financiamento governamental para atividades de colonização foi reduzido. Tal fato relaciona-se, a seu ver, à formação das primeiras companhias de colonização privadas no Brasil, das quais participaram figuras proeminentes do Império – inclusive o Senador Vergueiro.

Apesar de iluminar os fluxos imigratórios ocorridos durante o período regencial, Meléndez, diferentemente de Alencastro, não os entende como parte do processo de transição da mão de obra escrava para a livre. A seu ver, a colonização no período não se inseriu num projeto coeso, de modo que “a série de leis, regulamentações e contratos relacionados à colonização aprovados ao longo da Regência” refletia “um processo de definição de políticas que ainda reagia [...] a acontecimentos externos e crises imprevistas” (MELÉNDEZ, 2014, 49). Em sua tese de doutorado, o autor recusou a associação entre imigração e abolição do tráfico de escravizados, questionando o porquê do aparecimento de propostas de colonização “antes da escalada das pressões abolicionistas e antes do tráfico ilegal de escravizados originar o que alguns acadêmicos chamam de ‘segunda escravidão’” (MELÈNDEZ, 2016, 7). Em resposta, afirmou que outros problemas se colocavam para além da abolição do tráfico, como o crescimento demográfico, a defesa do território, contendas diplomáticas e busca por lucro.

É evidente que múltiplos fatores se combinaram para possibilitar a imigração. No entanto, parece indiscutível o impacto da iminência do fim do tráfico para o movimento imigratório de meados da década de 1830. Importa lembrar que a pressão britânica não se iniciou na década de 1840. Em 1826, fora assinada com a Inglaterra a convenção que tornou ilegal o tráfico de escravizados, a qual foi ratificada no ano seguinte e entrou em vigor três anos mais tarde.

Gladys Sabina Ribeiro, ao recuperar debates parlamentares do início de 1830, demonstra ser patente a preocupação dos deputados com “a necessidade de trabalhadores brancos” (RIBEIRO, 2002, 161) decorrente da inevitável extinção do tráfico. Importa observar que, ao analisar a presença de trabalhadores portugueses no Rio de Janeiro durante o Primeiro Reinado, a autora questiona a historiografia que subestimou a imigração lusitana no pós-Independência. No entanto, por não avançar para o Período Regencial, Ribeiro perde de vista a intrínseca relação entre: os debates sobre o futuro da mão de obra, a formação de companhias privadas de colonização e o adensamento da chegada de açorianos despossuídos, observado pelas autoridades consulares portuguesas na década de 18306.

As leis de 1830 e 1837, que regulamentavam os contratos de trabalho, reforçam que a preocupação com a formação do mercado de trabalho no Brasil e com o controle dos trabalhadores livres não surgiu apenas no fim da década de 1840. Essas leis foram referidas por Ademir Gebara na obra O mercado de trabalho livre no Brasil, muito embora a ênfase do livro recaia sobre o processo de ‘desescravização’ iniciado em 1871 com a Lei do Ventre Livre. Também para Gebara, a lei de 7 de novembro de 1831 era “obviamente para ‘inglês ver’” (GEBARA, 1986, 37) e 1850 seria a data a partir da qual o final da escravidão passou a ser “constantemente visualizado” (GEBARA, 1986, 14). Por isso, as leis de 1830 e 1837 recebem uma atenção periférica na obra.

A lei dos contratos de 1830 foi entendida pelo autor como um episódio da organização do Império e da “sua vida institucional” e administrativa. Já, a lei de 11 de outubro de 1837 estaria “mais integrada à elaboração de uma política de atração de imigrantes” (GEBARA, 1986, 78) e foi, “um dos pontos de partida para o estabelecimento de uma política voltada para a criação de alternativas para o trabalho escravo”. Assim, a “lei de 1830 foi aprovada num momento em que o suprimento de mão de obra não estava ainda ameaçado”, enquanto a de 1837 foi elaborada no contexto da “expansão da economia” que “provocou uma maior demanda por braços” (GEBARA, 1986, 79).

Ao desconsiderar as preocupações com a iminência do fim do tráfico existentes desde o fim da década de 1820, Gebara não atenta para o processo de elaboração da lei de 1830 e suas consequências. Com isso, não observa que a lei de 1837 aperfeiçoou a de 1830 para atrair imigrantes sem comprometer os interesses dos proprietários, privilegiados quando da aprovação da lei anterior. Assim, a obra não reconhece que a preocupação com o controle dos trabalhadores remonta a 1830.

Essa interpretação foi questionada por Maria Lúcia Lamounier, cuja tese estabelece um diálogo intenso com a obra de Gebara por se dedicar à lei de locação de serviços de 1879, atrelada ao processo de ‘desescravização’ estudado pelo historiador. Apesar de iniciar a tese com a experiência das colônias de parceria e de se dedicar à segunda metade do XIX (reforçando a cronologia tradicionalmente assumida), a historiadora observa que, “desde as primeiras ameaças à supressão do tráfico, adquire premência nos debates parlamentares a ‘questão dos braços para a lavoura” (LAMOUNIER, 1986, 11).

Por isso, para Lamounier, a lei dos contratos de 1830 “não deve [...] ser considerada como mais uma das medidas puramente administrativas então aprovadas”, pois, “certamente já dizia respeito a uma organização das relações de trabalho” (LAMOUNIER, 1986, 55-56). Ao contrário de Gebara, a autora não identifica mudanças significativas na economia brasileira entre a aprovação da lei de 1830 e a de 1837 e afirma que ambas teriam sido “ditadas tendo em vista as questões que envolviam a extinção do tráfico de escravos e a promoção da imigração” (LAMOUNIER, 1986, 56).

A análise fornecida por Lamounier foi recuperada por Joseli Maria Nunes Mendonça, que examina detidamente os debates parlamentares que originaram essas duas leis (MENDONÇA, 2012). Conforme demonstra a autora, muito antes da experiência das colônias de parceria, a elite política já preparava o país para receber trabalhadores europeus. A aplicação da lei de 1837 como forma de controlar o trabalho de imigrantes é evidenciada no artigo de Télio Cravo, Pedro Rodrigues e Marcelo Godoy (CRAVO et al., 2020), sobre a trajetória de oito imigrantes contratados em harmonia com o diploma de locação de serviços para trabalhar nas obras da Estrada do Paraibuna em janeiro de 1838.

Pode-se afirmar que a recuperação da interpretação proposta por Lamounier e o interesse recente pelas leis da década de 1830 relacionam-se à releitura da lei que proibiu o tráfico em 7 de novembro de 1831. A compreensão de que a lei não era para ser cumprida obliterou as discussões acerca do problema da mão de obra da primeira metade do século XIX. Dentro deste quadro interpretativo não restava espaço para se compreender as leis de 1830 e 1837, pouco estudadas pelos historiadores que adotaram a cronologia pela qual a imigração anterior à década de 1850 destinava-se exclusivamente à formação de núcleos coloniais.

Sobre a lei de 1831, Tâmis Peixoto Parron observa que ela foi além das exigências britânicas e avalia que não pode “ser entendida meramente nem como simulação retórica nem como prescrição normativa” (PARRON, 2007, 97). Para o autor, “de 1831 a 1835, o contrabando operou à revelia do centro de decisões do Estado nacional” (PARRON, 2007, 97). No mais, o incremento da importação de africanos, verificado por Manolo Florentino, no período que vai da assinatura do tratado com a Inglaterra, em 1826, até a aprovação da lei, em 1831, é uma forte evidência da crença de que as disposições legais seriam cumpridas. Nas palavras de Florentino: “os dados [...] sugerem claramente que os compradores de africanos acreditavam no fim próximo e definitivo do comércio negreiro” (FLORENTINO, 2014, 42). Se a lei era para valer, é natural que a elite agrária brasileira se preparasse para o inevitável fim do tráfico.

II. Os preparativos para a transição

A lei dos contratos de 1830 e a recusa da concessão de terras a estrangeiros

A atuação de Vergueiro no sentido de solucionar a crise de mão de obra que se avizinhava iniciou-se bem antes da década de 1840. Em 6 de agosto de 1829, o senador apresentou o “projeto de lei sobre contratos”7, que entrou para a ordem do dia do Senado em 22 de maio de 1830. O projeto foi julgado oportuno pelos parlamentares porque, já àquela altura, “se pensava numa categoria de trabalhadores para os quais ela parecia necessária: os estrangeiros” (MENDONÇA, 2012, 65).

