Como o Desenvolvimento Científico e tecnológico Impacta nos setores da economia?

RESUMO

O objetivo deste artigo é estabelecer os elementos sociais, políticos, econômicos e culturais que estão na base da constituição de qualquer processo de desenvolvimento científico e tecnológico, a fim de considerar a especificidade e os limites do caminho brasileiro nesse assunto.

PALAVRAS-CHAVE:
Produção científica; mudança tecnológica

ABSTRACT

The purpose of this article is to establish the social, political, economic and cultural elements that are in the basis of the constitution of any process of scientific and technological development in order to consider the specificity and the limits of the Brazilian path in this matter.

KEYWORDS:
Scientific production; technological change

Nos dias que correm é consenso atribuir-se papel central à ciência e à tecnologia no desenvolvimento de países e regiões. Há como que associação direta, inferida por diversos modelos quantitativos, entre investimentos em pesquisa e desenvolvimento e crescimento do produto e da renda. Também comum é relacionar-se o gasto em educação e a construção de um sistema de apropriação/criação/difusão de conhecimento com desenvolvimento econômico. De tal modo é assim que o tema está presente em diversas teorias e perspectivas com a força do que é incontestável. Mais ainda isto é reforçado quando são trazidos os casos exitosos do Japão e, mais recentemente, da Coréia, que são tomados como exemplos definitivos da equação: ciência + tecnologia = desenvolvimento econômico.

Perspectivas menos quantitativistas debruçaram-se sobre o tema de outros pontos de vista. Informadas pela história, pela sociologia do conhecimento, pela crítica da economia política, pelas teorias institucionalistas, abordam a relação entre ciência, tecnologia e desenvolvimento buscando reconstituir a complexa trama de mediações - culturais, políticas, econômicas, sociais, institucionais - que se interpõem entre os termos da relação. Trata-se, na verdade, de assumir que o sucesso de uma política de desenvolvimento econômico não é função linear e direta do gasto com pesquisa e desenvolvimento, mas o resultado de uma rede de determinações complexas, em que o ambiente sociocultural, o estoque de recursos disponíveis para investimento, a base de recursos naturais, o padrão de distribuição primária da renda, o grau de universalização e qualidade do ensino fundamental, a existência de uma rede de equipamentos culturais - museus, bibliotecas - e de instituições de pesquisa são decisivos.

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

O ponto de partida aqui é o conceito de forças produtivas desenvolvido por Marx. Sintetizando este conceito, Ciro Flamarion Cardoso aponta para a sua natureza complexa e multidimensional, lembrando que as forças produtivas compreenderiam: as energias naturais, o trabalho humano e os conhecimentos técnicos e científicos, as formas de organização social, em particular as formas da divisão do trabalho, que são realidades articuladas em permanente interação (Cardoso, 1988CARDOSO, C.F.S. (1988). Ensaios racionalistas. Rio de Janeiro: Campus., p. 45).

No essencial, trata-se de apontar para o fato de que no capitalismo as forças produtivas são um instrumento para a acumulação de capital. O que significa dizer que a ciência e a tecnologia são aqui suportes de valorização do capital. Esquematicamente:

Contudo, há um outro encadeamento possível entre estes elementos. Trata-se do encadeamento estudado por autores como Karl Polanyi, como Marshall Sahlins,

Como o Desenvolvimento Científico e tecnológico Impacta nos setores da economia?

por Eric Wolf, por Pierre Clastres, ao tratarem de sociedades primitivas, antigas, camponesas, pré-modernas, como as queiram chamar, em que as forças produtivas não são instrumentos da acumulação de capital, mas sim, componentes da estrutura geral que visa à reprodução social. Cujos princípios, cujas regras de funcionamento não são aqueles do mercado, do valor de troca, mas os da reciprocidade, da redistribuição, da dádiva. É este, por exemplo, o sentido das tecnologias estudadas por Marcel Mauss: as técnicas corporais, as técnicas mecânicas, o uso do fogo, a técnica da fabricação de cestos, a olaria, o uso de colas e resinas, a confecção de armas etc. (Mauss, 1974MAUSS, M. (1974). Introducción a la etnografia. Trad. esp. 2ª ed. Madrid: Istmo.). Esquematicamente, trata-se de um circuito em que as forças produtivas, as tecnologias que engendra, dão origem à seguinte estrutura:

Como o Desenvolvimento Científico e tecnológico Impacta nos setores da economia?

Toda a questão assim remete-se à pergunta: afinal quais seriam os elementos que determinariam as diferenças entre as duas trajetórias?

Uma resposta clássica e com grande audiência é a de Max Weber. Diz ele que o que distingue as sociedades ocidentais, dito de outro modo, que o que distingue a modernidade ocidental é, exatamente, a vitória nesta “região” de uma forma de racionalidade, que, penetrando todos os campos da vida social e individual, acabou por instaurar um comportamento baseado num princípio que poderia ser chamado de otimização sistêmica, que impõe o cálculo, a economia de meios e a maximização de resultados como regras absolutas da ação social.

Esta racionalidade com relação a fins, que surgiu e se tornou dominante no ocidente, foi resultado de um “encadeamento de circunstâncias” que Weber não pretende explicar (Weber, 1992WEBER, M. (1992). Ensayos sobre sociologia de la religión. 3ª ed. Vol. 1. Madrid: Taurus., p. 11). E esta racionalidade, na verdade, não se limitou aos campos em que tradicionalmente se espera encontrá-la. Se ela é decisiva na realidade das ciências e da vida econômica, não se a espera dominando áreas onde parecem reinar a pura subjetividade e a transcendência como a religião e as artes. Mas é aí, neste território do sublime, que Weber vai localizar o essencial da vitória da racionalidade ocidental - a sua imposição, a sua autoridade e legitimação como fundamento da ética religiosa calvinista, das artes e das ciências.

A tese de Weber, já quase centenária, tem merecido reparos, contestações, adaptações. Não se pretende discuti-la aqui nestes termos. Interessa, neste texto, chamar a atenção para a complementaridade, de seu núcleo essencial, para com a abordagem derivada de Marx.

Na verdade, tanto os críticos quanto os neoentusiastas de Weber, destes nossos tempos bicudos, acabam traindo o essencial da sua tese. O que ele procurou mostrar, o centro mesmo de sua obra como sociólogo, historiador, economista, é que a racionalidade com relação a fins é uma racionalidade historicizada, resultado de um encadeamento singular de circunstâncias, com incidência tópica no “ocidente”. Weber não quis ver nesta racionalidade um caminho absoluto, uma espécie de verdade revelada e salvífica, que todos deveriam perseguir, senão que uma trajetória histórica problemática, produtora de uma “nova servidão”, uma “gaiola de aço” que é preciso ser contestada. Só que neste ponto o ceticismo de Weber falou mais alto e, resignado, ele limitou-se a apelar para uma espécie de “aristocracia da dignidade” como o antídoto possível contra a barbárie da racionalização instrumental (Cohn, 1979COHN, G. (1979). Crítica e resignação. São Paulo: T.A. Queiroz.).

É isto que os deificadores da racionalidade instrumental parecem ignorar. Weber é visto assim como uma espécie de apologeta da racionalidade com relação a fins quando ele simplesmente foi o seu mais arguto analista e o mais desesperançado crítico de suas consequências.

Weber mostrou, nos vários momentos em que analisou a modernidade ocidental, o papel decisivo que a racionalidade instrumental, como instrumento da vitória capitalista, seu papel na moldagem de comportamentos, instituições, métodos, ciências, técnicas, artes.

