O que é insumo de vacina

Um dos fatores que explica o ritmo lento da vacinação contra a covid-19 no Brasil é a escassez do IFA, o ingrediente farmacológico ativo necessário para a produção das doses. Mas por que o país não tem insumo suficiente para imunizar a população de forma rápida e independente? Segundo Claudia Osorio, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), alguns são os fatores que explicam a atual situação.

Apesar de ser referência mundial em sistemas de imunização, em grande parte devido ao Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil hoje é dependente de insumos estrangeiros, dos mais básicos aos mais complexos, e carece de investimentos em pesquisas, estrutura e tecnologia para se tornar independente do mercado externo de medicamentos e insumos.

Para se ter uma ideia do quadro acima, segundo Osorio, os números mostram que há cerca de 40 anos o Brasil conseguia produzir 50% de IFA utilizado em território nacional. Hoje, a taxa já diminuiu para apenas 5%.

Nas palavras de Claudia Osorio, “o desempenho dos laboratórios ficou aquém daquilo que seria esperado desde sempre. Eles não conseguiram fazer frente por dificuldades de investimentos e outras questões contingenciais e contextuais que não favoreceram esses laboratórios a tornarem o Brasil independente em termos de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos”. Como consequência, o país se tornou “grandemente” dependente de outros países, principalmente a China.

Ainda que o Brasil conte, por exemplo, com o papel desenvolvido pela Associação dos Laboratórios Farmacêuticos Oficiais do Brasil (ALFOB) – associação civil que tem como objetivo o fortalecimento do conjunto dos laboratórios oficiais, bem como a valorização da rede de produtores públicos –, “com a missão de justamente suprir o país de medicamentos essenciais, de acordo com as prioridades sanitárias”, afirma Osorio, “a gente infelizmente ainda não tem essa independência, ainda que relativa, de insumos farmacêuticos e medicamentos”.

A pesquisadora explica que os laboratórios públicos estão sempre dependentes de investimentos externos aos próprios para conseguirem se desenvolver. “Os laboratórios lutam com isso, porque foram constituídos como empresas públicas, mas precisam ter retorno, lucro. Então é uma dificuldade: tem de produzir de forma barata, o que não traz retorno, mas que é necessário. Ao mesmo tempo não têm, todos, os avanços em tecnologia para produzir aquilo que eles pudessem competir no mercado”, explica a pesquisadora.

Outro fator que explica, em parte, o cenário atual é a implementação da legislação sobre patentes, ainda na década de 1990. Diferente de outros países, como a Índia, o Brasil lançou mão do período de 10 anos para ajustar o parque nacional de medicamentos e insumos farmoquímicos antes de ser obrigado a reconhecer as patentes. Ao contrário, aderiu imediatamente aos acordos.

O único caminho, ainda que longo e intrincado, é de desenvolvimento em pesquisa e estrutura. “Precisamos modernizar essas instituições de todas as formas, não só gerenciamento, mas fazê-los como centros de pesquisa e desenvolvimento para que possam, não receber de baixo para cima alguma coisa imposta e inserida nos seus contextos, mas se desenvolver como grandes polos de pesquisa, inovação e medicamentos”, afirma Osorio.

Para a pesquisadora, seguir esse caminho não é necessário apenas devido ao quadro estabelecido após a pandemia de covid-19, mas porque outras dificuldades continuarão aparecendo. Em suas palavras, sem ou com pandemia, o país precisa diminuir a dependência externa daquilo que é “essencial para a sobrevivência da população brasileira”.

Edição: Rebeca Cavalcante

Por: Ana Paula Evangelista

02/08/2021 - 13:26  

Representantes da Organização Panamericana de Saúde (Opas/OMS) e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) defenderam, em debate na Câmara dos Deputados, que o País invista na produção de insumos nacionais para vacinas.