Não cabe aqui retomar em detalhes o projeto ou a discussão que encetou no Parlamento. Importa, no entanto, ressaltar alguns aspectos. Pelo projeto, os proprietários que contratassem trabalhadores livres tinham a garantia de contar com a intervenção do Estado para fazê-los cumprir o acordo. O trabalhador poderia “negar-se à prestação dos serviços” desde que restituísse “os recebimentos adiantados, descontados os serviços prestados, e pagando a metade do que ganharia se cumprisse o contrato por inteiro”8. Se não fossem satisfeitos os devidos pagamentos, o contratado poderia ser constrangido, pelo juiz de paz a prestar os serviços estipulados, sob pena de prisão. Depois de “três correções ineficazes”9, seria condenado a trabalhar na prisão para indenizar o empresário. O projeto previa, ainda, que se o trabalhador se evadisse ao contrato ou se ausentasse do local de trabalho “seria a ele reconduzido preso por deprecada do juiz de paz”10. Para Vergueiro, como os trabalhadores não poderiam pagar a rescisão, era necessário forçá-los a cumprir o contrato.

Vergueiro queria também que a lei garantisse a possibilidade do contratante transferir o contrato para outrem, uma vez que “o principal objeto da lei é mandar vir colonos de fora”11, e poderia acontecer de, passado algum tempo, o contratante não mais precisar dos serviços contratados. Assim, pelo artigo 2º, o contrato seria transferível a terceiros, desde que não piorasse a condição do trabalhador e mediante o pagamento “dos serviços prestados pelo preço contratado mais a metade”12. Caso não fossem satisfeitas as condições do contrato, o empresário poderia ser preso13.

Aprovado em terceira discussão no Senado na sessão de 12 de julho de 1830, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, onde foram propostas emendas. Por fim, no dia 13 de setembro de 1830 foi publicada a lei que “regula[va] o contrato por escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiro ou estrangeiro dentro e fora do Império”14, cuja redação final é muito semelhante ao texto original de Vergueiro. Pelo que ficou dito, nota-se que, como observou Mendonça, o projeto visava especialmente regulamentar o trabalho de imigrantes europeus.

A lei seria suficiente para evidenciar o modelo de imigração que se desenhava nos anos 1830. No entanto, há ainda um outro acontecimento relevante ocorrido no mesmo ano, negligenciado pela historiografia. Trata-se do adiamento (que equivale à rejeição), no Parlamento, de um projeto de lei que previa a concessão de terras a estrangeiros. Elaborado em 1827, o projeto foi lembrado pelo marquês de Barbacena na sessão de 17 de junho de 1830:

Ouvi dizer que há outra lei de colonização, proposta aqui há dois anos e que ainda não foi discutida, e que tem artigos muito bons e conexos com a matéria desta lei [dos contratos]. Assim, enquanto esperamos pela 3ª discussão desta, poderia V. Ex. fazer que discutíssemos a outra e que, combinada com esta, talvez saísse uma lei mais perfeita; porque esta lei, que tão útil é, não preenche os seus fins sem haver sociedades que se encarreguem de sua execução, o que espero que se faça em breve15.

Barbacena referia-se ao “plano para atrair e estabelecer colonos estrangeiros no Brasil”16, de autoria de Miranda Malheiro, administrador da colônia de Nova Friburgo, levado ao conhecimento do Senado na sessão de 7 de maio de 1827. No mesmo dia, foi remetido também o Projeto de Colonização, “assinado por três membros da Comissão criada em 2 de dezembro de 1825”17 para “esboçar uma política de colonização para todo o Império” (MELÉNDEZ, 2014, 40). No entanto, desentendimentos entre os membros participantes levaram à elaboração dos dois projetos separados, enviados à Comissão sobre Catequese Indígena, Estatística e Colonização do Senado.

No dia 18 de junho de 1827, o marquês de Santo Amaro questionou a Comissão de Estatística acerca do parecer sobre os projetos remetidos pelo governo. Para Santo Amaro, devia-se dar “andamento a este negócio”18, pois “o tráfico da escravatura brevemente vai expirar”, sendo “necessário cuidar em suprir a falta dos braços que tirávamos da Costa da África”19. O projeto de lei sobre colonização de Miranda Malheiro foi lido pela primeira vez na sessão de 30 de junho de 182720. Composta por 18 artigos, a proposta previa que os imigrantes se dividissem entre os que almejavam terras fornecidas pelo Estado e os que desejavam prestar serviços a terceiros. Sobre estes últimos, o projeto nada dispunha. Quanto aos primeiros, poderiam escolher onde se instalar a partir dos mapas de terras devolutas da província em que chegassem. O projeto estipulava ainda o tamanho das datas a serem concedidas e determinava que os agentes diplomáticos brasileiros facilitassem a imigração de europeus.

O projeto para “chamar ao Brasil os braços que desgraçadamente lhe faltam” foi aprovado para segunda discussão no dia 19 de julho de 1827. Embora as propostas tenham sido consideradas urgentes, a discussão não teve continuidade, até ser retomada pelo marquês de Barbacena em 183021 e entrar em discussão cinco dias depois. Pelo debate ficam claros dois posicionamentos distintos. De um lado, encontrava-se Vergueiro, veementemente contrário à concessão de terras aos estrangeiros, que afirmou: “o que nós precisamos é de braços para os trabalhos e é disto que devemos cuidar, porque é necessário suprir a falta da escravatura, e não é por este modo que este fim se há de conseguir”22.

De outro, senadores que defendiam que a concessão de terras atrairia os europeus ao Brasil. Para Antônio Gonçalves Gomide, o projeto era vantajoso, pois “da rotação do terreno que temos inculto [...] há de resultar grande riqueza”23. O Conde de Lages observou que o projeto tinha “por fins objetos de tanta importância” como “o aumento da população e civilização”24 do Brasil. Para o Marquês de Caravelas, o Brasil precisava “de braços industriosos”25, que apenas viriam se concedidas “graças maiores”. O marquês de Barbacena votou pela continuação do debate por considerar “toleráveis” alguns dos artigos do projeto, que pensara “que tivesse alguma coisa útil”26.

Num primeiro momento, Vergueiro foi voto vencido. Aprovado em linhas gerais, o projeto voltou a ser discutido no Senado entre 5 e 9 de julho de 1830. Uma vez mais debateram-se os diferentes objetivos da introdução de estrangeiros no país. O senador Saturnino de Souza e Oliveira bem sintetizou a contenda: “Diz[-se] que [o projeto] é para convidá-los [os estrangeiros] a vir, afim de suprirem a falta de braços consequente da abolição da escravatura; mas é um engano, porque estes não vêm cá fazer as vezes dos escravos; vêm ser proprietários e fazendeiros”27. Em resposta, o marquês de Palma lembrou que “o fim deste projeto não é só chamar braços ao Brasil, como também a indústria e capitais”28.

Restava definir como os estrangeiros seriam mobilizados nos países de origem. O marquês de Caravelas defendeu a criação de companhias que os fossem buscar:

Não desanimemos na formação dessas companhias. Não se formavam elas para irem buscar estrangeiros à Costa da África? Pois o mesmo acontecerá agora com esses estrangeiros livres, porque nisto elas também têm interesse; e o interesse que movia aquela expedição há de mover essa. O que os nossos diplomatas podem fazer é cooperar fazendo desaprovar na Europa esses prejuízos espalhados de propósito por nações que, receosas de diminuir a sua população, assim fazem uma terrível pintura das terras do Brasil29.

Em julho de 1830, contudo, o Senado parecia inclinado responsabilizar o Estado pela atração de europeus, os quais deveriam contribuir com o povoamento do território brasileiro. No entanto, um mês depois, o projeto foi consensualmente adiado. O marquês de Palma defendeu que se aprovasse, primeiro, uma lei de sesmarias30. Vergueiro argumentou que se cuidasse antes dos interesses dos nacionais para depois estender as benesses aos estrangeiros. O marquês de Caravelas advogou pelo adiamento perguntando: “como é que nós havemos de dar o que não conhecemos?”31.

Não foi possível identificar os motivos que levaram o Senado a adiar discussão do projeto. Contudo, interessa observar a vitória, já em 1830, do modelo de imigração idealizado por Vergueiro. Ao mesmo tempo em que um projeto de concessão de terras a imigrantes era barrado no Senado, outro, que previa formas de regulamentar o contrato com estrangeiros, era aprovado. Consagrava-se então um modelo que previa trabalhadores livres e despossuídos, legalmente coagidos ao trabalho por mecanismos não econômicos em detrimento da colonização baseada na pequena propriedade.

As companhias de colonização e a lei de locação de serviços de 1837

Uma vez estabelecido o modelo de imigração que convinha ao Brasil, era necessário que se formassem as companhias preconizadas pelo marquês de Caravelas. Foi apenas em 1835 que se fez sentir a necessidade de contratar europeus. A essa altura, Portugal acabava de sair de uma guerra civil que opusera os absolutistas ligados a D. Miguel aos liberais liderados por D. Pedro. Já durante a guerra, muitos açorianos fugiram ao recrutamento militar embarcando clandestinamente em embarcações que se dirigiam ao Brasil.