Não se trata, contudo, ao admitir isto, de afirmar a exclusividade desta forma de racionalidade. Há, na verdade, uma outra racionalidade, cujas raízes e significados remontam a Aristóteles. Esta outra racionalidade é tributária de uma outra concepção de mundo, de uma ética que se dirige à busca da perfeição, à realização da humanidade no caminho da justiça. Neste sentido a racionalidade não separa meios de fins, não separa os homens de seu ambiente, a economia da ecologia, a riqueza da justiça. Esta outra racionalidade, para Aristóteles, era expressão de um tipo superior de sabedoria - a sophia - que tem como objeto não a phoronesis - a sabedoria prática - mas a virtude intelectual mais elevada que visa ao bem. (Peters, 1983PETERS, F.E. (1983). Termos filosóficos gregos. 2ª ed. Trad. port. Lisboa: Gulbenkian., p. 212).

É esta concepção de racionalidade, é esta concepção ética que leva Aristóteles a distinguir a economia da crematística e fazer desta última uma forma aviltada das relações econômicas (Alier, 1988ALIER, J.M. (1988). “Economia e ecologia: questões fundamentais”, Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 7, vol. 3, junho. São Paulo: ANPOCS.).

É esta concepção de racionalidade que informará uma longa tradição filosófica que Gerd Bornheim chamou de “racionalide não-manipulatória da natureza e que está presente em Montaigne, Spinoza, Pascal, Vico, Rousseau e Goethe. (Bornheim, 1993BORNHEIM, G. (1993). “Reflexões sobre o meio-ambiente: tecnologia e política”. In STEIN, E. & BONI, L.A. (org.). Dialética e liberdade. Petrópolis: Vozes.).

Foi esta mesma racionalidade que manteve a economia, as ciências, as técnicas, as artes até a modernidade, submetidas a preceitos éticos, à uma concepção de mundo inteiriço e uno, onde os indivíduos são, na verdade, sujeitos de um destino coletivo. É este o sentido geral das artes, da filosofia, das ciências pré-modernas - instrumentos de construção do aperfeiçoamento humano como fenômeno coletivo.

É contra este pano de fundo, que deve ser projetada a revolução da modernidade. Trata-se de transformação histórica global: a emergência de novos valores, de novas instituições, de novas concepções de mundo, de novas mentalidades, de novas ciências e tecnologias. Weber vai chamar este processo de desencantamento do mundo. Trata-se de transformar o mundo da natureza e a sociedade civil em realidades manipuláveis, calculáveis, privatizáveis, mercantilizáveis.

Deste modo tanto a ciência como a técnica, tanto o trabalho como a natureza, são deslocados de seus topos constitutivos na ordem do mundo, passando a fazer parte de uma nova ordem, a ordem do capital, a ordem da heteronomia e da desigualdade.

Se a heterogeneidade e a desigualdade são as regras, não se tome a ordem capitalista como reproduzindo-se mimeticamente em todos os lugares e momentos. Na verdade, a análise histórica das manifestações concretas do capital revela a existência de importantes diferenças nacionais e temporais.

Basicamente, é possível dizer, apoiando-se e ampliando a tese de Charles Tilly, que teria havido três tipos de trajetória histórica da modernidade: 1) a que apoiou-se fundamentalmente na coerção, e cujo caso conspícuo é a Rússia; 2) a que baseou-se, centralmente, na ação do capital, cujos exemplos são as grandes cidades do norte da Itália e os Países Baixos e 3) a que combinou coerção e capital e que Tilly chamou de “coerção capitalizada” e cujo exemplo paradigmático é a Inglaterra (Tilly, 1996TILLY, C. (1996). Coerção, capital e estados europeus. Trad. port. São Paulo: EDUSP.).

Cada trajetória dessas teria resultado num tipo determinado de formação social, de estrutura e dinâmica do mercado interno, numa certa configuração de hegemonia política e cultural, nos termos de Gramsci, num certo tipo de Estado ampliado e numa determinada estruturação científica e tecnológica.

Esquematicamente, tem-se uma ampliação do esquema apresentado anteriormente pela introdução de um conjunto de mediações que enriquecem-no, concretizam-no:

Como o Desenvolvimento Científico e tecnológico Impacta nos setores da economia?

Neste esquema a categoria determinada - a estrutura de ciência e tecnologia - é resultado das relações de interdependência das quatro categorias determinantes. Sendo que a leitura literal da sequência seria a seguinte: cada formação social, dadas as características de suas forças produtivas e de suas relações sociais de produção, dá origem a uma determinada estrutura de mercado interno, que seria mais ou menos includente, em função da abrangência e extensão da distribuição primária da renda (Furtado, 1992FURTADO, C. (1992). Brasil, a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra.), determinando uma configuração de hegemonia política e cultural mais ou menos sintonizada com o interesse nacional-popular, a que corresponderá um aparelho de Estado mais ou menos democrático, o qual, em sua estrutura ampliada, mobilizará recursos materiais e institucionais visando ao desenvolvimento científico e tecnológico que ou privilegiará os interesses da acumulação, ou da reprodução, ou buscará a compatibilização entre os dois objetivos.

A descoberta da importância deste entrelaçamento de elementos culturais, políticos e econômicos é das grandes contribuições de Gramsci, de quem se pode ler:

“A França fornece um tipo completo de desenvolvimento harmônico de todas as energias nacionais e, particularmente, das categorias intelectuais. Quando, em 1789, um novo agrupamento social aflora politicamente à história, ele está completamente apto para todas as suas funções sociais e, por isso, luta pelo domínio total da nação, sem efetivos compromissos essenciais com as velhas classes, mas pelo contrário, subordinando-as às próprias finalidades. As primeiras células intelectuais do novo tipo nascem com as primeiras células econômicas: a própria organização eclesiástica sofre sua influência.(...) Esta maciça construção intelectual explica a função de irradiação internacional cosmopolita e de expansão de caráter imperialista hegemônico de modo orgânico, consequentemente muito diverso da italiana, de caráter imigratório pessoal e desagregado, que não reflui sobre a base nacional para potenciá-la, mas, pelo contrário, concorre para impossibilitar a constituição de uma sólida base nacional” (Gramsci, 1968GRAMSCI, A. (1968). Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. port. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., p. 17).

São estas vicissitudes, a capacidade das classes dominantes de participarem da construção do projeto nacional - popular, a capacidade das classes dominantes de absorverem uma efetiva distribuição de renda, em relação às classes dominantes, que usam a coerção como seu quase único instrumento de dominação, que explicam, em parte, a consistência e sucesso do capitalismo nos Estados Unidos e Japão, por exemplo, vis­ à-vis a precariedade do capitalismo no Brasil.

E não se tome esta constatação como afirmação de uma inferioridade do Brasil por seu clima, meio, raça. Nossas raízes ibéricas e nossa tropicalidade não são fatores de atraso a priori. Ao contrário, é possível mostrar que sob vários aspectos a modernidade ocidental é, em alguns de seus fundamentos, uma criação ibérica: é em Portugal, no século XII, que surge o Estado centralizado no ocidente; é também em Portugal, no século XIV, que ocorre a primeira revolução burguesa europeia, é também de Portugal a invenção de instrumento fundamental da modernidade econômica como o é o seguro marítimo. Do início do século XV, com a tomada de Ceuta, em 1415, até a dominação espanhola, em 1580, Portugal terá lugar de destaque no comércio mundial, levando o grande historiador Leopold von Ranke a dizer: “Por volta de 1579 e 1580, Lisboa era talvez o maior centro comercial do mundo” (Ranke, 1979RANKE, L. von. (1986). Pueblos y estados en la historia moderna. Trad. esp. 3” ed. México: F.C.E., p. 124). Liderança comercial e nas ciências náuticas a que deve se somar a verdadeira revolução representada pela conquista do Novo Mundo e o alargamento do espaço de acumulação que isto significa. Obras ibéricas, como ibérico é o esplendor estético de amplitude universal que vai de Camões a Cervantes, de Velázquez a Goya.

