Procura-se detectar neste trabalho um modus operandi próprio de Franz Kafka (1883 – 1924) que permita justificá-lo dentro desta perspectiva que se adota como norte: uma literatura que se desgarra constantemente em seus desdobramentos internos, a saber, uma literatura ameaçada em sua própria lógica estrutural, na maneira como o narrador coloca em perigo sua matéria narrada. Mais do que isso, como a narração entra em colisão com seu criador, aquele que a narra, e como tal processo dá origem a uma porção de desdobramentos dentro ainda da mesma matéria ficcional, o que acaba por guiar o leitor, meio que às avessas, não a uma saída do dilema kafkiano, mas a um novo labirinto que lhe fornece um respiro de sobrevivência. O desgarre é sugerido na maneira como o narrador se desprende do narrado e abandona o leitor em múltiplos e novos becos sem saída – que bastam. Como a fortuna crítica de Kafka é bastante diversificada, a atitude adotada é a de traçar um histórico recortado da imensa bibliografia kafkiana e então filtrá-la de modo coerente e produtivo.
Publicado pela primeira vez em 17282, o Colóquio com o senhor de Saci sobre Epicteto e Montaigne não é, estritamente falando, um texto de autoria do próprio Pascal. Trata-se de uma reconstrução de um diálogo ocorrido em janeiro de 17563 entre Pascal eo seu confessor e também diretor da abadia de Port-Royal des Champs, o Senhor de Saci4. A reconstrução foi realizada pelo secretário do Senhor de Saci, Nicolas Fontaine5, nas suas Mémoires redigidas em 1696.