A vontade de emigrar alimentada por essa população foi bem explorada por companhias estrangeiras. Em maio de 1835, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal comunicava ao ministro do Reino a chegada de “um navio cheio de emigrados dos Açores”32 que partiram do Faial às Antilhas. Segundo informações apuradas, a tendência era essa emigração crescer, visto que se formara na Inglaterra uma “espécie de joint stock company”33 com o objetivo de “promover a emigração de braços europeus para as colônias, com o intuito de se ir suprir a falta que causara a abolição do tráfico da escravatura e mais, agora, a emancipação dos escravos”34. Segundo Vila Real, a companhia estava otimista quanto ao transporte de ilhéus, visto que, antigamente, “os Açores forneciam muitos braços para o Brasil”35.

Esta é a referência mais antiga encontrada sobre a emigração de açorianos angariados por companhias estrangeiras para substituir os escravizados. Apesar de escapar à geografia desta pesquisa, o documento revela que a emigração de açorianos se insere na busca por alternativas ao trabalho escravo em diferentes regiões. Ao que tudo indica, os capitães dos navios que deixavam os Açores rumo ao Brasil logo perceberam o desejo dos ilhéus em partir e o dos proprietários brasileiros em contratar assalariados europeus. Desse modo, em outubro de 1835, o cônsul de Portugal na Bahia comunicava a chegada da ‘Escuna Fayalense’ proveniente do Faial com destino ao Rio de Janeiro transportando 56 passageiros que haviam sido “aliciados pelo agente consular brasileiro naquela ilha, segundo a exposição do mestre da dita escuna”36. Esses indivíduos não pagaram antecipadamente pela viagem, de modo que o mestre da escuna entregava a maior parte deles “a quem lhes pagava a passagem de 50$000 em prata por cada um”. No mesmo ofício, o cônsul informava que um mês antes saíra, também do Faial com destino ao Rio de Janeiro, uma galera com “200 passageiros aliciados da mesma forma”37.

A chegada da Fayalense não chamou a atenção apenas do cônsul. Miguel Calmon du Pin e Almeida, na sua Memória sobre o estabelecimento de uma companhia de colonização nesta província, oferecida aos baianos, comentou o acontecimento e viu nele a evidência de que havia interesse dos brasileiros em contratar colonos europeus “para o serviço da lavoura, indústria e servidão doméstica” (ALMEIDA, 1835, 5). A seu ver, “na Bahia já se vai apreciando as vantagens do serviço feito por mãos livres” (ALMEIDA, 1835, 14), de modo que seria justificável a fundação de uma companhia colonizadora na província. A introdução de braços livres seria, também, uma forma de se prevenir “a funesta necessidade de africanos e os efeitos ainda mais funestos da existência de tantos bárbaros neste abençoado país” (ALMEIDA, 1835, 14). Vale lembrar que, meses antes, eclodira nas ruas de Salvador a Revolta dos Malês, que aterrorizou a elite baiana, fato que ajuda a compreender a preocupação de Calmon em encontrar substitutos aos ‘bárbaros africanos’.

Na Memória, Calmon apresentou o projeto da companhia a ser formada com capital privado, a qual obrigar-se-ia: a pagar o armador ou capitão do navio que transportasse os colonos; a acolhê-los num depósito até que fossem contratados; a reclamar das autoridades públicas o cumprimento dos contratos por particulares e colonos e a “facilitar o transporte de colonos abastados para as terras que tiverem comprado ou recebido” (ALMEIDA, 1835, 15). Os contratos seriam celebrados conforme a lei de 1830 e caberia ao contratante pagar de imediato os custos de transporte e sustento dos colonos, além de uma taxa de 25% do valor total para a companhia.

A memória foi publicada em alguns jornais do Império38 e, poucas semanas depois, Calmon reuniu, “num dos salões do Convento de Santa Tereza, sessenta e oito pessoas nacionais e estrangeiras para o fim de se instalar a Companhia de Colonização”39. Dentro de um mês, a Companhia Colonizadora da Bahia (CCB) angariara mais 227 membros e um capital de 67:900$000 (MELÉNDEZ, 2016, 260). No início de 1837, tinha introduzido um total de 804 colonos na província (MELÉNDEZ, 2016, 264).

A CCB contava com o apoio das autoridades consulares brasileiras em Portugal (especialmente nas Ilhas dos Açores) e com um depósito para abrigar os recém-chegados, de modo que, a partir do início de 1836, tornaram-se frequentes, nos jornais de Salvador, anúncios como o que se segue:

No depósito da Companhia de Colonização, no Trem dos Aflitos, existem perto de 90 colonos, de diversas nações, a engajar-se; havendo entre eles: canteiros, carniceiros, pedreiros, criados, barbeiros, lavradores, cozinheiros, padeiros e carpinteiros. Bahia – Escritório da Companhia de Colonização, 4 de junho, José de Lima Nobre40.

A despeito dos esforços de Calmon, a CCB não teve vida longa. As razões para o seu encerramento em abril de 1837 não são claras. Segundo Meléndez, a companhia enfrentou dificuldades como: não pagamento das ações por parte de muitos subscritores; altos custos dos colonos; deserção e fuga de estrangeiros; além das dificuldades impostas à angariação de trabalhadores nos países de origem. Soma-se a tudo isso o fato de Calmon ter sido convidado pelo Regente Araújo Lima para liderar a pasta da Fazenda. Importa notar que a subida dos regressistas ao poder assegurou a “política do contrabando” (PARRON, 2009) e possibilitou o recrudescimento do tráfico de escravizados para o Brasil41, de modo que, possivelmente, houve uma redução da demanda por trabalhadores assalariados.

Essa pode ser, também, a explicação para o fracasso da Sociedade Promotora da Colonização do Rio de Janeiro (SPCRJ), formada por iniciativa da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) em 1836. A proposta de criação de uma companhia colonizadora foi apresentada pelo Conde de Gestas durante um encontro da SAIN de 1835. Analisada por uma comissão, a ideia foi considerada vantajosa para a agricultura e indústria do Brasil. A SPCRJ, que animaria “a emigração da Europa” 42, responsabilizar-se-ia pelo pagamento das despesas de viagem dos colonos transportados para o Brasil e pelo acolhimento dos mesmos até que encontrassem ocupação. Caberia aos membros da SAIN angariar assinaturas de indivíduos interessados em contribuir.

O estatuto da SPCRJ foi publicado no Diário do Rio de Janeiro dos dias 12 e 13 de março de 1836. Nele, lê-se que nenhum colono seria aceito sem a apresentação de “atestado ou abonação segura da sua moralidade” 43; que a sociedade teria “armazéns, casa ou depósitos” onde os colonos seriam acolhidos e sustentados e que poderia “fundar diversas oficinas laboratórios ou mesmo estabelecimentos rurais”44 com o fim de empregá-los até que fosse quitada a dívida contraída. A SPCRJ seria administrada por uma mesa diretora eleita em Assembleia Geral à qual caberia nomear empregados e agentes, solicitar ao governo e ao Parlamento a adoção de medidas necessárias para o bem da sociedade e dos colonos e vigiar e zelar pela sorte dos imigrantes.

No dia 20 de abril de 1836, o secretário da SPCRJ, comunicou à imprensa que a Mesa Diretora, presidida pelo conservador pernambucano Pedro Araújo Lima, já se encontrava habilitada a receber “quaisquer propostas que lhe sejam dirigidas para mandar vir colonos”45. Isso porque o capital e as subscrições necessárias foram levantados junto a figuras proeminentes de diversas partes do Império46. Formada a sociedade, a SPCRJ procurou “alugar armazéns ou qualquer outro edifício nesta cidade ou seus arrabaldes que tenha as acomodações necessárias para servir de depósito de colonos”47.

Em julho, o espaço para alojar os recém-chegados ainda não havia sido encontrado, muito embora as atividades já estivessem em curso. No dia 2 de julho, a imprensa carioca noticiava a contratação, pela SPCRJ, “de vários colonos açorianos, vindos ultimamente da Ilha de São Miguel no patacho inglês John Echlice”48. Segundo o anúncio, quem os quisesse “tomar” deveria “ir vê-los a bordo do referido patacho enquanto não se lhes destina[va] local em terra para o seu depósito, devendo depois dirigir-se ao Sr. Secretário da Sociedade para se concertarem os respectivos ajustes na conformidade dos Estatutos”49.

Em agosto de 1836, os interessados em contratar “criados de servir com prendas de maior e menor idade”, rapazes para aprender ofícios, caixeiros e trabalhadores do campo provenientes do arquipélago dos Açores já podiam se dirigir ao depósito da SPCRJ no largo da Lapa50. Anúncios como este, feitos no Diário do Rio de Janeiro, tornavam-se frequentes, à medida em que continuavam a chegar embarcações transportando colonos – principalmente açorianos.