Mesmo a colônia, mesmo o acanhado da vida brasileira de ontem e de hoje, tem o que oferecer no plano da cultura - que artista plástico das Américas será superior a Antônio Francisco Lisboa, que romancista do século XIX americano superará Machado de Assis, quem, dentre os músicos do Novo Mundo, terá obra mais significativa que a de Villa-Lobos?

São todas manifestações da criatividade, que em nada devem ser desqualificadas porque igualmente produtos de gênio não inferior ao do que se destina às ciências.

Mais que isto, é possível dizer mesmo, que, com atraso, é certo, o Brasil também buscou desenvolver infraestrutura tecnológica e científica, já no século XIX. O que significa, afinal, colocar a questão nos seguintes termos: o que teria impedido ·que os esforços nos campos científico e tecnológico realizados no Brasil tivessem resultado em consistente alavanca para o desenvolvimento econômico e social do país?

ECONOMIA, ESTADO E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO

Não é ocioso lembrar o quanto de ideológico está presente na discussão sobre as relações Estado e economia. Para as versões mais exaltadas do neoliberalismo, todo e qualquer progresso material da sociedade só é obtido como resultado da vigência dos princípios neoliberais. É este o sentido das implicações extraídas por Vitor Tanzi e Ludger Schuknecht, quando em entrevista-artigo para a Gazeta Mercantil, em 21/5/ 96, associam a maior inventividade dos chamados “pequenos governos” (Estados Unidos e Japão entre eles), cerca de 8,6 patentes por mil habitantes, contra 2,0 patentes dos “grandes governos” (Bélgica, Itália, Holanda, Noruega, Suécia), exatamente à condição “diminuta”, relativamente, do gasto estatal, ignorando assim uma série de determinações econômicas, culturais e institucionais decisivas no processo de desenvolvimento científico e tecnológico de qualquer país.

O ponto fundamental que é sustentado neste trabalho é que o desenvolvimento econômico resulta, em algum nível, do desenvolvimento científico e tecnológico e que este não tem determinação unívoca, mas é resultado da presença-ação diferenciada de diversas dimensões - a cultural, a econômica, a política, a institucional. Historica­mente é possível identificar diversos momentos em que ficaram evidentes as relações entre inovações tecnológicas-crescimento-inovações institucionais. Nas palavras de Carlota Pérez:

“Quando a Alemanha e os Estados Unidos enfrentaram a supremacia da Grã-Bretanha, no começo do século, o fizeram mediante uma assimilação pioneira e completa das novas tecnologias em siderurgia, química e eletricidade, em combinação com várias inovações decisivas na organização empresarial, no sistema financeiro e creditício e, sobretudo, no desenvolvimento de recursos humanos qualificados. O que colocou o Japão na primeira fila, permitindo-lhe que tivesse tanto êxito na utilização plena da tecnologia da informação para alcançar o crescimento rápido e a competitividade mundial, foi ter sabido desenvolver e adaptar plenamente um modelo inovador de organização empresarial e ter estabelecido, no plano nacional, um poderoso conjunto de instituições propulsoras”1 1 “Cuando Alemania y los Estados Unidos enfrentaron la supremacía de la Gran Bretaña a comienzos de siglo, lo hicieron mediante una asimilación más temprana y mas cabal de la nueva tecnología en siderurgia, química y electricidad, en combinación con varias innovaciones decisivas en la organización de la empresa, el sistema financiero y crediticio y, sobre todo, en el desarrollo de recursos humanos calificados. Lo que ha colocado el Japón en primera fila, y ha mucho que los japoneses tengan tanto éxito en utilizar plenamente la tecnología de la información para alcanzar el crecimiento rápido y la competitividad mundial, es haber desarrollado y adaptado plenamente un modelo innovador de organización empresarial y haber establecido en el plano nacional un poderoso conjunto interrelacionado de instituciones propulsoras.” (Pérez, 1992PÉREZ, C. (1992). “Cambio técnico, restruturación competitiva y reforma institucional en los países en desarrolo“, El Trimestre Economico, vol. LIX, nº 233, janeiro­ março. México., pp. 29-30).

E entre estas instituições propulsoras Carlota Pérez não hesita em insistir no papel do Estado, por meio da ação do MITI. Se se analisar o atual paradigma tecno-econômico (Pérez, 1992PÉREZ, C. (1992). “Cambio técnico, restruturación competitiva y reforma institucional en los países en desarrolo“, El Trimestre Economico, vol. LIX, nº 233, janeiro­ março. México., p. 27), ver-se-á que ele combina duas ordens de inovações. De um lado, a inovação microeletrônica originada nos Estados Unidos, e de outro a inovação institucional-gerencial originada no Japão e o modelo flexível de organização (Pérez, 1992PÉREZ, C. (1992). “Cambio técnico, restruturación competitiva y reforma institucional en los países en desarrolo“, El Trimestre Economico, vol. LIX, nº 233, janeiro­ março. México., p. 26). Pois bem, durante um certo tempo, e talvez ainda o seja, a liderança deste processo foi exatamente do Japão, sinalizando assim para a centralidade dos aspectos institucionais-organizacionais nos “paradigmas tecnoeconômicos”.

É este também o sentido da análise de Alfred D. Chandler Jr. em seu Scale and Scope (1994FILHO, R.L.S. (1994). “Diagnóstico da ciência e tecnologia”. In Ciência e tecnologia, alicerces do desenvolvimento. Op. cit. CNPq.). Também ali busca-se contemplar as diferenças específicas entre os modelos organizacionais predominantes em três economias poderosas (Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra), a partir do pressuposto de que foram as formas específicas de organização empresarial, que prevaleceram nestes países, que definiram as trajetórias e as vicissitudes de seus desenvolvimentos capitalistas.

Trata-se, enfim, de reconhecer os papéis estratégicos que jogam aspectos político-institucionais como estrutura e distribuição de propriedade; relação entre proprietários e gerentes; estrutura e política de salários; mecanismos de financiamento e capitalização, estratégias de competição; tamanho e funcionamento do mercado; grau de concentração e centralização do capital. Nas palavras de Chandler Jr., significa atribuir centralidade à “capacitação organizacional para conseguir ampliação da ‘economia de escala e escopo’ na produção e na distribuição”:

“Como tenho enfatizado, o passo inicial na criação da moderna empresa industrial foram os investimentos na produção em massa, que permitiram a apropriação das vantagens das economias de escala e escopo. O segundo passo, que, frequentemente é quase simultâneo ao primeiro, é o relativo à propaganda, distribuição e rede de vendas. O terceiro e último passo diz respeito ao recrutamento e organização de gerentes necessários para supervisionar as atividades restantes referentes à produção e distribuição do produto, coordenação e monitoramento dos fluxos de materiais entre os processos, e alocação de recursos para a produção e distribuição futuras, com base na performance presente e tendo em conta um possível aumento de demanda”2 2 “As I have emphasized the initial step in the creation of the modem industrial enterprise was the investment in production facilities large enough to achieve the cost advantages of scale and scope. The second step, which often occurred almost simultaneously, was the investment in product- specific marketing, distributing, and purchasing networks. The third and final step was the recruiting and organizing of the managers needed to supervise functional activities restraining to the production and distribution of a product, to coordinate and monitor the flow of goods through the processes, and to allocate resources for future production and distribution on the basis of current performance and anticipated demand.” . (Chandler Jr., 1994CHANDLER, Jr., A.O. (1994). Scale and scope. The dynamics of industrial capitalism. 2ª ed. USA/England: H.U.P., pp. 31-2)

