O que se pode dizer sobre a participação do Brasil na Primeira Guerra

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O assassínio do Arquiduque Francisco-Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, a 28 de junho de 1914, em Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, motivou a explosão de um processo que se vinha formando na península balcânica desde o princípio do século e no qual estavam envolvidos também conflitos de interesses entre grandes potências européias. O crime foi atribuído a uma conjura urdida na Sérvia, à qual a Áustria então enviou um ultimato em 23 de julho, fazendo exigências descabidas e ofensiva à sua condição de Estado livre e soberano. Não obstante, inclinava-se o governo sérvio a aceitar algumas das condições impostas, quando o ambiente se tumultuou com a intervenção de outros governos aparentemente interessados na questão em razão da vigência de tratados que mantinham com os litigantes.

No dia 26 de julho, a Áustria, mudando bruscamente sua atitude conciliatória, declarou guerra à Sérvia, precipitando os acontecimentos. No dia seguinte, a Rússia mobilizou em parte os seus exércitos, como resposta aos movimentos das forças austríacas na fronteira da Galícia, e a Alemanha exigiu do governo de Moscou o fim da mobilização e dos preparativos militares. A 1º de agosto, os alemães iniciaram o estado de beligerância contra os russos. Dois dias depois estendeu-se à França, a pretexto de que aviões franceses haviam lançado bombas sobre Nuremberg e Carlsruhe. Com a violação da neutralidade do Luxemburgo e da Bélgica no dia 4 pelas tropas alemãs em marcha para a França, a Inglaterra também entrou no conflito. O quadro da guerra ficou assim definido: de um lado a Alemanha e a Áustria; de outro a Rússia, a França, a Inglaterra, a Bélgica, a Sérvia, o Montenegro e o Japão.

As operações militares desenrolaram-se em terra, no mar e pela primeira vez, no ar, em território belga, e estenderam-se pela França, pela Europa oriental, pela Ásia Menor e pelo Extremo Oriente, até que em abril de 1917 os Estados Unidos da América, reagindo à campanha submarina indiscriminada dos germânicos contra os navios de nações neutras, entraram na guerra com o peso de sua riqueza, de sua atividade, de sua organização e de seu prestígio.

Fiel à Convenção de Haia, o governo brasileiro estabelecera sua conduta de nação neutra. Esta situação estabelecia para nós o direito de sermos respeitados pelas potências em guerra. Nosso país mantinha com os povos teutônicos cordiais relações iniciadas ainda no período colonial. O primeiro ato diplomático fora assinado em 8 de abril de 1815 – um tratado de aliança entre Portugal e Prússia. Já independente, firmara o Brasil em 1827 com esse país um tratado de comércio. A 29 de novembro de 1890 reconhecia a Alemanha a República brasileira. Finalmente, estabelecera-se uma convenção postal em 1910.

Uma proclamação alemã que restringia a liberdade marítima dos países neutros sensibilizou a opinião pública brasileira e propiciou a decisão de dar apoio à causa aliada.

Cada vez mais se complicavam os problemas oriundos da guerra. Embora partidário da neutralidade absoluta, o Presidente Wenceslau Braz não podia permanecer indiferente quando se multiplicavam as provas de intervenção subreptícia da Alemanha, com violações dos portos nacionais para reabastecimento de cruzadores disfarçados em navios mercantes, incentivo a greves operárias e tentativas de mobilização das colônias povoadas por elementos de origem germânica.

Rompimento de relações diplomáticas e declaração de guerra do Brasil

No dia 3 de abril de 1917, o Brasil foi atingido inopinadamente por uma agressão, quando às 23:30 horas, navegando no Canal da Mancha a cerca de 10 milhas de costa ocidental da França, o navio mercante brasileiro Paraná, de 6 mil toneladas, pertencente à Companhia Comércio e Navegação, foi torpedeado e posto a pique. Na ocasião o navio ia em marcha reduzida, com todas as luzes regularmente acesas, ostentando em lugar iluminado e bem visível o nome de nosso país, com a bandeira nacional e o distintivo da empresa proprietária içados, como é de praxe entre os navios neutros. Depois do torpedeamento ainda foram disparados cinco tiros de canhão sobre a embarcação.