O sistema de contratação de estrangeiros levantou críticas publicadas no Diário do Rio de Janeiro. ‘O Cincinato’ mostrou-se indignado pela forma como eram tratados os colonos no depósito da SPCRJ: “mal vestidos, pior alimentados, eles ali se acham lançados em medonha miséria, cobertos de imundice e vítimas da ambição e má fé dos especuladores que os iludiram”51. As críticas dirigiram-se também à disposição legal que isentava do pagamento do imposto de ancoragem os navios que transportassem “um certo número de braços livres para colonizarem o país”52. A medida teria resultados deploráveis por estimular o transporte de maus elementos que aumentavam a lista de malfeitores da cidade e seria nefasta também para os colonos, visto que, almejando transportar um grande número de passageiros, os capitães e armadores dos navios faziam-lhes “promessas lisonjeiras” e pouco realistas.

As críticas foram reforçadas por ‘Um Brasileiro’ que, indignado, relatou a chegada de uma embarcação portuguesa, cujos passageiros foram “indistintamente inscritos na Sociedade Promotora da Colonização”53. Muitos deles, segundo averiguara, vinham sem passaporte, mas foram autorizados a desembarcar “porque devemos receber todas as fezes das nações da Europa”54.

A SPCRJ enfrentava outras dificuldades. Nos jornais, solicitou-se diversas vezes que as pessoas que contrataram os serviços de colonos efetuassem os pagamentos em aberto e quitassem a comissão devida. Alguns subscritores anunciavam na imprensa da capital a venda de apólices da SPCRJ, o que, além de demonstrar o pouco retorno que tiveram, contribuiu para desvalorizar a empresa. Em 1839, “a Sociedade parecia estar quebrada” (MELÉNDEZ, 2016, 300) e, em 1840, encerrou suas atividades.

Antes de fechar, a SPCRJ logrou aprovar, no Parlamento, uma nova lei de locação de serviços. Em 1836, a sociedade, ressentindo-se de mais proteção, reivindicou uma lei capaz de “assegurar plenamente os direitos dos contratantes” (CRAVO et al, 2020, 18). A representação enviada pela SPCRJ à Câmara dos Deputados propunha “um projeto de lei sobre locação de serviços”55. A proposta foi encaminhada à comissão de justiça civil, que apresentou um projeto de decreto voltado à contratação de estrangeiros.

O projeto, como a lei de 1830, visava assegurar os interesses dos responsáveis pela introdução dos estrangeiros no país, bem como daqueles que os contratassem. Assim, os contratados que se ausentassem antes de findo o tempo do contrato ficariam na prisão até que restituíssem em dobro os valores devidos. Caso não pudessem pagar, serviriam o locatário de graça. Com caráter ainda mais repressivo que a lei vigente, a proposta visava “assegurar que os imigrantes de fato trabalhariam para ressarcir as despesas de viagens pagas por quem os trouxera” (MENDONÇA, 2012, 75).

O projeto visava também melhorar a imagem do Brasil nos países de origem dos imigrantes56. A proposta continha artigos que conferiam maior proteção aos imigrantes, como o estabelecimento de regras claras para a demissão por justa causa e para a contratação de menores de 21 anos. O projeto aprimorava, também, as regras para a transferência de contratos, de modo a conferir mais segurança aos contratantes. Nas palavras de Mendonça, “além de estabelecer a possibilidade de aprisionar o trabalhador que não cumprisse com o contrato” (MENDONÇA, 2012, 80), a proposta visava prendê-lo ao patrão por meio de dificuldades que reduzissem sua autonomia.

Em resumo, o projeto buscava garantir que quem se arriscasse a arcar com os custos do transporte dos imigrantes ao Brasil não seria prejudicado. A preocupação não era desprezível numa sociedade escravista, em que os senhores recorriam à violência privada e tinham a certeza de que, em caso de revoltas, contariam com o ajuda do Estado. Se as companhias de colonização almejavam introduzir um número crescente de trabalhadores europeus no país, era fundamental que garantissem a intervenção dos agentes estatais. Por isso, o projeto foi facilmente aprovado, tanto na Câmara dos Deputados, quanto no Senado e originou a lei de locação de serviços com validade exclusiva para estrangeiros, assinada pelo regente Pedro de Araújo Lima e por Bernardo Pereira de Vasconcellos57, a qual vigorou no Brasil até 1879.

III. Imigração portuguesa e transição laboral

À exceção do referido trabalho de Alencastro (1998), a imigração portuguesa para o Brasil nas décadas de 1830 e 1840 não tem sido associada à transição do trabalho escravo para o livre. Geralmente, menciona-se apenas superficialmente a presença de portugueses entre os parceiros de Vergueiro, de modo que a presença lusitana no país durante o XIX tem sido entendida numa linha de continuidade com fluxos migratórios anteriores ao processo de ruptura política, compostos por rapazes oriundos do Minho e enviados ao Brasil por seus familiares para trabalhar em casas de comércio de conterrâneos. Enriquecidos, esses imigrantes regressavam a Portugal, onde ficaram pejorativamente conhecidos como ‘brasileiros de torna-viagens’58. É o caso do texto “Imigração portuguesa e miscigenação no Brasil nos séculos XIX e XX: um ensaio”, de Manolo Florentino e Cacilda Machado.

Os autores entendem a emigração portuguesa para o Brasil como um “fluxo contínuo, de natureza multissecular”, razão pela qual não poderia ser entendida como “reflexo de conjunturas não relacionadas entre si” (FLORENTINO e MACHADO, 2002, 93). O texto propõe a análise da inserção dos portugueses no Brasil a partir de dois estudos de caso – um do século XIX e outro do XX. O primeiro consiste na análise dos livros de batismo e matrimônio da paróquia de Inhaúma, no Rio de Janeiro, a partir dos quais, os autores concluem:

Os europeus de Inhaúma provinham sobretudo do norte de Portugal e das ilhas do Atlântico, do Douro e do Minho, dos Açores e da Madeira. A migração estava marcada por um notável predomínio masculino: nada menos do que nove entre dez anotados no livro eram homens. Tratava-se de um padrão nada peculiar: fora assim desde o início da colonização (FLORENTINO e MACHADO, 2002, 98).

Nota-se a ênfase na continuidade sobre a ruptura ou qualquer modificação do fenômeno migratório para o Brasil. Percebe-se que não há o reconhecimento das diferenças entre os fluxos com origem no Minho ou nos Açores. O foco na estrutura e a rejeição da conjuntura conduz os autores a identificar apenas semelhanças. Conforme ficará claro, ainda que possa haver pontos de contato entre os fluxos migratórios das ilhas e do norte de Portugal, há diferenças nada irrelevantes.

Confusão semelhante é feita por Gladys Sabina Ribeiro. Muito embora observe corretamente que “dos entrados na Corte entre 1820 e 1834, a grande maioria era nascida no Norte de Portugal” (RIBEIRO, 2002, 193), a historiadora afirma que muitos dos portugueses, que “chegavam aos borbotões”, tinham que “pagar a passagem a comandantes dos navios” e “submetiam-se a qualquer tipo de trabalho” (RIBEIRO, 2002, 166). Ribeiro tampouco diferencia, portanto, o fluxo minhoto, feito com passagens pagas, do açoriano, composto por rapazes despossuídos, engajados por capitães dos navios, com os quais os imigrantes ficavam endividados.

Importa adiantar que a partida do imigrante oriundo do Norte era parte de uma estratégia familiar que o preparava para migrar. Esses rapazes eram alfabetizados para assegurarem boa colocação em casas comerciais nas cidades brasileiras e viajavam de forma legal, com as passagens pagas antecipadamente. Já os açorianos embarcavam vítimas do desespero, sem preparo, muitas vezes sem documentos e na maioria das vezes, sem passagens pagas. Dessa forma, a emigração de ilhéus dependia ou da iniciativa governamental (como o caso dos casais açorianos instalados em Florianópolis no século XVIII), de iniciativas privadas (como aquelas levadas adiante pela CCB e pela SPCRJ) ou ficava à mercê do interesse dos capitães e mestres dos navios em transportá-los sem os fretes pagos.

Os já mencionados ofícios redigidos após a chegada de faialenses às Antilhas e da escuna Fayalense a Salvador foram apenas os primeiros de uma vasta correspondência enviada por autoridades consulares no Brasil a seus superiores em Portugal, onde crescia a preocupação com as condições em que se fazia a emigração açoriana, rapidamente referida como ‘tráfico da escravatura branca’. Em março de 1836, pouco depois de formada a CCB, o cônsul de Portugal na Bahia, Francisco José de Noronha, comunicava a chegada de 146 portugueses provenientes da ilha de São Miguel a bordo do patacho português ‘Cometa’. De acordo com o ofício, os ilhéus viajaram de posse dos respectivos passaportes e “sujeitaram-se a servir aqui a qualquer pessoa, pelo tempo que o capitão ou o consignatário estipulassem”59, além de terem concordado em não desembarcar “contra a vontade do capitão”60. A chegada desses passageiros (“seduzida pelo mestre da embarcação ou por algum outro agente”) teria causado “grande desgosto a todos os portugueses residentes desta praça, porque lhes lembrava do que tinha havido com os colonos que vieram a bordo da escuna Fayalense” e porque lhes recordava a forma como eram comercializados os africanos escravizados.