A história econômica comparada traz contribuições importantes para esta discussão ao apontar as modalidades históricas específicas, que marcam as constituições dos sistemas nacionais de inovação como partes de sistemas mais gerais tecnoeconômicos, sociopolíticos, culturais, institucionais. São estes aspectos que distinguem a modalidade especificamente liberal, oligopolística, hegemonizada pelo capital industrial do desenvolvimento capitalista nos Estados Unidos vis-à-vis a forma oligopolizada, cartelizada, hegemonizada pelo capital financeiro, tendo papel ativo e sistêmico o Estado, que marca o desenvolvimento capitalista no Japão e na Alemanha, como mostrou Gerschenkron (1968GERSCHENKRON, A. (1968). El atraso económico en su perspectiva histórica. Trad. esp. Barcelona: Ariel.).

As formas de superação do atraso econômico, as formas de atualização tecnológica, de modernização institucional são, neste sentido, marcadas pelas peculiaridades dos diversos processos de constituição das nações, dos Estados, das culturas, das sociedades.

A existência de uma cultura nacional-popular consistente é a base para a legitimação da hegemonia política e cultural. Deste processo participam diversas dimensões. Não haverá efetiva cultura nacional-popular sem alguma forma de “distribuição primária da renda”, como diz Celso Furtado. O que significa, pensando no caso brasileiro, “modificar o mecanismo que conduz a essa perversa distribuição de ativos, ao nível das coisas e das habilitações pessoais” o que passa por uma Reforma Agrária, urbana, pela democratização da organização social, pela qualificação e requalificação do trabalho, pelo investimento na ciência e tecnologia (Furtado, 1992FURTADO, C. (1992). Brasil, a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra., pp. 54-7).

A construção de um sistema nacional de inovação, de um campo sinérgico de desenvolvimento científico e tecnológico, da liderança nos processos de dinamização da produtividade e do crescimento econômico, pressupõem, então, como as várias experiências históricas o comprovam, a existência de uma “distribuição primária da renda”, base para a constituição da nação solidária ao Estado, de uma sociedade nacional-popular.

Também importante é a relação entre a democracia e a tecnologia. Diz Merton:

“A situação na Alemanha nazista de 1933 é um exemplo dos modos de convergência de processos lógicos e não-lógicos para modificar ou reprimir a atividade científica. Em parte, os obstáculos à ciência foram um subproduto inesperado das mudanças na estrutura política e na crença nacionalista. De acordo com o dogma da pureza racial, praticamente todas as pessoas que não preenchiam os critérios politicamente impostos de ascendência ‘ariana’ e manifesta simpatia pelos objetivos nazistas foram eliminados das universidades e institutos científicos”3 3 La situación en la Alemania nazi desde 1933 es ejemplo de los modos en que convergem procesos lógicos y no lógicos para modificar o reprimir la actividad cientifica. En parte, los obstáculos a la ciencia son un subproduto inesperado de los cambios en la estructura política y en el credo nacionalista. De acuerdo con el dogma de pureza de raza, prácticamente todas las personas que no llenaban los criterios politicamente impuestos de ascendencia ‘aria’, de manifiesta simpatia por los objetivos nazis fueron eliminados de las universidades y de los institutos científicos.” (Merton, 1965MERTON, R. K. (1965). Teoria y estructura sociales. Trad. esp. 2ª ed. México/Buenos Aires: F.C.E., p. 531).

O resultado final foi, apesar dos pesados investimentos em ciência e tecnologia pelos nazistas, o “debilitamento da ciência na Alemanha”.

O caso da URSS é ainda mais sugestivo, também ali houve investimentos maciços, houve mesmo, por algum tempo, liderança tecnológica (a corrida espacial até 1963). Contudo, a circunscrição destes investimentos ao terreno militar, a transformação da ciência em segredo, seu absoluto descompasso com os interesses e necessidades materiais da população, transformaram-na em mais um privilégio e instrumento de poder da burocracia.

Em síntese, poder-se-ia argumentar que o processo de desenvolvimento científico e tecnológico é função de cinco grandes dimensões: 1) a cultural, 2) a política, 3) a institucional, 4) a econômica e 5) o perfil da estrutura da ciência e tecnologia.

Qualificando estas cinco dimensões e buscando aplicar estas categorias a um conjunto de cinco países com diferentes trajetórias-tradições históricas (Estados Unidos, Alemanha, Japão, União Soviética, Brasil), tem-se o quadro síntese da página seguinte que resume o principal do argumento desenvolvido neste ensaio.

Quadro síntese
Determinantes do Desenvolvimento Científico e Tecnológico

A situação dos Estados Unidos é a referência superior do espectro analisado. Trata­ se de trajetória histórica marcada por forte hegemonia da sociedade civil. Nos Estados Unidos, a sociedade civil é anterior e constituinte do Estado, que é formado a partir de uma ampla base de apoio que amalgamou instituições políticas e culturais. À sua maneira, individualista e privatista, os Estados Unidos realizaram processos de distribuição primária da renda - terra, trabalho, educação - que são pressupostos essenciais de qualquer projeto de desenvolvimento bem-sucedido. Também à sua maneira engajou-se nas grandes linhas de força do desenvolvimento capitalista, da segunda metade do século XIX, assumindo papel de destaque pela liderança que exercerá na expansão de setores dinâmicos daquele processo - petróleo, siderurgia, material elétrico, borracha, química, automóveis. Entre as peculiaridades do processo de desenvolvimento capitalista nos Estados Unidos, deve-se sublinhar a estruturação oligopólica da economia, as importantes inovações gerenciais e a rede de interações sistemáticas, que foram estabelecidas entre universidades, centros de pesquisa, empresas e Estado.

A Alemanha tem lugar de destaque no quadro das lideranças do desenvolvimento científico-tecnológico. Sob o aspecto institucional e político é pioneira na montagem tanto das metodologias contemporâneas de ensino e pesquisa quanto de uma deliberada ação do Estado na estruturação de um sistema nacional de inovação, como destaca C. Freeman. Do ponto de vista cultural tem considerável grau de coesão c organicidade nacional-popular baseada na paradoxal dimensão cismática dos conflitos religiosos. Decisivo para explicar as vicissitudes da ciência e tecnologia na Alemanha é a recorrência de formas autoritárias que o Estado assumiu ali, culminando na abominação nazista. De resto, trata-se de experiência histórica plenamente sintonizada com o essencial para o desenvolvimento científico e tecnológico da modernidade.

O Japão tem posição importante neste contexto pelas características singularíssimas de sua trajetória histórica. Trata-se de país que, tal como a Alemanha, deve muito de sua atual prosperidade à articulação de um conjunto de ações comandadas pelo Estado. Rápida e concertadamente, seja pela inovação Meiji, seja contemporaneamente pela ação do MITI, o Japão experimentou reformas nos planos econômico, político, institucional, que o colocaram a par das tendências progressivas do ocidente, apoiado e fortalecido por um amplo e profundo apego ao seu lastro cultural tradicional. Ruth Benedict, em seu clássico A espada e o crisântemo (1988BENEDICT, R. (1968). A espada e o crisântemo. Trad. port. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva.), chamou atenção para a funcionalidade e consistência deste amálgama de elementos tradicionais e progressivos da trajetória japonesa.