Nossas relações diplomáticas com a Alemanha foram interrompidas a 11 de abril, porém mantida a neutralidade. A fim de evitar qualquer dúvida, o governo brasileiro, em nota enviada a todos os países, caracterizou sua linha de ação:

“(...) Se até agora a relativa falta de reciprocidade por parte das repúblicas americanas tirava à doutrina de Monroe o seu verdadeiro caráter, permitindo uma interpenetração menos fundada das prerrogativas de sua soberania, os acontecimentos atuais, colocando o Brasil, ainda agora, ao lado dos Estados Unidos, em momento crítico da história do mundo, continuam a dar à nossa política externa uma feição prática de solidariedade continental, política, aliás, que foi também a do antigo regime, toda vez que tem estado em causa qualquer das demais nações irmãs e amigas do continente americano. (...)·"

Outros navios mercantes nacionais foram torpedeados, como o Tijuca, o Macau, o Acari, o Guaíba e o Tupi, o que levou o Congresso, de pleno acordo com o Executivo, a reconhecer pelo Decreto nº 3.361, de 26 de outubro de 1917, o estado de guerra entre a Alemanha e o Brasil. Enfatizou-se a colaboração do Brasil com os Aliados. Votaram-se imediatamente medidas que decorriam da nova situação.

Além das circunstâncias materiais que forçaram o curso da política do Brasil, antigas normas diplomáticas, muitas ditadas por Rio Branco, aconselhavam o governo a agir dessa maneira. Integrava-se o nosso país, com essa atitude histórica, ao lado dos que já vinham se batendo por dias melhores para a humanidade. Rui Barbosa foi um dos que enfatizou a necessidade de definição do governo brasileiro diante das agressões sofridas. Em um de seus discursos afirmou: "A luta, inicialmente, circunscrita entre os impérios centrais e um certo número de Estados europeus, perde o seu caráter primitivo para assumir o aspecto de um conflito declarado entre os princípios da democracia moderna e os princípios da velha autocracia condenada."

Participação do Brasil na guerra

Com a autorização do Congresso Nacional, o Presidente Wenceslau Braz abriu os portos brasileiros aos navios de guerra das nações aliadas. O Brasil assumiu também o encargo de com a nossa Esquadra, patrulhar o Atlântico Sul, diminuindo os encargos das Marinhas amigas. Essa colaboração, entretanto, era limitada, face às necessidades de guerra e às nossas possibilidades. Sabia-se que os meios de transporte marítimo constituíam naquela ocasião um dos problemas vitais para os nossos aliados. Agindo dessa forma, livre e espontaneamente, quis o Brasil patentear, em ato inequívoco, o propósito franco e leal de dar não só solidariedade moral, mas também oferecer a participação material naquilo que se afigurava de grande utilidade para eles – o auxílio em meios de transporte marítimo.

Por outro lado, enquanto uma parte de nossa Marinha realizava o patrulhamento da orla marítima, durante dois anos, aproximadamente, a Divisão Naval em Operações de Guerra seguia, em 7 de maio de 1918, para os mares europeus para incorporar-se à Esquadra britânica em Gibraltar. Em 9 de agosto atingiu Freetown, permanecendo 14 dias neste porto, quando então os homens começaram a adoecer com o vírus da gripe espanhola. No dia 26 a Divisão entrou no porto de Dacar, nele permanecendo até 3 de novembro. A força naval era comandada pelo Contra-Almirante Pedro Max Fernando de Frontin e integrada pelos seguintes vasos de guerra: cruzadores Rio Grande do Sul (capitânia) e Bahia: contratorpedeiros Piauí, Rio Grande do Norte, Paraíba e Santa Catarina: tender Belmonte; rebocador de alto mar Laurindo Pitta.

