Se considerarmos o ser humano egoísta e competitivo, como seria possível convivermos sem sociedade sem nos matarmos? Uma das mais clássicas respostas a essa questão é a teoria contratualista. Segundo a teoria do contrato social as normas, as obrigações morais e a vida em sociedade dependem de um acordo, em grande parte, entre os partícipes de uma comunidade. Dessa forma a sociedade civil evoluiu para o Estado, o qual gera benefícios comuns que podem ser resumidos na defesa de direitos e impondo deveres.
O comprador entrega seu dinheiro ao comerciante com a confiança que receberá o bem adquirido porque está sob o mesmo pacto social. Os cidadãos dormem tranquilos porque as forças de defesa externa, a polícia e a diplomacia feita por um punhado de pessoas garantem a paz comum. Há a expectativa que certos comportamentos são puníveis, pois quem viola esse pacto não terá mais direito de colher os benefícios do contrato social.
A doutrina contratualista ganhou uma ampla publicidade no Iluminismo com os escritos de filosofia política de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Em comum esses pensadores buscavam justificar reformas do Estado minimizando o poder despótico dos monarcas absolutos.
Há outros autores que durante a Era Moderna contribuíram à teoria do contrato social, notavelmente a Escola de Salamanca, os pensadores de Bourdéus, Calvino, Socino, Hugo Grotius, Pufendorf e Kant. Dentre os críticos, destaca-se a escola histórica do direito, iniciada por von Savigny, para quem uma ficção legal não poderia ter o peso de determinar a socialidade humana. Outra contestação vem da ética do consentimento. Por fim, as teorias sociais do conflito (marxianos, teorias críticas, teorias identitárias e teoria do sistema-mundo) apontam a opressão sem consentimento dos que estão sujeitos a um contrato social iníquo. Considerando essas críticas, em tempos recentes, refinaram a doutrina contratualista John Rawls, David Gauthier e Habermas. O moderno Estado democrático de direito é impensável sem a doutrina do contrato social.
Para sumarizar as diferenças e pontos comuns entre os três grandes pensadores da teoria do Contrato Social, segue a tabela abaixo:
Thomas Hobbes | John Locke | Jean-Jacques Rousseau | |
Direito natural | conjunto de direitos universais e inalienáveis do ser humano. | ||
Natureza humana primitiva | Ser humano egoísta: “o homem é lobo do próprio homem” | Tábula rasa: ser humano nem é bom ou mal. | “O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe.”* |
Estado de natureza | A guerra de todos contra todos | Insegurança generalizada. | Individualismo improdutivo. |
Contrato Social | Renúncia dos direitos individuais ao Estado em nome da paz civil. | Renúncia parcial dos direitos individuais para o Estado atuar em serviço dos cidadãos. | Transferência dos poderes individuais para a vontade geral em contrapartida do benefício comum. |
Propriedade privada | A propriedade pertence ao Soberano, mas concedida seu usufruto até o limite que o Estado determinasse. | Um direito natural. | Apropriação indevida, mas reconhecida socialmente. |
Deposição de governos | Possível se falhasse em garantir a paz civil. | Possível se falhasse em garantir os direitos naturais. | Permitido se violasse a vontade geral. |
Tipos de regimes políticos | Monarquia, aristocracia, democracia | Democracia, oligarquia, monarquia, Commonwealth. | Monarquia, aristocracia, democracia |
Regime político preferido | Indiferente, mas absolutista dentro de um Estado de Direito | Democracia representativa (Commonwealth) com limitações de poderes. | Democracia direta se o Estado for pequeno |
Principal obra | O Leviatã (1651) | Segundo Tratado sobre o Governo (1689) | Sobre o Contrato Social (1762) |
* Na verdade, Rousseau imaginava o ser humano em sua primitiva natureza como amoral, dotado de instintos de autopreservação e capacidade de compaixão. Do contato do indivíduo com a sociedade se desenvolvia sua moralidade enquanto crescia o amor de si, consequentemente entrando em conflitos e justificando atos imorais contra seus semelhantes. Mas a frase erroneamente atribuída a Rousseau consagrou-se. Desse modo, a recepção de sua obra tem essa leitura como dominante.
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Para o contratualismo, o Estado surgiu a partir de um contrato social firmado entre as pessoas: um grande pacto entre os homens, no qual estes cedem parcela de sua liberdade e direitos em troca de proteção do ente Estatal. Daí é que se legitima o Estado a definir regras sociais.
Antes do contrato social, os indivíduos vivam em estado de natureza, e, somente após o advento dele, passaram a viver em sociedade.