A União Soviética aparece aqui como caso singularmente expressivo do fato de que não há relação unívoca linear entre investimento - ação estatal -, instituições de ciência, tecnologia e desenvolvimento econômico sustentado. Se progressos podem ser alcançados, e foram, a partir destes parâmetros, a longo prazo e dinamicamente, a constituição de um sistema nacional de inovação, autônomo e sistêmico depende de outras dimensões - as culturais, as políticas, das interações institucionais -, que no caso da URSS foram bloqueadas pela intercorrência de uma política de Estado que subordinou todos os esforços da ciência e tecnologia a objetivos militares. Como é sabido, grande parte do desenvolvimento da microeletrônica, das tecnologias da informação, da informática, é subproduto da corrida espacial e seus desdobramentos militares nos Estados Unidos. Contudo, ali, prevaleceu um transbordamento destas tecnologias de sua destinação militar, o que possibilitou que fossem apropriadas pelo conjunto da estrutura produtiva, dando origem aos fantásticos avanços contemporâneos, dos usos múltiplos da microeletrônica.

Na União Soviética, todo o considerável aparato de ciência e tecnologia montado estiolou-se num atendimento exclusivo a objetivos militares, bloqueando as sinergias, as interações, as externalidades que resultariam de uma destinação ampla do desenvolvimento científico e tecnológico.

Finalmente, o Brasil é a referência inferior do espectro considerado. Trata-se de país em que têm sido interditados todos os elementos indispensáveis à constituição de um efetivo sistema nacional de inovação: de um lado, porque o próprio projeto de construção nacional foi abortado, interrompido pela brutalidade da exclusão social e regional que se tem imposto desde os anos 60; de outro lado, pela ausência de quaisquer mecanismos de distribuição primária da renda, que no Brasil tem se concentrado sistematicamente; também expressivo é o quadro político-institucional, seja pela recorrência de regimes políticos autoritários-ditatoriais, seja pela ação dos recentes governos neoliberais marcados pela interdição de direitos coletivos básicos que são os pré-requisitos de qualquer processo de desenvolvimento econômico consistente.

3. ESPECIFICIDADES DO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO NO BRASIL

Num relatório de 1995, Reinaldo Guimarães e outros, fazem balanço da situação da pesquisa no Brasil em que há conclusões que são bons pontos de partida para o que se vai discutir aqui. Das quinze conclusões listadas algumas merecem destaque, a saber: 1) o parque de pesquisa brasileiro é relativamente grande e completo; 2) contudo há viés neste parque na medida em que a pesquisa aí realizada é, basicamente, acadêmica, sendo pequena a participação de instituições de pesquisas não-ligadas às universidades; 3) por isto mesmo há predomínio de pesquisas científicas em detrimento de pesquisas tecnológicas; 4) isso também se reflete na ênfase maior em pesquisa básica em relação à pesquisa aplicada; 5) há enorme concentração espacial da pesquisa realizada que é, majoritariamente, uma realidade da região sudeste. Outras características listadas dizem respeito à heterogeneidade/desigualdade entre as instituições no referente à produtividade, dinamismo, qualificação, sendo que a conclusão geral é que a produtividade da pesquisa é baixa e apresenta padrões diferentes por grandes áreas, regiões e instituições (Guimarães et alli, 1995GUIMARÃES, R. et al. (1995). A pesquisa no Brasil. 2 vols. Série Estudos em Saúde Coletiva, nº 126. UERJ: IMS, setembro., parte II, pp. 41-54).

Entender estas especificidades da pesquisa no Brasil significa, na verdade, buscar traçar o quadro dos obstáculos estruturais e imediatos à plena consolidação de um sistema nacional de inovações no Brasil, que, numa definição da UNESCO, é o “conjunto articulado dos recursos científicos e tecnológicos (humanos, financeiros, institucionais e de informação) e das atividades organizadas com vista a descobertas, invenções, transferência e fomento da aplicação de conhecimentos científicos e tecnológicos, a fim de se alcançarem os objetivos nacionais no domínio econômico e social” (Caraça, 1993CARAÇA, J. (1993). Do saber ao fazer: por que organizar a ciência. Lisboa: Gradiva.,pp. 70-1).

Alguns autores procuraram estabelecer, dentre os vários fatores que afetam o Sistema Nacional de Inovações, aqueles que teriam papel central. Um destes estudos mostrou, econometricamente, o papel fundamental dos recursos humanos no desenvolvimento científico e tecnológico, deduzindo-se daí mesmo uma regra quantitativa entre gasto em Investimento em Desenvolvimento Experimental (IDE) e pessoal ocupado em IDE. Mais do que isto, esse estudo conclui que o fator realmente limitador do desenvolvimento científico e tecnológico é o tempo de maturação dos investimentos em pessoal qualificado. Nas palavras de Caraça:

“Assim, o fator mais crítico na estimulação de um sistema científico e tecnológico é o tempo - o tempo que mediará até que se atinjam níveis comparáveis aos dos países do OCDE mais desenvolvidos. Quer dizer, o que conta em termos temporais não é o constrangimento de natureza financeira, mas o humano. Isto é, a medida do esforço nacional que falta empreender para o desenvolvimento é o tempo necessário para educar e treinar pessoal altamente qualificado, para permitir uma criação adequada de novos empregos em IDE, sobretudo no setor de empresas” (Caraça, 1993CARAÇA, J. (1993). Do saber ao fazer: por que organizar a ciência. Lisboa: Gradiva., p. 105).

Trata-se, na verdade, de afirmar que o desenvolvimento científico e tecnológico pressupõe pesados investimentos em formação e qualificação profissional. Diz Caraça:

“A cada 1% do PIB nacional afeto a IDE, corresponde a existência (em cada país) de 5 trabalhadores em cada 100 em unidades onde se realiza IDE” (Caraça, 1993CARAÇA, J. (1993). Do saber ao fazer: por que organizar a ciência. Lisboa: Gradiva., p. 104).

Quer dizer, há uma exigência de massificação da formação técnico-profissional que pressupõe universalização do ensino básico, qualificação e requalificação de pessoal técnico-científico, objetivos que só serão alcançados pela realização de reformas estruturais democráticas e populares, isto é, a Reforma Agrária, a Reforma dos Sistemas de Educação e Saúde, a Reforma Urbana, que universalize o acesso ao saneamento básico, habitação e transporte.

O que está explicitamente estabelecido assim é que a criação de um sistema nacional de inovações, ou seja, que o desenvolvimento científico e tecnológico é, necessariamente, um processo que depende da massificação e de um certo tempo de maturação. O número de pessoal técnico-científico empregado nos Estados Unidos conta-se hoje na casa dos 1.500.000. Nas palavras de Katinsky, analisando o caso do Brasil:

“Ora, qualquer possibilidade de um desenvolvimento auto-sustentado nos faz projetar como número mínimo para o fim do século cerca de 350.000 pesquisadores (atualmente estima-se em 1.500.000 o número de pesquisadores dos EUA ou da URSS). Igualmente, o número de técnicos de nível médio, ao fim do século, deveria ser equivalente a vinte vezes o patamar dos pesquisadores. É preciso, pois, uma extraordinária vontade política e uma razoável dose de recursos para atingir esses modestos objetivos. Mesmo que questionemos esses números, podemos ter certeza de que as próximas batalhas da nação serão a da saúde pública e da educação criadora” (Katinsky, 1990KATINSKY, J. (1990). “Modelos de desenvolvimento industrial”, Revista USP, nº 7, setembro/outubro/novembro. São Paulo., p. 84).