O debate foi promovido pela Subcomissão Especial de Desenvolvimento do Complexo Econômico e Industrial em Saúde, nesta segunda-feira (2). Vinculado à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara, o colegiado foi criado em abril por sugestão da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e busca discutir a produção de fármacos, vacinas, imunobiológicos, equipamentos, serviços, tecnologias e outros insumos que abastecem o sistema de saúde.

Socorro Gross, da Organização Panamericana de Saúde (Opas/OMS), disse que o Brasil é o país da América Latina com mais capacidade de produção de vacinas e pode, no futuro, se tornar auto sustentável nesse campo e poderia fornecer imunizantes para outras nações da região.

O principal obstáculo, para isso, é a falta da produção de insumos – 90% dos Ingredientes Farmacêuticos Ativos (IFA) vêm de fora. No País, segundo ela, já existem profissionais experientes e universidades capacitadas.

Ela defendeu investimentos em ciência e tecnologia e parcerias público-privadas, para promover uma política sustentável de inovação no campo da saúde.

Apoio do BNDES
João Pieroni, do BNDES, concordou que os investimentos no setor devem priorizar a maior autonomia e competitividade no desenvolvimento de IFAs e citou o apoio dado pelo banco à Fiocroruz na produção do IFA nacional para a vacina contra a Covid-19.

Durante a pandemia de Covid-19, segundo ele, o BNDES deu apoio direto de mais de R$ 1 bilhão para o setor de saúde.

Pieroni disse que o banco tem um departamento dedicado ao complexo econômico industrial da saúde desde 2016, que é coordenado por ele. O BNDES apoia o setor tanto por meio de crédito (apoio reembolsável), como por fundos não reembolsáveis destinados a instituições públicas, como Fiocruz e Butantã.

Hoje estão em fase de desembolso R$ 12 bilhões em crédito, sendo R$ 7,5 bilhões destinados a estados e municípios, parcerias público-privadas, entidades filantrópicas e hospitais e operadoras privadas; R$ 4,5 bilhões destinados à indústria farmacêutica, de equipamentos médicos e hospitalares e instituições públicas de ciência e tecnologia. Ao todo, 180 projetos estão sendo financiados.

Relatório
O relator da subcomissão, deputado Alexandre Padilha (PT-SP), deve apresentar seu parecer no início de setembro. O colegiado ainda vai realizar duas audiências públicas.

A subcomissão já debateu o papel das instituições públicas e privadas no setor e ouviu ex-secretários de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, que afirmaram que o Brasil precisa investir na produção de insumos para medicamentos.

Reportagem - Lara Haje
Edição - Natalia Doederlein

16/07/2021 - 13:27  

Foi publicada no Diário Oficial da União desta sexta-feira (16) a norma que permite ao governo federal autorizar fábricas de vacinas veterinárias a produzirem, temporariamente, insumos e vacinas contra a Covid-19. O texto da Lei 14.187/21 contém um veto do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo a nova lei, fábricas que já produzem vacinas de uso veterinário poderão ser autorizadas a produzir imunizantes ou insumos farmacêuticos ativos (IFA) contra a Covid-19, mas, para isso, deverão cumprir todas as normas sanitárias e de biossegurança próprias dos estabelecimentos destinados à produção de vacinas para uso humano.

O texto determina, por exemplo, que a produção, o envasamento, a etiquetagem, a embalagem e o armazenamento desses imunizantes devem ocorrer em dependências separadas das unidades usadas para a fabricação dos produtos para uso veterinário. Se não houver um ambiente separado, as vacinas contra a Covid-19 só podem ser armazenadas na mesma área com o aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A Anvisa também fica obrigada a priorizar a análise de pedidos de autorização para que empresas de vacinas veterinárias possam fabricar o IFA e as vacinas contra a Covid-19, devendo considerar a capacidade de produção dos estabelecimentos solicitantes para que não haja desabastecimento dos demais insumos produzidos.