Com isso, no campo militar, realizava-se o primeiro esforço naval fora de águas sul-americanas. Além dessa participação, o Brasil enviou um grupo de aviadores navais que, partindo para a Inglaterra em janeiro de 1918, ali começou treinamento intensivo, participando, a seguir, de missões de combate, juntamente com os pilotos ingleses da Royal Air Force. O grupo era constituído de um capitão-tenente e sete tenentes da Marinha de Guerra e do Tenente Aliatar de Araújo Martins, do Exército.

Ademais, aviadores brasileiros serviram em unidades francesas e britânicas, tendo muitos deles perdido a vida. Não se deve esquecer que oficiais de nosso Exército foram incorporados a vários regimentos franceses da linha de frente, onde muitos se distinguiram em combate. Muitos tiveram os nomes citados em ordens do dia e foram agraciados com condecorações aliadas.

Mobilizou-se também um grupamento médico com a finalidade de instalar um hospital para tratamento de feridos de guerra na França

A Missão Médica especial era chefiada pelo Dr. Nabuco Gouveia e orientada pelo General Napoleão Aché; operaria subordinada ao comando único dos exércitos aliados. A Missão partiu com 86 médicos, a 18 de agosto de 1918. Em Paris, incorporaram-se mais seis médicos, que nesta cidade se encontravam em caráter particular, no Hospital Franco-Brasileiro mantido pela colônia brasileira daquela cidade. Com exceção de cinco médicos do Exército e cinco outros da Marinha de Guerra, todos os demais eram civis convocados e comissionados em diversos postos. Integravam-na ainda 17 acadêmicos de medicina e 16 outros elementos, entre farmacêuticos, pessoal de intendência, de secretaria e contínuos, além de 30 praças do Exército indicados para constituir a guarda do Hospital Brasileiro instalado na capital francesa, na rua Vaugirard, para atender os feridos evacuados da frente de batalha.

Com a epidemia de gripe que assolava a França, todos os planos para o aproveitamento de nossa Missão Médica foram mudados radicalmente. O governo francês receava que a epidemia atingisse a retaguarda e desta forma ficassem sem apoio as frentes de batalha, o que evidentemente causaria o colapso da resistência aliada. A França convocara 700 médicos para combater a doença no interior do país. Os brasileiros seguiriam o mesmo destino dos médicos franceses.

A Missão Médica foi extinta em fevereiro de 1919; o Hospital ainda atuou por seis meses sob a responsabilidade dos brasileiros. Nesta oportunidade, o governo brasileiro doou as instalações e material para a Escola de Medicina da Universidade de Paris.

Depois de fulminante contra-ofensiva dos exércitos aliados conduzidos pelo Marechal Ferdinand Foch, os alemães foram recalcados até a fronteira da França e dos Flandres belgas. A Alemanha, que enfrentava sérias dissenções internas, teve de render se e assinar o armistício a 11 de novembro de 1918.

O Brasil havia cooperado para a vitória final. Após o armistício, o governo ordenou o regresso da Divisão Naval, da Missão Médica e dos demais elementos deslocados para a Europa e que em sua totalidade haviam sido voluntários, desmobilizando-os em seguida.

Embora modesto em quantidade, o nosso concurso à causa aliada foi bastante significativo. Externamente o Brasil, pela primeira vez em sua história, lutou ao lado das nações mais poderosas do mundo, revelando a capacidade de atuar em pé de igualdade com elas. Internamente houve uma melhoria na imagem das Forças Armadas e ampliou-se a idéia de nação armada e de cidadão-soldado, no sentido da proclamação que Olavo Bilac fizera em 1915.

"A caserna é uma escola. Sendo soldados, sereis cidadãos."