Em síntese:

“O desenvolvimento industrial é função direta do número de pesquisadores envolvidos na ampliação do conhecimento em geral e da pesquisa tecnológica em particular” (Katinsky, 1990KATINSKY, J. (1990). “Modelos de desenvolvimento industrial”, Revista USP, nº 7, setembro/outubro/novembro. São Paulo., p. 84).

Todas estas evidências apontam, assim, para a ineficiência e equívoco das estratégias elitistas de desenvolvimento científico e tecnológico. A geração de ciência e tecnologia é, na verdade, função da existência de um amplo e consolidado sistema nacional de inovações, isto é, de um sistema diversificado setorialmente, massificado e que inclua tanto pessoal técnico-científico de nível superior quanto pessoal técnico de nível médio, numa determinada proporção.

Uma das razões para esta massificação está na evidência da existência de uma complexa relação entre investimento em ciência e tecnologia e produção efetiva de conhecimento científico e tecnológico em que se destacam sofisticados aspectos como o “efeito Mateo” e a “lei de Lotka “, discutidos por Hodara em seu artigo de 1983, às páginas 513 e 520, e que dizem respeito basicamente à heterogeneidade/aleatoriedade do processo de criação científica, seja do ponto de vista quantitativo seja do ponto de vista qualitativo. A lei de Lotka diz que “por cada 100 investigadores que producen un trabajo científico, existen 25 que producen dos, 11 que producen tres etc.” (Hodara, 1983HODARA, J. (1983). “La medición del avance cientifico en America Latina”, Estudios Sociológicos, vol. 1, nº 3, setembro-dezembro. México: El Colégio de Mexico., p. 513).

De outro lado, Hodara mostra como, sobretudo na América Latina, funcionaria uma espécie de “efeito Mateo” às avessas, isto é, em vez do “círculo virtuoso” que acumula benefícios e recursos em instituições/pessoas já prestigiados, haveria a acumulação de restrições, bloqueio ao acesso de recursos para pesquisas, isolamento e atrofia.

É decisivo o peso da institucionalização nos processos de produção e difusão da ciência e da tecnologia. Na verdade, rigorosamente, trata-se de dizer que a forma como são produzidos e reproduzidos os mecanismos institucionais de ciência e tecnologia definem a qualidade e real capacidade de inovação dos sistemas nacionais de ciência e tecnologia. Em artigo recente, C. Freeman (1995FREEMAN, C. (1995). “The ‘National System of Innovation’ in historical perspective”, Cambridge Journal of Economics, nº 19.) mostra o quanto uma intervenção aparentemente decisiva, o gasto em pesquisa e desenvolvimento, não é, sozinha, capaz de determinar a efetiva capacidade de geração de ciência e tecnologia. Neste sentido veja-se a tabela I:

Tabela 1
Estimativa de Gasto com Pesquisa e Desenvolvimentocomo Percentagem do PNB - 1934-1983

Em outro trecho, Freeman expande ainda mais seu argumento, comparando os sistemas de inovação do Japão, da URSS e dos países do extremo oriente com os da América Latina, a partir de variáveis como: diferenças nos sistemas educacionais; participação da formação de engenheiros; relação entre P. e D., produção e importação de tecnologia, grau de exposição à concorrência internacional; infraestrutura em telecomunicações entre outros (Freeman, 1995FREEMAN, C. (1995). “The ‘National System of Innovation’ in historical perspective”, Cambridge Journal of Economics, nº 19., pp. 12-3).

Trata-se, enfim, de reconhecer que o desenvolvimento científico e tecnológico é processo de que participam diversas dimensões - a econômica, a cultural, a política, a institucional. Em particular, significa considerar que se são singulares as trajetórias históricas de cada país no caminho do desenvolvimento científico e tecnológico, há traços comuns em todas elas: 1) de um lado a “distribuição primária de renda”; 2) a constituição de um arranjo institucional sintonizado com as grandes linhas de força do desenvolvimento científico e tecnológico contemporâneo. Dito de outra forma, trata-se de reconhecer que o desenvolvimento científico e tecnológico, de um lado, depende da universalização de direitos sociais básicos e, de outro lado, da construção de políticas e instituições de ensino e pesquisas sintonizadas com a perspectiva estratégica. É isto que explica o sucesso japonês, por exemplo. Na Tabela II apresenta-se um quadro que dá conta da orientação estratégica desenvolvida no tocante a P. e D. pelo Japão e sua ênfase nas Engenharias.

Tabela 2
Capacitação Cientifica: Engenheiros e Cientistas e Áreas de Conhecimento - 1980

A Tabela II reflete a forte opção japonesa por uma estratégia baseada nas Engenharias, na pesquisa aplicada, enfim. Esta opção mostrou-se exitosa e explica, em parte, a rapidez e amplitude do milagre japonês e seus desdobramentos. Também implícita nesta opção está uma particular articulação entre Estado, estrutura empresarial e instituições da ciência e tecnologia.

No caso do Japão, é conhecido o papel estratégico exercido pelo Estado, por meio do MITI, na montagem de uma rede de sinergias entre estrutura industrial, estratégia de competição internacional e desenvolvimento científico e tecnológico.

LIMITES DO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO NO BRASIL

Quando se considera o quadro geral tal como apresentado antes, fica então visível a natureza dos limites do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, parte de um contexto maior de limites e bloqueios resultantes da própria condição periférica.

De qualquer modo, duas questões preliminares devem ser colocadas: 1) a primeira é quanto ao fato mesmo de que tais limitações não impediram que o Brasil tivesse durante cem anos, de 1870/1987, segundo Angus Maddison, os mais altas taxas de crescimentos do PIB per capita do mundo, sendo superado apenas pelo Japão (Maddison, 1989MADDISON, A. (1989). “Desempenho da economia mundial desde l870”. In GALL, N. (org.). Nova era da economia mundial. São Paulo: Pioneira.); 2) um segundo aspecto diz respeito ao fato de que o Brasil, em que pesem todos os constrangimentos derivados da herança colonial, não pode ser considerado jejuno de políticas de desenvolvimento científico e tecnológico desde o século XIX.

Seja pela ação do príncipe regente, no início do século passado, seja pelas ações do segundo imperador e dos inícios da República, há no Brasil um conjunto de iniciativas no campo institucional, científico e tecnológico que, de modo algum, podem ser considerados desprezíveis. Na verdade, as iniciativas tomadas correspondiam às necessidades do país agrário, rural e atrasado que a dominação colonial nos legou.

Assim a constituição da Escola de Minas, em Ouro Preto, em 1876, apontava, claramente, para a exploração racional de uma das mais importantes fontes de riqueza nacional, os recursos naturais e seu beneficiamento industrial. Do mesmo modo, a criação, em 1887, do Instituto Agronômico de Campinas, enfrentava um dos grandes problemas nacionais de então, que dizia respeito à melhoria da cafeicultura, a grande atividade econômica do Brasil daquela época. Também sintonizadas com os grandes problemas nacionais foram as iniciativas de criação das instituições que cuidariam da pesquisa biológica, especialmente no campo da bacteriologia, soroterapia, epidemiologia. Trata-se, enfim, de dar razão a Macunaíma quando dizia que a saúde e a saúva eram os males do Brasil.