A norma teve origem no Projeto de Lei 1343/21, do Senado, que foi aprovado pela Câmara em junho.

Veto
Jair Bolsonaro vetou o dispositivo que previa incentivo fiscal do Poder Executivo para que as empresas que já produzem vacinas veterinárias se adaptem para a produção de imunizantes contra a Covid-19.

O presidente da República avaliou que a medida é inconstitucional, uma vez que benefícios tributários só podem ser criados por lei — e não por iniciativa unilateral do Poder Executivo. Argumentou ainda que o incentivo “acarretaria em renúncia de receitas sem a apresentação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro e das medidas compensatórias".

O veto será analisado posteriormente pelo Congresso Nacional.

Reportagem - Murilo Souza
Edição - Marcia Becker

Com informações da Agência Senado

O Brasil receberá uma nova remessa com 5,4 mil litros de insumo da Coronavac na noite da próxima quarta-feira. Trata-se da matéria-prima usada para preparar a vacina, isto é, a sua substância fundamental, que é chamada de IFA (Ingrediente Farmacêutico Ativo).

"O IFA é responsável pelo efeito terapêutico da vacina ou do medicamento em questão. Sem ele você não tem vacina, você tem o placebo", explica Luiz Carlos Dias, professor titular do Instituto de Química e membro da força-tarefa no combate à Covid-19 da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

Ele acrescenta que as vacinas contra a Covid-19 possuem matérias-primas diferentes, como é o caso das duas que estão sendo usadas no Brasil. A CoronaVac tem como substância essencial o novo coronavírus inativado, ou seja, morto. Já o insumo do imunizante de Oxford é o adenovírus de chimpanzé recombinante, um vírus que foi enfraquecido e modificado com partes específicas do novo coronavírus.

Dias observa que o desenvolvimento de vacinas inativadas exigem laboratórios com alto nível de segurança para que o vírus não escape durante o processo de cultivo e inativação. Essa infraestrutura o Instituto Butantan, que assumirá a produção completa da CoronaVac no Brasil, já possui, segundo ele.

Veja Também

"Eles (produtores) cultivam o vírus nas células de rins de macaco, já disponíveis no mundo inteiro, ninguém mata o animal. Depois, é preciso matar o vírus, com calor ou algum reagente químico. Na CoronaVac, é usado o reagente beta-propiolactona", descreve.

Outros ingredientes

Ainda de acordo com o professor, além do IFA, toda vacina tem em sua composição água esterelizada - para dissolver todos os componentes utilizados - e adjuvantes, substâncias que aceleram e potencializam o efeito dos imunizantes. Outros ingredientes comuns são os conservantes, estabilizantes e antibióticos.

A CoronaVac, por exemplo, usa o hidróxido de alumínio como adjuvante e não contém antibióticos ou conservantes. Ela possui apenas estabilizantes: sais que servem para ajustar seu PH, impedindo que fique ácida, segundo Dias.

O acordo entre o Instituto Butantan e a biofarmacêutica chinesa Sinovac prevê a transferência de tecnologia para que o IFA possa ser produzido no Brasil, fator fundamental para que o país consiga imunizar sua população contra a Covid-19 sem depender de outros países, como Índia e China. 

Brasil perdeu independência sobre matérias-primas

O professor da Unicamp destaca, entretanto, que existe uma dependência estrutural no país em relação a matérias-primas compradas do exterior. "Hoje, apenas 5% dos insumos são produzidos aqui. A maior parte vem da China, cerca de 42%, e Índia, entre 27% e 30%", afirma.

"Mas na década de 80 o Brasil produzia cerca de metade dos insumos que utilizava. E isso é uma questão de soberania nacional. Mas com a abertura de mercado no governo Collor ficou mais barato importar do que produzir. Falta uma política de Estado que incentive a pesquisa para a produção de insumos, se nós não mudarmos isso, vamos continuar totalmente dependentes", finaliza.