Vejamos quem foram os principais filósofos contratualistas:
Thomas Hobbes
Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês, defendeu a doutrina do direito natural em sua obra “Leviathan”, de 1651.
Segundo Hobbes, no estado de natureza os seres humanos dispõem de liberdade ilimitada e são guiados unicamente pelos desejos de sobrevivência e satisfação pessoal, o que gera conflitos e guerras. É dele que vem a máxima: “o homem é o lobo do homem”.
Dessa maneira, Hobbes se afasta da ideia de que o ser humano é um animal político por natureza, tal qual sustentado por Aristóteles. De acordo com Hobbes, o estado de natureza é hipotético, ou seja, ele nunca existiu realmente.
Ora, apesar de “no estado de natureza” a liberdade ser ilimitada, há solidão, escassez de recursos e medo constante.
A solução para os conflitos gerados pelo estado de natureza é negociar as liberdades individuais através de um pacto social, que prevê algumas regras sociais.
Através da celebração do contrato, surge a “moral contratualista”, que é relativa ao contrato, ou seja, depende dele.
Assim, para Hobbes, é de extrema importância que os indivíduos cumpram os acordos racionalmente firmados por eles próprios.
A criação do Estado funda-se, portanto, no contrato social firmado em razão do receio de violência de terceiros e do desejo de desfrutar da vida e da posse de bens materiais tranquilamente.
John Locke
John Locke (1633-1704) foi um filósofo inglês. Sua principal obra é o "Segundo tratado sobre o governo civil", de 1681.
Ao contrário de Hobbes, Locke não vê com pessimismo o estado de natureza, ou um cenário onde "o homem seria o lobo do homem". Para ele, há paz no estado de natureza e ela somente é rompida quando surge a necessidade de um terceiro imparcial para decidir as lides sociais.
Além disso, Locke acredita que o estado de natureza teria existido de fato, não sendo só uma idealização (como enxergava Hobbes).
Há uma lei da razão, chamada de lei natural que nos aconselha a aceitar as limitações da liberdade para assegurar nossas vidas e propriedades.
Para Locke, a propriedade é um direito natural, em sentido genérico. O termo propriedade (property) possui um significado específico: é o conjunto de bens que asseguram os direitos fundamentais, ou seja, bens que são a própria conservação e condução de uma vida confortável.
Assim, a finalidade do Estado é a preservação da propriedade contra ataques internos e externos.
Locke rechaça a ideia de submissão total ao Estado, ao afirmar que o contrato social reserva os direitos à vida, liberdade e propriedade. Para limitar o poder Estatal, então, a fim de que ele não interfira no exercício dos direitos naturais, Locke propõe a divisão dos poderes entre o Legislativo e o Executivo.
Posteriormente, Montesquieu aperfeiçoou esta teoria, formando o sistema tripartite que conhecemos hoje.
Rousseau
Rousseau (1712-1778) foi um filósofo suíço que compartilhou da concepção naturalista, reconhecendo a existência de um estado de natureza.
Para ele, no estado de natureza, os seres humanos são amorais e não distinguem o bom do mau, simplesmente vivendo em harmonia naturalmente. O "bom selvagem", desta forma, vivia feliz, sem trabalho e sem deveres, a não ser a procriação. Era um estado de igualdade absoluta.
A igualdade só foi rompida quando surgiu o cultivo da terra e, por consequência, a propriedade privada. Aquele que cercou o primeiro pedaço de terra e chamou-o de "seu" instaurou a sociedade civil e, com isso, a desigualdade entre os homens.
A desigualdade foi aprofundada com os avanços da técnica e do conhecimento, pois começaram a surgir diferenças entre letrados e iletrados, ricos e pobres, senhores e escravos.
A existência do Estado sancionou as desigualdades e suprimiu a liberdade.
É por isso que, para Rousseau, o contrato social não teria sido um processo justo, já que muitos trocaram sua liberdade pela servidão. O direito natural (a liberdade naturalista absoluta) estava, portanto, em contradição com a existência do direito positivo.
Ele propõe então um pacto legítimo baseado na verdadeira vontade geral, a qual deveria ser definida por todos em uma gigantesca assembleia e obedecida voluntariamente por cada indivíduo, inclusive o soberano.
Nota-se que o pensador aborda o contrato social tanto como a fonte dos males sociais quanto um instrumento de realização da vontade geral, contrapondo aquilo que é com aquilo que deveria ser.
Rousseau não pressupõe um retorno ao estado de natureza, mas uma forma de associação política que assegure os ideais de liberdade e igualdade.