A estes primeiros esforços pioneiros vieram se somar, definindo consistência maior para a ciência e tecnologia no Brasil, a consolidação do Instituto Oswaldo Cruz, em Manguinhos, em 1912, a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da USP, em 1934 e a criação do Conselho Nacional de Pesquisa, CNPq, em 1951 (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., p. 270).

Na perspectiva dos autores citados, estas instituições representaram: “a institucionalização da pesquisa científica dentro de princípios rigorosos, com perspectivas de continuidade”(...), a “marca da formação profissional do pesquisador brasileiro”, (...), a “implantação ao nível de governo” da ciência brasileira (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., p. 270).

Disto tudo resultou que o Brasil tivesse, já em 1970, cerca de nove mil pesquisadores, um para cada dez mil habitantes (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., p. 277).

É número significativo, que, no entanto, desaparece quando se o considera em relação com o de outros países - os Estados Unidos tinham 25,7 pesquisadores por 10 mil habitantes em 1970, a União Soviética 21 e a Espanha cerca de 3,2 (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., p. 272).

Não se pode atribuir estes resultados, relativamente pífios, à pura inépcia dos governos. Na verdade, a questão do desenvolvimento científico e tecnológico está presente em todos os programas de governo desde os anos 30. Mais ainda, mesmo governos marcadamente anti-democráticos e pouco sensíveis à questão social, como os da ditadura militar, vocalizaram em seus planos perspectiva que contempla, explicitamente, o tema científico e tecnológico no contexto de outras reformas, como se vê no programa das Metas e Bases para Ação do Governo, para 1970-73, que define as prioridades nacionais assim:

  1. Revolução na Educação e aceleração do Programa de Saúde e Saneamento;

  2. Revolução na Agricultura - abastecimento;

  3. Aceleração do desenvolvimento científico e tecnológico;

  4. Fortalecimento do poder de competição da indústria nacional” (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., p. 270).

Se se tomarem as quatro prioridades anteriores, definidas como metas de governo para 1970/73, tem-se que elas continuam atuais e necessárias. Contudo, sabemos que tanto a ditadura militar, como os governos que a sucederam, pouco fizeram neste sentido. Há também, de outro lado, impropriedade naquela lista ao colocar o desenvolvimento científico e tecnológico como uma meta à parte, e por isto independente, das outras metas - educação, saúde, saneamento, abastecimento e fortalecimento da indústria nacional. Na verdade, o desenvolvimento científico e tecnológico tem especificidades, sim, depende de investimento específico em recursos institucionais, gerenciais, financeiros, em formação profissional, mas, sobretudo, depende da universalização e melhoria do ensino básico, da universalização e melhoria dos serviços de saúde e saneamento, da ampliação da oferta agrícola, da ampliação do mercado interno que é o elemento capaz de melhorar a capacidade competitiva da indústria nacional. Tudo isto, portanto, depende de um conjunto de reformas democrático-populares, que signifiquem a distribuição da renda, riqueza, poder e informação como fatores de fortalecimento da economia nacional.

E é exatamente isto que é procrastinado no Brasil. A Reforma Agrária, velha bandeira, bandeira do insuspeito Joaquim Nabuco, era o desdobramento necessário e essencial da Abolição. Sem a Reforma Agrária, com a concentração fundiária que é a marca da história da terra no Brasil, o país vem sendo a condenação permanente de milhões de brasileiros à fome, à desnutrição, ao analfabetismo. Sem a Reforma Agrária debilita-se o mercado interno, enfraquece-se o impulso para ampliar a produção e para a busca de inovações.

Do mesmo modo, a precariedade da política de educação e saúde funciona também como debilitadora da constituição de um mercado de trabalho qualificado e saudável base de qualquer desenvolvimento econômico consistente.

O Brasil é assim, recuperando um esquema anteriormente apresentado, uma formação social bastante heterogênea e desigual, tem a mais perversa estrutura de distribuição de renda do mundo, com um mercado interno excludente e restrito, paraíso de privilégios e ausência de direitos sociais básicos, resultando daí que a hegemonia política e cultural seja exercida de modo elitista e anti-popular, impedindo a constituição de um ethos nacional-popular, exigindo por isto mesmo um Estado anti­democrático, produzindo, assim, um desenvolvimento econômico limitado em sua capacidade de alterar a condição periférica de nossa economia. Neste contexto, a ciência e a tecnologia desenvolvidas no país não são capazes de garantir um amplo e sustentado processo de acumulação, nem de responder aos interesses básicos da reprodução social.

A UNESCO tem definido, recentemente, desenvolvimento como:

“(...) capacidade de geração autônoma do conhecimento, da capacidade de disseminá-lo e da capacidade de utilizá-lo. Esta é a verdadeira diferença entre os países cujos cidadãos são capazes de realizar plenamente o seu potencial como seres humanos e aqueles que não têm esta capacidade” (Nussenzweig, 1994NUSSEINZWEJG, M. (1994). “Para que ciência no Brasil?”. In Ciência e tecnologia: alicerces do desenvolvimento. Op. cit., p. 73).

É este o ponto central. O Brasil tem feito progressos no sentido de manter políticas de ciência e tecnologia. O número de cientistas no Brasil, que era de 9.000 em 1970, passou para 60.000 (entre cientistas e tecnólogos) em 1990, um crescimento bastante significativo quando comparado com o da população. Na verdade, o Brasil passa de uma relação de 1 cientista para cada 10 mil habitantes, em 1970, para cerca de 3,7 cientistas para cada 10 mil habitantes em 1990. Destes 60 mil cientistas, 15 mil são doutores. O Brasil tem hoje cerca de 1.000 cursos de pós-graduação, o governo brasileiro investe mais em ciência e tecnologia que os governos da Itália, Canadá, Japão e Coréia (Silva, 1994FILHO, R.L.S. (1994). “Diagnóstico da ciência e tecnologia”. In Ciência e tecnologia, alicerces do desenvolvimento. Op. cit. CNPq., pp. 48-55).

Mais do que isto, a sinalização geral da política de investimentos em ciência e tecnologia no Brasil é, desde a década 1970, acurada ao identificar as grandes tendências internacionais.

Assim, o CNPq, já em 1967, em seu Plano Quinquenal para o desenvolvimento científico e tecnológico, definia setores fundamentais, com capacidade reprodutiva, que, grosso modo, apontavam para as grandes transformações tecnológicas em curso no plano internacional. As prioridades definidas foram a Química (Físico-Química, Química Inorgânica, Síntese orgânica e Química de Polímeros); a Agricultura, a Ciência da Computação, a Geofísica, a Agroquímica, a Pesquisa Industrial, a Genética, a Biofísica e a Física do estado sólido (Moreira, 1972MOREIRA, M.F. (1972). “Prioridades e objetivos nacionais de desenvolvimento”. In SOUZA et al. (1972). Política científica. Op. cit., pp. 279-80).

É possível que alguém, com razão, faça reparos à lista de prioridades definida pelo CNPq, mas mesmo este crítico não poderá deixar de reconhecer que o sentido geral da política era correto e atualizado. Mais ainda, que os propósitos do Governo Federal naquele contexto, final dos anos 1960 e início dos 70, eram contemporâneos aos mais consequentes esforços no sentido da constituição de sistemas nacionais de inovação. Era este o explícito objetivo do governo:

“(...) a construção do sistema nacional da ciência e tecnologia dotado de estrutura orgânica bem proporcionada, e submetido a processo permanente de expansão e revigoramento” (Ferreira, 1972FERREIRA, J.P. (1972). “Estruturação do órgão responsável”. In SOUZA, H. et al. Política científica. São Paulo: Perspectiva., p. 242).