Há nesta qualidade de transação alguma analogia com as da escravatura e isso deu motivo a usar-se, geralmente, a respeito dos colonos, a mesma linguagem de que se tivesse chegado um navio com escravos da costa da África. Em muitas partes se ouvia dizer se achar ‘dois colonos portugueses bons até 70$000 ou 80$000, compre’. Esta linguagem, e outra ainda mais repugnante, já tinha produzido grandes inconvenientes a alguns dos colonos que vieram pela ‘Fayalense’, porque além de se sujeitarem a três e mais anos de trabalho para pagarem a passagem, são tratados com bastante desprezo, pela ideia errada que a respeito deles se propagou e de que alguns patrões de má índole se aproveitaram61.

De acordo com o relato, o cônsul empenhou-se em dissipar a memória do ocorrido com a Fayalense e melhorar a sorte dos portugueses. No entanto, encontrou resistência por parte do capitão do patacho, cujas intenções estavam “de acordo com os desejos do governo desta província e de uma associação poderosa de colonização que aqui se estabeleceu”. A notícia da formação da CCB incentivou um negócio que já vinha ocorrendo: o engajamento e transporte de açorianos para serem contratados nos portos do Brasil. Os capitães e mestres de embarcações, certos de que receberiam o valor das passagens na Bahia, não poupavam esforços para transportar o maior número de passageiros, com os quais estabeleciam contratos que os obrigavam, por sua pessoa, bens e herdeiros, a não desembarcar antes do pagamento dos respectivos ‘fretes’. Esse último fator forçava os passageiros a se sujeitarem a qualquer trabalho para se livrarem do capitão e seus correspondentes. Na sequência, viam-se presos aos patrões pelo tempo necessário ao pagamento da dívida, sob pena de prisão.

Poucos meses depois, o patacho ‘Tarujo & Filhos’ chegou à Bahia, transportando 113 colonos proveniente da ilha Graciosa. Segundo o cônsul de Portugal, os colonos viajaram “por conta da Sociedade de Colonização, que os ajustou na Graciosa por meio de seu agente José Pereira Campos”62. Nem a embarcação e nem os passageiros tinham os documentos adequados à viagem, razão pela qual teriam sido iludidas as “providências que o governo tinha dado para que não continue essa emigração”.

Entre a chegada do ‘Cometa’ e do ‘Tarujo & Filhos’, o governo em Lisboa procurou evitar a saída de ilhéus nas condições descritas pelo cônsul. Em outubro de 1835, uma portaria do Ministério da Justiça incentivava os párocos a desestimularem a emigração promovida por “especuladores estrangeiros”63. Contudo, para o ministro dos Negócios Estrangeiros, o duque de Palmela, a ação dos párocos era insuficiente. O duque propunha que se obstasse “a emigração dos habitantes dos Açores promovida [...] por armadores estrangeiros e seus sócios”64 por meio da não concessão de passaporte para fora do reino aos menores de 40 anos que não soubessem ler e não comprovassem não pertencer à classe dos cultivadores65.

O duque justificou a proposta contrária à liberdade de emigrar alegando a “necessidade evidente de proteger os açorianos contra as especulações de estrangeiros, que traficam com escravos brancos”66. Era a primeira vez que a expressão ‘escravos brancos’ era utilizada por uma autoridade portuguesa num documento oficial. Já em fevereiro de 1836, o termo adentrava o Parlamento pela voz de Passos Manuel que denunciou a ‘escravatura branca’ a partir de uma memória recebida da Bahia67.

Não cabe aqui abordar tentativas do governo português para regulamentar a emigração para o Brasil. Importa, no entanto, observar a relação entre: preocupação com o futuro da mão de obra no Brasil; formação de companhias e sociedades de colonização; adensamento do fluxo migratório açoriano e as ações promovidas pelo governo português para obstá-lo. Esse encadeamento de eventos aponta a importância de fatores conjunturais que, conjugados a aspectos estruturais (como a falta de terras e a pobreza nos Açores) originaram um fluxo migratório de tipo novo. Indica, ainda, que antes das colônias de parceria do fim da década de 1840, foram realizadas experiências no sentido de formar um mercado de trabalho livre no Brasil por meio da iniciativa privada e que, a despeito do anti-lusitanismo que marcou o pós-Independência, os lusitanos continuaram a ingressar na antiga colônia68.

Não existe, ainda, um levantamento sistemático capaz de identificar o número de imigrantes açorianos transportados ao Brasil nas décadas de 1830 e 184069. Para o Rio de Janeiro, alguma correspondência consular refere o número de indivíduos provenientes dos Açores, do Minho e de Lisboa entrados no Brasil em um determinado período de tempo. É possível, ainda, estimar esse número a partir dos registros de entradas de embarcações nos portos da cidade no Diário do Rio de Janeiro, que indicam a proveniência e o nome da embarcação, o número de passageiros e de colonos transportados. Importa, contudo, observar que a comparação entre o número de portugueses ingressos levantados por esses registros e aquele comunicado pelo cônsul no Rio de Janeiro (quando existente) evidencia uma disparidade nada desprezível, pela qual se observa uma possível inconsistência nos registros feitos pelo jornal.

Açorianos entrados no Brasil (1836-1849)

Crie uma hipótese sobre quem poderia substituir a mão de obra escravizada nas lavouras de café

Fonte: Diário do Rio de Janeiro, 1836-184970.

Açorianos entrados no Brasil 1843-1849

Crie uma hipótese sobre quem poderia substituir a mão de obra escravizada nas lavouras de café

Fonte: ANTT/MNE/Correspondência Consular recebida do Rio de Janeiro, cx. 313, 314.

Evidentemente, ainda se está muito longe dos números atingidos pela imigração no fim do século XIX. No entanto, os 1150 passageiros provenientes dos Açores em 1836, justamente quando a SPCRJ foi criada, apontam que essa companhia incentivou esse fluxo migratório. É evidente, também, que os ilhéus chegados após 1840 não vieram incentivados por companhias – visto que a CCB e a SPCRJ já haviam encerrado suas atividades. No entanto, essas companhias estimularam um fluxo que continuou a ocorrer por iniciativa de capitães e armadores de navios, motivados pela procura por trabalhadores estrangeiros livres no Brasil e pela vontade de emigrar dos ilhéus. Não se sabe qual porcentagem desses imigrantes foi enviada para o trabalho na lavoura, ou quantos preferiram se manter nas cidades. Os relatos consulares, contudo, dão conta das diferenças entre esse fluxo imigratório e aquele proveniente do Norte de Portugal e outras origens no mesmo período.

Antes de observar essas diferenças, há que notar que, com relação à emigração para a Bahia, foi encontrado apenas um ofício encaminhado pelo cônsul ao ministro dos Negócios Estrangeiros após o fim da CCB, comunicando a chegada de 105 colonos sem passaporte provenientes do Faial a bordo do brigue Recuperador e angariados por João Severino d´Avellar71. É possível que a decadência econômica da província, somada ao fracasso da CCB e ao arrefecimento das preocupações com revoltas de escravizados tenham diminuído a procura por europeus livres, de modo que os capitães de navios não foram incentivados a continuar o transporte de colonos para aquele destino72.

Diferente do cônsul de Portugal na Bahia, que denunciou as semelhanças entre a forma como se fazia a imigração para aquela província e o tráfico da escravatura, João Baptista Moreira, cônsul no Rio de Janeiro, foi bastante menos eloquente. A primeira correspondência por ele enviada (e por nós encontrada) relativa à imigração data de 1837 – quando a SPCRJ já vinha operando há pelo menos um ano. Isso provavelmente se deve ao fato de Moreira constar da lista de acionistas da sociedade. Sendo parte interessada na prosperidade da empreitada, não lhe convinha chamar a atenção das autoridades portuguesas para o assunto, visto que isso poderia resultar em entraves ao engajamento dos ilhéus. Mesmo após o fim da SPCRJ, Baptista continuou atuando no engajamento de portugueses, até que um escândalo que o envolvia em casos de ‘tráfico de escravatura branca’ o afastou do cargo na década de 1860. Ainda que seus ofícios devam ser lidos com algum cuidado, essa correspondência fornece pistas sobre a imigração portuguesa no Rio de Janeiro e a participação de lusitanos no processo de transição da mão de obra escrava para a livre no Brasil.

Em 1837, Moreira comunicava que a maior parte dos 2119 portugueses que deram entrada na corte no segundo semestre de 1836 foram “tomados” pela “Sociedade de Colonização desta corte”73. A companhia, no entanto, achava-se “embaraçada em lhes arranjar engajamentos”, razão pela qual muitos açorianos que acreditaram nas “promessas enganosas” dos angariadores se encontravam “na maior miséria”. Também a maioria dos 1173 açorianos entrados em 1837 teria sido tomada pela SPCRJ, que os “engajara para serviços, principalmente de lavoura”.

Ainda sobre os açorianos, Moreira afirmava: “aqueles robustos homens do campo, e outros de ofícios, não se têm engajado por menos de dez mil reis mensais, e os rapazes em proporção”74. Já, “as mulheres têm sido tomadas para criadas também com vantagens”. Diferentemente dos ilhéus, os do Porto que viajavam “em geral com passagens pagas”75, dedicavam-se ao comércio e eram os que melhor se arranjavam. Os de Lisboa, custavam mais a encontrar trabalho, muito embora aqueles de “ofícios mecânicos” tenham sido “engajados com vantagem”76. Os que sobraram eram “ébrios e vadios” que se tornavam “desordeiros” na corte, sujando o bom nome português. No mesmo ofício, Moreira dava conta das dificuldades enfrentadas pela SPCRJ, razão pela qual o capitão do bergantim Formosura, recém-chegado dos Açores, engajava os colonos a bordo “contra a opinião de muita gente”.

Em outro ofício, Moreira afirmava que os portugueses vindos dos Açores, “não tendo aqui tantas relações de parentesco como os do Minho e vindos pela maior parte devedores de suas passagens, preferem conservar-se a bordo até achar emprego”77. Os contratos eram, então, celebrados no consulado que “fiscaliza[va] o quantitativo da passagem e o salário que o passageiro deve[ria] vencer”78. Assim, “apesar do estado de pobreza em que chegam aqui os passageiros dos Açores, é, todavia, verdade que seu gênio trabalhador e econômico lhes presta meios para [...] melhorarem sua posição”. Confirmava-se que “a gente do Minho é exclusivamente empregada no comércio e a dos Açores, pela maioria, ocupada no trabalho do campo”79.

Em 1842, o cônsul Francisco João Moniz afirmava que continuavam “a vir para aqui bastantes portugueses, da província do Minho e dos Açores, excedendo todos os anos de 1000 a 1500 pessoas”80. Enquanto os minhotos constituíam “a porção mais feliz dos súditos de S. Majestade” no Império, os açorianos, apesar de trazerem “sobre si o empenho de seu frete” não pioravam de condição porque “capturando os seus serviços pelo tempo que sua habilidade permite, não arrisca[va]m a subsistência”.

Esses ofícios mostram a impossibilidade de se tratar toda a imigração portuguesa a partir de uma linha de continuidade com o fluxo iniciado ainda antes da Independência. Se os minhotos continuavam a se deslocar para trabalhar no comércio, os açorianos viajavam incentivados por especuladores interessados em com eles transacionar nos portos do Brasil e acabavam, não raro, a trabalhar ao lado de escravizados ou no lugar destes. Esse movimento, incentivado pela SPCRJ prosseguiu depois do fim da sociedade, de modo que Moreira caracterizava como “excessiva” a entrada de imigrantes no segundo semestre de 1843.

Certamente, em alguns momentos, a procura por trabalhadores livres era menor que a oferta, razão pela qual muitos dos 416 passageiros transportados pelo brigue Constança em outubro de 1844 teriam ficado muito tempo a bordo à espera de quem os contratasse, até que o capitão decidiu engajá-los a “serviço do Arsenal da Marinha e para o corpo de Imperiais Marinheiros pelo pagamento de suas passagens”81. Outros desses recém-chegados encontraram “trabalho nas novas estradas da província, fazendo contratos mais ou menos vantajosos com o presidente dela”82.

Em outro ofício, Moreira afirmava que também iam para as obras das estradas do Rio de Janeiro muitos “dos vindos da Ilha da Madeira”83, que eram os que custavam “mais a empregar-se vantajosamente porque são, no geral, indolentes”. Garantia, ainda, que “os dos Açores, principalmente do Faial e Terceira” preferiam os “trabalhos do campo”, onde os rapazes recebiam a 5$ ou 6$ por mês e os homens de 7$ a 10$. As mulheres dessas ilhas, por sua vez, “já tiveram mais aceitação” para os trabalhos domésticos, realizados pelos escravos “com maior perfeição”84.

O número atingido pela imigração portuguesa em 1845 – tanto de açorianos, quanto de minhotos – fizera com que, mesmo os rapazes do Minho, “que geralmente se empregam como caixeiros de todas as casas de comércio”, tivessem dificuldade em se arranjar com as vantagens de costume. Os ilhéus, por sua vez, estavam “muitíssimo desacreditados pelo seu mal procedimento”85 de tal modo que o capitão da escuna Flor de Setúbal fora “obrigado a rebaixar tanto os preços das passagens, que lhe resultou prejuízo de suas especulações”86. No entanto, ainda assim, muitos eram regularmente engajados e contratados “para trabalharem como lavradores de café e açúcar, dando metade do rendimento de suas lavouras ao proprietário das terras como uma amortização razoável para o pagamento das passagens que lhes adiantaram”87.

As dificuldades, contudo, não persistiram. Em dezembro de 1845, Moreira comunicava que “para a gente das ilhas dos Açores, talvez em consequência da cessação em grande parte do tráfico da escravatura, lhes tem aparecido no segundo semestre vantajosos engajamentos para toda a qualidade dos serviços, muitos deles fizeram contratos com lavradores do país”88. Outros, no entanto, eram empregados no transporte de água. Sobre as mulheres das ilhas, Moreira afirma que conseguiam “bons engajamentos para o serviço doméstico da cidade” e quase todas “encontra[va]m bons patrões com muitas vantagens”89. Por fim, concluía: “A sorte, pois, de toda essa gente açoriana que aflui ao país não é infeliz e desesperada como se tem exagerado para certos fins. Se aparece algum que tem vida infeliz, é em número diminuído comparado com o de centenas que estão em vias de fazer boas fortunas”90.

Em janeiro de 1849, Moreira fornecia mais alguns detalhes acerca do trabalho realizado pela “gente das ilhas”91. Segundo o cônsul, grande parte desses imigrantes “se emprega em tomar água nos chafarizes da cidade em carroças e pipas puxadas por muares, vendendo-a e fornecendo, assim, a quase toda a população que empregava nisso escravos”. Beneficiavam, assim, “os proprietários das carroças, quase todos ilhéus”, além de auferirem “bons salários”. No ano seguinte, Moreira reforçou que os açorianos “empregam-se quase exclusivamente a fornecer água aos habitantes, que tomam nos chafarizes e conduzem em carroças pelas ruas”92. A atividade seria “muito lucrativa, pois o serviço, que era exercido por escravos que forneciam água para gasto das casas dos seus senhores, é hoje feito por esses homens por aquela forma e com muito menos dispêndio de população”.

Por esses dois ofícios, percebe-se que, ao chegar, os açorianos se empregavam no abastecimento de água, serviço anteriormente realizado por escravizados. É bem provável que, mais tarde, investissem o capital amealhado nessa mesma atividade e comprassem carroças nas quais empregavam patrícios recém-chegados. Os relatos fornecidos pelo cônsul estão em sintonia com a afirmação de Alencastro, segundo a qual a chegada de imigrantes possibilitou a “desativação do emprego de cativos nas atividades urbanas” (ALENCASTRO, 1998, 41) entre 1849 e 1872.

Do que ficou dito até aqui, fica claro que havia diferentes fluxos migratórios de Portugal para o Brasil. Enquanto os minhotos se empregavam, majoritariamente, no comércio; os açorianos eram empregues na lavoura, na construção de estradas e no transporte de água e as mulheres eram contratadas como criadas de servir. Nota-se, assim, que esses indivíduos realizavam trabalhos muitas vezes destinados a escravizados e, certamente, já na década de 1840, competiam com aqueles nos trabalhos urbanos – razão pela qual, a emigração açoriana foi associada, em Portugal, à ‘escravatura branca’. É possível, ainda, que perante a iminência do fim do tráfico (especialmente na segunda metade da década de 1840, quando a pressão britânica voltou a crescer), muitos escravizados urbanos tenham sido enviados para a lavoura e os trabalhos antes por eles realizados nas cidades tenham sido ocupados por imigrantes portugueses que chegavam ao Brasil com a dívida da passagem.

As condições de viagem e de contrato, juntamente com o fato de os açorianos realizarem trabalhos antes destinados a escravizados (e muitas vezes, ao lado destes) indignaram a comunidade portuguesa já radicada no Brasil, conforme apontado. Em Portugal, certamente criticou-se mais a ‘escravatura branca’ do que a negra, cujo tráfico o país teve dificuldades para encerrar (MARQUES, 1999). Em 1855, a Carta de lei de 20 de julho tentou regulamentar o transporte de emigrantes e os termos dos contratos de locação de serviços a serem executados no exterior (ou seja, no Brasil). A essa altura, contudo, já não eram apenas os açorianos os ‘escravos brancos’.