E para isto foram criados órgãos específicos como a FINEP, e foram criadas fontes de recursos específicos, como o FNDCT, e articularam-se os diversos órgãos e ações em ciência e tecnologia, envolvendo o Ministério do Planejamento, a FINEP, o CNPq, a CAPES, o BNDE, num Sistema Nacional de Coordenação e Estímulo à Ciência e Tecnologia (Ferreira, 1972FERREIRA, J.P. (1972). “Estruturação do órgão responsável”. In SOUZA, H. et al. Política científica. São Paulo: Perspectiva., p. 243-4).

Todo este esforço, é claro, está muito longe do desenvolvido por outros países. Enquanto os Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Coréia tiveram investimentos crescentes em Pesquisa e Desenvolvimento em relação ao PNB, entre 1975 e 1989, o Brasil além de ter os menores gastos em P e D em relação a estes países, ainda teve redução nestes gastos. O gasto estatal em P e D que foi de 0,38% do PIB em 1984, passou a 0,57% em 1988 e foi reduzido para 0,30% em 1992. Quando se compara esta situação com a da Coréia que gastava menos de 0,30% do PNB com P e D em 1975, passando a gastar cerca de 2,0% em 1989, fica evidenciada uma diferença significativa que certamente explica, em parte, a desigual trajetória econômica dos dois países nos últimos vinte anos (ver sobre estes dados Filho, 1994FILHO, R.L.S. (1994). “Diagnóstico da ciência e tecnologia”. In Ciência e tecnologia, alicerces do desenvolvimento. Op. cit. CNPq., p. 48 e Coutinho, 1994COUTINHO, L. (1994). “Superação da fragilidade tecnológica e a ausência de cooperação”. In Ciência e tecnologia: alicerces do desenvolvimento, vários autores, CNPq., p. 1 17).

Também é possível dizer que existe no Brasil, ao menos entre os gestores da política científica e tecnológica, consciência e propósitos no sentido da construção de uma adequada relação entre pesquisa básica e aplicada, entre a formação de engenheiros e tecnólogos vis-à-vis a formação de outros profissionais; também é clara a necessidade de se incrementar, organicamente, a relação entre o setor produtivo e as instituições de ciência e tecnologia. De resto, há consciência também dos baixíssimos níveis da participação do setor privado na geração de ciência e tecnologia no Brasil. O setor público brasileiro responde por cerca de 80% dos gastos em ciência e tecnologia no Brasil (Coutinho, 1994COUTINHO, L. (1994). “Superação da fragilidade tecnológica e a ausência de cooperação”. In Ciência e tecnologia: alicerces do desenvolvimento, vários autores, CNPq., p. 111).

É importante ainda considerar o impacto enorme da política econômica geral, isto é, da política macroeconômica sobre o setor de ciência e tecnologia, exatamente pelo peso decisivo do gasto estatal neste setor. Assim, prioridades de investimentos de planos governamentais, restrições orçamentárias, políticas macroeconômicas contracionistas ou expansionistas repercutem fortemente na dinâmica geral da ciência e tecnologia no Brasil.

Assim, da década de 1980 até hoje, a ciência e a tecnologia no Brasil têm vivido sob a mão pesada das políticas de combate à inflação e suas implicações sobre o gasto público.

Considerando então todos estes aspectos, é possível descrever a trajetória do desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil como um processo estruturalmente limitado pelo constrangimento representado pela existência de uma nação dilacerada pelas desigualdades sociais, econômicas, regionais, marcada pela exclusão social e pela rarefação do mercado interno, e, imediatamente limitado pela ocorrência de crise econômica debilitadora de toda perspectiva de política de desenvolvimento estruturante de médio e longo prazos.

Contudo, estas limitações reais e decisivas, não devem obscurecer o fato de que ainda assim, o Brasil desenvolveu ao longo de sua história instituições e características típicas da modernidade. O Brasil é hoje um país bastante urbanizado (75% da população mora em cidades), dotado de base industrial, entre as dez maiores do mundo, e moderno do ponto de vista de suas instituições políticas e culturais. Mais do que isto, tem, no campo da ciência e tecnologia, instituições consolidadas e competentes, capazes de se apropriarem do conhecimento e das técnicas geradas no exterior. E, ainda assim, continua pobre. Esta é a questão fundamental a ser respondida. Por que a urbanização, a industrialização e a modernização não significaram para o Brasil a prosperidade que acompanhou estes processos em outros países?

Haverá quem responda a esta questão chamando a atenção para a crise econômica que abala o Brasil desde 1980. Há quem, mais sofisticado, lembrará a mudança decisiva que o processo produtivo sofrerá nos anos 80, com a emergência de novas tecnologias, e a incapacidade-despreparo do Brasil para acompanhar aquelas mudanças. Há quem, mais incisivo, apontará o anacronismo relativo do II PND, sua aposta em setores-indústrias envelhecidos (siderurgia - celulose) vis-à-vis os novos setores emergentes - microeletrônica/informática, biotecnologia, novos materiais.

Todos estes são, com certeza, aspectos relevantes que devem compor parte da resposta. Contudo, o essencial da resposta não se encontra aí. O decisivo, para o encaminhamento de uma resposta adequada àquela questão, é estabelecer as reais condições,·a fisionomia e a ossatura do processo de modernização no Brasil, dito de outro modo, as peculiaridades do desenvolvimento capitalista no Brasil. É quando se considera a absurda desigualdade da distribuição de renda no Brasil, é quando se considera a desigual distribuição dos frutos da modernidade - equipamentos e serviços de saúde e educação, de energia, telecomunicações e transportes - que ressaltam as verdadeiras causas da limitação do desenvolvimento brasileiro.

Trata-se, essencialmente, de reconhecer que não há constituição de bases materiais e institucionais para o desenvolvimento sem um amplo processo distributivo, sem a distribuição primária da renda. É isto que possibilitará a generalização do acesso a bens e serviços modernos, universalizando a cidadania, funcionando como estímulo ao investimento, constituindo as bases de um Estado democrático.

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Como o desenvolvimento científico e tecnologia impacta os setores da economia?

A tecnologia trouxe bastante melhorias à economia, pois permite que se criem melhores resultados nos estudos planejados, com menor esforço e custo, além de consentir que se crie um desenvolvimento muito mais aprofundado no produto final.

Como o desenvolvimento tecnológico influência na economia?

A tecnologia também influencia diretamente na economia, seja modificando o modo de consumo, criando novas soluções a serem consumidas ou melhorando a qualidade de vida das pessoas e colaboradores de empresas.

Qual os setores da economia estão diretamente ligados ao desenvolvimento científico e tecnológico?

Indústria ou serviços: quais setores da economia são mais intensivos em tecnologia? Os setores manufatureiros lideraram com folga o desenvolvimento tecnológico até o terceiro quarto do século XX, nos países que estão na vanguarda tecnológica.

Como Desenvolvimento Científico e tecnológico Impacta?

Resposta. Resposta: É certo que a inovação traz benefícios à economia, seja em termos macro ou microeconômicos. A nível macroeconômico, a inovação origina um aumento do investimento em tecnologia que, por seu lado, irá aumentar os níveis de consumo e transformar, de forma progressiva e constante, todos os setores.