Enquanto uma epidemia de cólera dizimava um grande número de escravizados no Brasil e incentivava a procura por trabalhadores europeus, no Norte de Portugal, as condições de vida se deterioravam. A forma como também os minhotos passaram a se deslocar à ex-colônia levou à aprovação da lei de 1855 e à adoção, ao longo de todo o XIX, de medidas que regulassem o fluxo emigratório que, no entanto, persistiu. No início do século XX os portugueses ultrapassaram os italianos e se transformaram no principal contingente de estrangeiros ingressos no Brasil, mas essa é outra história, influenciada por fatores conjunturais semelhantes, porém particulares.

Considerações finais

Se, como aponta Sidney Chalhoub, “o ano de 1850 é um divisor de águas na vida política e social do Império” (CHALHOUB, 2012, 38), não se pode afirmar que esse ano tenha sido um completo divisor de águas do fenômeno imigratório no Brasil. Conforme ficou claro, a imigração da primeira metade do XIX não foi toda resultante do sistema de colonização que se tentou implementar, primeiro pelo governo joanino, depois pelo I Reinado. As preocupações da elite agrícola do país com o problema da mão de obra também não surgiram às vésperas do fim definitivo do tráfico de escravizados. Antes mesmo da experiência das colônias de parceria, Miguel Calmon du Pin e Almeida, Pedro de Araújo Lima e o próprio Vergueiro já haviam participado da formação de companhias colonizadoras para introduzir braços livres no país.

O Senador Vergueiro, ainda em 1829, apresentava um projeto para controlar a mão de obra livre que haveria de entrar no país. Poucos anos depois, tornava-se acionista da SPCRJ, razão pela qual, certamente, estava ciente das dificuldades encontradas pela empreitada quando decidiu experimentar o modelo das colônias de parceria. Mais pesquisas seriam necessárias, mas pode-se conjecturar que a experiência anterior com a SPCRJ está entre as causas procuradas por Stolcke e Hall para a formação do sistema de parceria. Pode-se, ainda, suspeitar que a decisão de introduzir alemães suíços tenha resultado das dificuldades encontradas por Vergueiro para angariar trabalhadores em Portugal, país onde a emigração engajada para o Brasil vinha sendo entendida como um novo ‘tráfico da escravatura branca’ e onde medidas para dificultar esse fenômeno vinham sendo tomadas.

Por fim, esse trabalho evidencia a necessidade de se explorar mais a presença dos portugueses nas cidades, e a importância que tiveram na liberação da mão de obra cativa para o campo, quando do fim definitivo do tráfico, e ilumina a participação de imigrantes portugueses na transição da mão de obra escrava para a livre no Brasil, processo tortuoso, marcado por avanços e recuos.

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Notas

1 Artigo não publicado em plataforma preprint. Todas as fontes e bibliografia utilizadas são referenciadas no artigo. A pesquisa de que resulta este artigo foi financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, processo nº 8887.388124/2019-00.

3 A importância atribuída à experiência das colônias de parceria como marco na transição do trabalho escravo para o livre e assalariado no país é atestada pela atenção que recebe em estudos dedicados exclusivamente ao assunto. Ver: WITTER, 1974 e 2002. Ainda: MENDES, 2017.

4 O livro corresponde a uma versão atualizada da tese defendida pelo autor em 1978.

5 Vale observar que Gladys Sabina Ribeiro – cuja obra não se dedica ao Período Regencial – já considerara que a lei de 1830 não tinha o intuito de encerrar a imigração, mas sim de demarcar a oposição do Parlamento ao Imperador num momento de crise política (RIBEIRO, 2002, 160). No mais, a historiadora lembra que, durante a Regência, uma lei de naturalização foi aprovada, as províncias foram autorizadas a estimular a vinda de imigrantes e foi permitido o ancoramento de navios que transportassem estrangeiros (RIBEIRO, 2002, 163).

6 Por isso, discordamos da seguinte afirmação: “não se pode relacionar o início das correntes emigratórias portuguesas e a existência desses ‘engajados’ exclusivamente a esta questão do tráfico” (RIBEIRO, 2002, 166). Se é verdade que emigrantes portugueses já chegavam ao Brasil há mais tempo, o engajamento de açorianos na década de 1830 marca o início de um fluxo de tipo novo, conforme observou Alencastro, intrinsecamente relacionado às ameaças ao futuro do tráfico de escravizados.

7 Sessão de 17 de junho de 1830. Anais do Senado do Império do Brasil (ASIB), ano de 1830, livro 1. Secretaria Especial de Editoração e Publicações, p. 275.

8 Artigo 3º do projeto de lei sobre contratos. Sessão de 17 de junho de 1830. Loc. cit., p. 276.

9 Artigo 4º do projeto de lei sobre contratos. Loc. cit., p. 276.

10 Artigo 5º do projeto de lei sobre contratos. Loc. cit., p. 277.

11 Nicolau de Campos Vergueiro. Sessão de 17 de junho de 1830. Loc. cit., p. 276.

12 Artigo 2º do projeto de lei sobre contratos. Loc. cit., p. 276.

13 Idem, ibidem.

14 Lei de 13 de setembro de 1830. Coleção das leis do Império do Brasil – 1830, p. 33, vol. I, pt. I.

15 Marquês de Barbacena. Sessão de 17 de junho de 1830. Loc. cit., p. 278.

16 Visconde de São Leopoldo. Sessão de 7 de maio de 1827. ASIB, ano de 1827, livro 1. Secretaria Especial de Editoração e Publicações, p. 21.

17 Idem, ibidem.

18 Marquês de Santo Amaro. Sessão de 18 de junho de 1827. Loc. cit., p. 263.

19 Idem, ibidem.

20 Projeto de lei sobre colonização. Sessão de 30 de junho de 1827. Loc. cit., p. 330-1.

21 Segundo Meléndez: “protelações costumeiras travavam a audiência do plano no Senado: a Comissão sobre Catequese Indígena, Estatística e Colonização afirmava necessitar de mais informações antes de apresentar seu parecer sobre essa proposta de colonização, a primeira que abrangia todo o Império” (MELÉNDEZ, 2014, 40). Em sua tese de doutorado, Meléndez apresenta como razão para o abandono dos projetos de 1827 a eclosão de um motim armado pelo regimento irlandês da Corte, que alterou o tom das discussões sobre o assunto (MELÉNDEZ, 2016, 139).

22 Nicolau de Campos Vergueiro. Sessão de 22 de junho de 1830. Loc. cit., 298.

23 Antônio Gonçalves Gomide. Loc. cit., p. 298.

24 Conde de Lages. Loc. cit., p. 300.

25 Marquês de Caravelas. Loc. cit., p. 301.

26 Marquês de Barbacena. Loc. cit., p. 301.

27 Saturnino de Souza e Oliveira. Sessão de 6 de julho de 1830. Loc. cit., p. 373.

28 Marquês de Palma. Loc. cit., p. 373.

29 Idem, ibidem.

30 Marquês de São João de Palma. Sessão de 05 de agosto de 1830. ASIB, ano de 1830, livro 2. Secretaria Especial de Editoração e Publicações, p. 94.

31 Marquês de Caravelas, sessão de 05 de agosto de 1830. Loc. cit., p. 96.

32 Conde de Vila Real. Ofício. Lisboa, 13.05.1835. ANTT/MNE – registro de correspondência expedida para o Ministério do Reino, liv. 328, p. 100. Trata-se da transcrição de outro oficio enviado pelo ministro de Portugal em Londres.

33 Idem, ibidem.

34 Idem, ibidem.

35 Idem, ibidem.

36 Cônsul de Portugal na Bahia. Ofício. Bahia, 14.10.1835. ANTT/MNE/Correspondência consular recebida, Bahia, cx. 251.

37 Idem.

38 Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 09.11.1835, nº 248. A memória foi também publicada no Correio Oficial, Rio de Janeiro, 14.11.1835, nº 115 e no Jornal de Agricultura, Comércio e Indústria da Bahia, Bahia,15.10.1845, nº 38.

39 Ata de Instalação da Companhia de Colonização da Província da Bahia. Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 01.12.1835, nº 267.

40 Diário da Bahia, 06.06.1836, nº 26.

41 Jeffrey Needell estudou a formação da oposição aos liberais moderados em meados da década de 30 e a rápida ascensão do grupo dos regressistas ao poder em 1837. Para Needell, dentre outros fatores que atuaram nesse processo, foi fundamental o apoio que os regressistas receberam dos mercadores dedicados ao tráfico ilegal de escravizados e dos cafeicultores que estimulavam o contrabando. Tanto os traficantes quanto a elite cafeeira estavam preocupados com a pouca segurança de seus negócios num período de grande instabilidade política. Por isso, estavam dispostos a apoiar políticos que dessem suporte à manutenção do tráfico. Segundo o autor, os cafeicultores e traficantes encontraram nos regressistas os homens com os quais podiam contar. (NEEDELL, 2006, 62).

42 Extrato da sessão da Assembleia Geral da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional reunida no dia 15 de novembro de 1835. Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, Rio de Janeiro, III, nº 12, 1835.

43 Estatutos da Sociedade Promotora da Colonização do Rio de Janeiro. Diário do Rio de Janeiro (DRJ), 12.03.1836, nº 11.

44 Idem.

45 Seção de Declarações. DRJ, nº 15, 20.04.1836. O mesmo texto foi novamente publicado no nº 20 de 26.04.1836.

46 No levantamento de acionistas e subscritores da SPCRJ realizado por Meléndez (2016), aparecem nomes de figuras importantes do Império, provenientes de diferentes províncias, como o Senador Nicolau de Campos Vergueiro; o cônsul de Portugal no Rio de Janeiro, João Baptista Moreira; o Regente Pedro de Araújo Lima; o Senador Francisco Gê de Acayaba Montezuma e, até mesmo, Miguel Calmon du Pin e Almeida.

47 Seção de Declarações. DRJ, nº 16, 21.04.1836. O mesmo texto foi novamente publicado nos nºs 18 e 20 de 23.04.1836 e 26.04.1836.

48 Seção de Declarações. DRJ, nº 02, 02.07.1836.

49 Idem.

50 Colonos açorianos. DRJ, nº 18, 22.08.1836.

51 O Cincinato. Depósito dos colonos. DRJ, nº 209, 19.09.1838.

52 Idem.

53 Um Brasileiro. Seção de Correspondências, DRJ, nº 240, 25.10.1838. É possível que o correspondente se referisse aos colonos transportados de Lisboa na barca ‘Lizia’, os quais, segundo um anúncio da SPC publicado no DRJ, nº 203, de 12.08.1838, foram inscritos na sociedade e aguardavam contratação.

54 Idem.

55 Parecer da comissão de justiça civil, sessão de 1º de setembro de 1836. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados, ano de 1836, tomo II. Rio de Janeiro: Tipografia de Viúva Pinto & Filho, 1887, p. 237.

56 A lei de locação de serviços de 1837 não alterou a imagem do Brasil e das formas de exploração dos trabalhadores portugueses no país. Em diversos momentos ao longo do século XIX, enquanto esteve vigente, a lei foi associada ao tráfico da escravatura branca por obrigar os colonos a se manterem presos aos seus patrões enquanto não lhes indenizassem pelo pagamento do frete e por possibilitar a prisão daqueles que não cumprissem com seus contratos.

59 Francisco José de Noronha Feital. Ofício. Bahia, 27.03.1836. ANTT/MNE/Correspondência consular recebida, cx. 251.

60 Idem.

61 Idem.

62 Francisco José de Noronha Feital, Ofício. Bahia, 06.08.1836. ANTT/MNE/Correspondência consular recebida, cx. 251.

63 Portaria de 7 de outubro de 1835, Coleção Geral da Legislação Portuguesa, 2º semestre de 1835, p. 453.

64 Duque de Palmela. Ofício. Lisboa, 13.10.1835. ANTT/MNE, registro de correspondência expedida para o MR, liv. 328, p. 145.

65 Idem, ibidem. Grifo nosso.

66 Idem, ibidem.

67 Sobre a escravatura branca, o debate gerado em Portugal e as primeiras medidas para contê-la, ver: SILVA, 2012.

68 A lusofobia que emergiu no Brasil após a Independência e que motivou conflitos no Primeiro Reinado persistiu ao longo do período regencial e motivou perseguições a portugueses durante as revoltas que eclodiram nesse período. O assunto foi estudado por Ribeiro (2002) e Mendes (2010). Ambos os autores observaram que a rivalidade alimentada pelos brasileiros contra os portugueses não estancou a emigração de lusos para a antiga-colônia. No entanto, vale notar que, no contexto da eclosão de motins antilusitanos ocorridos na época da Revolta da Praieira (1848) em Pernambuco, o governo português promoveu o transporte de portugueses radicados naquela província rumo a Angola. O objetivo era promover a colonização branca do distrito de Moçâmedes. Segundo Alexandre e Jill (1998, 441), cerca de 430 luso-brasileiros chegaram ao distrito entre o fim da década de 1840 e início da década de 1850.

69 Para um levantamento a partir dos livros de registros de passaportes dos órgãos administrativos açorianos, ver: SILVA, 2009.

70 A pesquisa foi feita a partir do site http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx, com as seguintes palavras-chave: colonos; Faial; Ilha Terceira; Ilha de São Miguel e Açores. Em alguns momentos, refere-se o número de passageiros transportados, em outros é informado o número de colonos. Num primeiro momento, acreditamos que “colonos” se referia àqueles que viajavam sem passagens pagas, em oposição a “passageiros”. No entanto, a pesquisa mostrou que os termos eram usados indistintamente, pois aqueles que apareciam como passageiros, não raro, eram anunciados nos dias seguintes como estando a bordo à espera de quem pagasse suas passagens. Apenas em um caso registrou-se a entrada de um navio transportando passageiros portugueses e também espanhóis. Há ainda registros de embarcações que teriam transportado passageiros cujo número não está indicado. Para o ano de 1835, há três embarcações indicadas, mas apenas em uma consta o transporte de 222 passageiros. Antes de 1835, apenas o patacho Triumpho teria entrado no porto em janeiro e novembro de 1830, da primeira vez transportando 15 famílias e 35 homens lavradores e da segunda, 900 ilhéus.

71 Segundo Alencastro (1998), os irmãos Severino d´Avellar acumulavam o transporte de colonos açorianos ao tráfico de africanos escravizados.

72 Vale notar que, a partir da década de 1840, há inúmeros ofícios redigidos pelo cônsul de Portugal em Pernambuco, Joaquim Baptista Moreira, denunciando o ‘tráfico da escravatura branca’. Ver: CARVALHO, 1988.

73 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 31.01.1837. AHP/Proposta de Lei nº 22-A/III/3ª, liv. 3263.

74 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 20.06.1838. ANTT/MNE/ Correspondência consular recebida, cx. 311.

75 Idem.

76 Idem.

77 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 12.12.1843. ANTT/MNE/Correspondência consular recebida, cx. 313.

78 Idem.

79 Idem.

80 Francisco João Moniz. Ofício. Rio de Janeiro, 16.03.1842. Loc. cit.

81 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 25.10.1844. ANTT/MNE/Correspondência Consular, cx. 313.

82 Idem.

83 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 04.01.1845. Loc. cit.

84 Idem.

85 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 31.07.1845. Loc. cit.

86 Idem.

87 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 06.10.1845. Loc. cit.

88 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 31.12.1845. ANTT/MNE/Correspondência Consular, cx. 313.

89 Idem.

90 Idem.

91 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 31.01.1849. ANTT/MNE/Correspondência Consular Recebida, cx. 314.

92 João Baptista Moreira. Ofício. Rio de Janeiro, 20.02.1850. Loc. cit.

Autor notes

2 Mestre em História Contemporânea pela Universidade de Coimbra e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

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Miriam Dolhnikoff e Miguel Palmeira

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Quem poderia substituir a mão de obra escravizada nas lavouras de café?

Resposta verificada por especialistas. Nas lavouras de café, quem substituiu a mão de obra escravizada após a abolição da escravatura foram as populações pobres, os próprios ex-escravos recém-libertos e os imigrantes.

O que ocorreu em 1850 no Brasil que impulsionou a substituição da mão de obra escrava pelos imigrantes europeus?

Já com a expressa proibição do tráfico negreiro, em 1850, os grandes cafeicultores foram tendo enormes dificuldades para adquirir mão de obra capaz de suprir a sua demanda. Uma das primeiras alternativas lançadas para tal impasse foi o chamado tráfico interprovincial de escravos.

Como fazendeiros das lavouras de café do Rio de Janeiro e de São Paulo conseguiram escravos para trabalhar em suas plantações?

Resposta. os fazendeiros também nomeados de "Barões do Café", conseguiram escravos aproveitando imigrantes italianos (não me recordo se japoneses também). Aproveitando essa imigração, eles decorreram a eles para que pudessem ter um apoio extra permitindo também "ajudar" os imigrantes fazendo-os de escravos.

Qual é a relação entre a chegada dos europeus nas lavouras brasileiras no século 19 o processo de abolição da escravidão no Brasil?

A chegada dos europeus nas lavouras brasileiras no século XIX significava sua contratação para o trabalho antes realizados pelos escravos, agora libertos e jogados a própria sorte graças a abolição da escravatura. Era considerado humilhante contratar um ex escravo.